Aromas que falam

A prazerosa (e difícil) arte de fazer perfumes vai muito além da busca pelo do cheiro perfeito.

25/09/2012 12:30
Aromas que falam

O Brasil, há dois anos, é o maior mercado consumidor de perfumes do mundo, superando os Estados Unidos. Segundo dados da consultoria Euromonitor, os americanos consumiram 5,3 bilhões de dólares em perfumaria em 2010, enquanto que, em território brasileiro, esse valor foi de aproximadamente 6 bilhões. Para se ter uma ideia em 2009, o país consumia 4,5 bilhões de dólares, o que representa um aumento de 33%. Em terceiro lugar estão os Alemães, que geraram lucro para o setor de US$ 2,49 bilhões e os franceses (US$ 2,44 bilhões). Duas das maiores empresas do Brasil detêm, juntas, quase 60% do mercado nacional.

Não é tarefa das mais fáceis produzir fragrâncias doces, que podem trazer boas lembranças da infância, de entes queridos ou de amores vividos uma vez que existe um mosaico infinito de cheiros e sensações que são misturadas para dar origem a outras novas sensações. Esse processo de criação é longo. Em muitas empresas de cosméticos, há, inclusive, um profissional responsável por conhecer todas as matérias-primas, equilibrá-las em proporções perfeitas e trazer à tona o aroma. É esse profissional que deve usar a poderosa memória, o olhar e o apurado senso olfativo para fazer a alquimia necessária que reproduz, no vidro, a personalidade daquele que o usa.

Para ter-se uma ideia da dificuldade que é formar bons profissionais do ramo, há pouco mais de 40 em formação no Brasil, por exemplo.

Na Natura, a maior empresa desse setor no Brasil, a mágica passa pelas mãos e pelo “nariz” de Verônica Kato. A rotina de trabalho inicia na criação de um conceito. “Em seguida, juntamente com outros perfumistas do mundo, criamos algumas opções de fragrâncias. No laboratório, vários ingredientes são pesados e misturados. Lá, avaliamos as fragrâncias e acrescentamos os ingredientes exclusivos, que formam a identidade Natura”, afirma. Após a criação das fragrâncias, sob o acompanhamento da avaliadora olfativa, são feitas as análises e seleção daquelas que mais traduzem o conceito pensado previamente. “Só assim sabemos qual fragrância pode ser mais aceita pelo consumidor. Cheiros provocam sensações e despertam os sentimentos mais verdadeiros”. Kato diz que as fragrâncias da Natura são todas inspiradas em riquezas naturais.

A perfumista afirma, ainda, que a Perfumaria classifica os perfumes de acordo com o percentual de essência utilizado em sua composição. Os nomes são dados obedecendo ao nível de concentração da essência e o poder de fixação à pele, o que determina também o tempo de proteção (veja box). “Ao se estudar a história da Perfumaria, podemos perceber que, no início, as Eau de Cologne (águas de colônia)_ por definição ‘um grande bouquet de cítricos’_ eram preparadas e comercializadas para ambos os sexos”, explica. “Com o passar dos anos, aconteceu a segmentação e as fragrâncias com notas amadeiradas mais pronunciadas foram destinadas ao público masculino; os bouquets florais, para as fragrâncias femininas”, complementa.

 História de sucesso

O Pará também registra histórias de apaixonados por perfumes que vieram de outros países e criaram marcas, que ao longo dos anos, foram responsáveis por deixar os paraenses “mais cheirosos”. A perfumaria Chamma, por exemplo, foi criada na década de 1940 por Oscar Chamma, filho de libaneses que aqui construíram sua família e negócios. Oscar era um aficcionado, segundo Fátima, sua filha, pela Química e pela Amazônia. E foi no Norte que desenvolveu paralelamente ao seu trabalho principal (comércio) uma linha de produtos de perfumaria e cosméticos. Desde aquela época, criava suas formulações com insumos de qualidade importados da Europa, somados aos insumos naturais da região amazônica.

Quando Fátima assumiu a empresa, em 1996, a palavra “Amazônia” foi agregada à marca Chamma, dando origem à Chamma da Amazônia. Hoje, a empresa produz cerca de 50 perfumes diferentes para uso pessoal e em torno de 20 aromatizadores de ambientes. Fátima explica como são feitos os produtos. “Isso ocorre naturalmente, seja pela pesquisa  permanente com intuito de lançar novidades, seja pela descoberta de insumos ou matérias primas com potencial aromático, ou ainda pela busca por fragrâncias que reportem a sensações ou traduzam momentos vividos”, afirma. “São muitas fragrâncias e muitos aromas diferentes, pois absorvemos uma clientela eclética e ,lógico, tentamos agregar gostos e necessidades diferentes”.

A diretora reforça que a empresa sempre busca uma “identidade verde que proporcione sensações olfativas de estar na floresta”. “Isso requer tempo, pois, embora existam contratipos de essências no mercado, o que se deseja é um cheiro que seja aceito e cause bem estar ao consumidor, porém, com um toque diferente  e  que personalize tanto a marca como o usuário, pois o mesmo produto reage de maneira diferente em cada pele e, consequentemente, o resultado final é diferente”, garante.

Essa necessidade motivou ainda mais o contato de Fátima Chamma com pesquisadores, perfumistas e empresas especializadas em matéria prima. “Mas também com a própria equipe interna, que faz suas alquimias e testes. Essa é uma forma de produção muito comum em nossa empresa”, revela. A partir das primeiras misturas e testes, existe a pesquisa de formulação e embalagens, testes internos e testes externos, além do registro na Agência de Vigilância Sanitária. “A partir disso, temos a compra da matéria prima e embalagens, fazemos a manipulação, há o choque térmico (ou resfriamento), maturação e, nesse ponto, temos um prazo de, no mínimo, 20 dias para que o nosso controle de qualidade aprove, passe para filtragem e, posteriormente, envase”, enumera.

De cada lote produzido, três unidades permanecem no chamado “Museu de Amostras” e lá permanece por três anos, tempo de validade do produto, conforme orientação e exigência nacionais. Vinte e cinco pessoas trabalham hoje na Chamma.

Para Fátima, os perfumes são importantes porque são responsáveis por guardar, na memória, as boas lembranças. “Esses cheiros nos trazem lembranças e são essenciais na hora de desenvolver uma fragrância que nos reporte a algum fato, um lugar, ou pessoas que amamos”, assinala.

A tradição paraense

 Ao andar pela Rua Frutuoso Guimarães, no movimentado centro comercial de Belém, é praticamente impossível passar incólume pelo cheiro que exala de dentro do casarão antigo, construído no centro do quarteirão. É uma mistura de fragrâncias, rapidamente reconhecidas pelos bons paraenses e que desperta a curiosidade de quem é de fora. Ali, no número 270, funciona uma das mais antigas perfumarias em atividade no Pará: A Orion.

 Apenas uma parede divide a entrada do prédio de dois andares: do lado esquerdo, a pequena loja que vende os produtos da empresa. O balcão, sempre lotado. Nas prateleiras, cores e garrafas diferem dos mais distintos tipos de perfumes artesanais. Ao lado, estão o escritório, o depósito e o local onde funciona a fábrica dos produtos, uma espécie de mezanino, com grandes garrafões, líquidos coloridos e funcionários que manipulam as  essências. Tudo ali remete aos tempos antigos: garrafas, troféus, canecas e outros recipientes, além de armários e móveis, tão antigos quanto a própria loja.

A empresa, que já foi uma referência no ramo da perfumaria, atualmente tenta se reerguer, motivada pela própria fama na cidade e o típico aroma dos seus produtos. Pelo menos esse é o desejo de Manoel Santos, 42 anos, proprietário da empresa, herdada da família. A loja foi fundada em 1927 por Antonio Gomes, tio-avô de Manoel, que por aqui chegou em 1914, vindo de Portugal. “Estamos já na terceira geração e sempre aqui nesse mesmo lugar”, brinca.  Em 1955, o pai de Manoel resolveu vir também para o Brasil e acabou assumindo o negócio do tio. A iniciação do atual administrador ao negócio só veio mesmo em 1987, quando veio para o Brasil. É ele quem administra a fábrica sozinho há 15 anos.

Manoel é responsável pela compra da matéria prima dos produtores (alguns são parceiros há mais de 40 anos). A partir dos produtos (a maioria do Pará mesmo), é feito todo o trabalho manual de transformação das essências, que são misturadas para dar origem aos perfumes (ou são vendidas na forma bruta para quem gosta de fazer sua própria fragrância). São 34 colônias com aromas diferentes. Além das essências, Manoel diz que existem alguns ingredientes guardados no armário, mas são secretos.

Hoje, a maior propaganda, afirma Manoel, quem faz são os clientes. “Nós vendemos na própria loja e também exportamos para outros estados, mas 70% são vendidos aqui”, confirma. “O paraense gosta de se perfumar, principalmente com cheiros daqui”. O maior período de venda é o mês de outubro, por causa do Círio de Nazaré. Dez funcionários trabalham na empresa e se revezam na venda e produção, por exemplo, de priprioca e patchouli, que se transformam em rótulos como o Feitiço Amazônico, com preços que variam entre 6 e 16 reais.

Perfumes pessoais

Não só para a vaidade servem os perfumes. Eles também são usados na busca pelo bem-estar por meio da Aromaterapia. “Trata-se de uma filosofia de vida que nos ensina a viver bem fisicamente, mentalmente e emocionalmente”, explica Anna Gabriela Coelho, 34 anos, administradora de empresas e aromaterapeuta.

Anna diz que a Aromaterapia não é apenas “um cheirinho” bom no ar ou no corpo, é um método terapêutico que utiliza óleos essenciais puros, combinados entre si para determinado fim, processo que é chamado de “Sinergia”. “Há muitos anos produzo meus próprios perfumes com óleos essenciais e também com essências sintéticas. A prática, que nasceu do desejo de obter aromas exclusivos de uso pessoal, com o passar do tempo se tornou objeto de estudo contínuo e profundo sobre a aplicação dos óleos extraídos das plantas para o benefício da mente e do corpo”, afirma.

A paixão dela por cheiros nasceu pela busca por métodos naturais e pelo desejo de ter um perfume exclusivo que causasse bem estar. “Após anos de uso e estudos, pude constatar como a natureza nos ajuda a ter qualidade de vida com seus aromas únicos e terapêuticos”, ensina. A partir daí, ela começou a propagar a ideia entre as pessoas mais próximas. “Ao explicar para familiares e amigos próximos como eu me beneficiava com a aromaterapia, muitos me pediam para fazer perfumes com propriedades calmantes, estimulantes, ou afrodisíacas para eles”.

Hoje, ela produz artesanalmente aromatizadores de ambientes, óleos de massagem e perfumes personalizados (e direcionados) para cada necessidade do cliente. “Todo o processo é feito com responsabilidade após uma conversa prévia e levantamento do perfil de cada pessoa para saber com exatidão qual sinergia será aplicada”, garante. “Vamos supor que precisamos obter um aroma, que, ao ser usado, possa gerar a sensação de calma e concentração. O passo seguinte é selecionar óleos essenciais com essas características, calcular a proporção da composição e diluir em um óleo carreador para uso em massagem ou em veículos, no caso de aromatizadores”.

E como ela consegue diferenciar as fragrâncias e essências? A resposta é aparentemente simples: por meio, também, da ‘memória olfativa’. “São muitos aromas diferentes e similares; então, não devemos confiar apenas no olfato. O importante é estar atento à procedência dos óleos essenciais, que devem ser sempre de um produtor confiável e principalmente licenciado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, aconselha. “Jamais devemos utilizar esses óleos puros sobre a pele ou por inalação, mesmo sendo naturais, devem sempre estar diluídos em veículos apropriados para o processo, em proporções que somente um profissional habilitado pode desenvolver com segurança, pois a diferença entre um remédio e um veneno é a quantidade”, diz.

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