Na última coluna discorri sobre meu espanto com os avanços
recentes na área de Inteligência Artificial e pedi um tempo para melhor digerir
o que está ocorrendo e ler mais sobre isso. Retomo agora com algumas reflexões
e nenhuma disposição para encerrar o assunto que promete um Admissível Mundo
Novo, parafraseando Aldous Huxley há mais de 100 anos.
O conceito de IA foi definido há mais de 50 anos e as
pesquisas começaram quando ainda se usava cartão perfurado nos computadores. O
conceito pressupõe máquinas que pudessem aprender e não apenas executar
comandos pré-programados como é comum em toda evolução dos computadores. O
desafio incluía não só engenheiros ou programadores, mas uma vasta gama de
cientistas em várias áreas do conhecimento como psicologia, neurologia,
matemáticos, sociólogos e tantos outros que pudessem ajudar a entender o
processo cognitivo do nosso cérebro.
Desde que o computador Deep Blue da IBM venceu o enxadrista
campeão mundial Kasparov em 1997 o mundo se espantou com as possibilidades da
IA. No entanto, nestes 25 anos vimos avanços sutis, não tendo a IA como
protagonista, mas coadjuvante nos processos de buscas na rede, nos atendimentos
de call center com os chat bots, em aplicações na área de saúde e direito
com o Watson da IBM e afins. No entanto, a partir do final de 2022 com o
lançamento do Chat GPT parece que a IA assumiu o papel principal, de mocinho ou
vilão, isso ainda iremos saber.
A base dessa evolução é a IA Generativa capaz de gerar
conteúdo novo a partir de informações já existentes. Pode ser um texto, uma
música, um quadro, um roteiro de filme ou teatro, um texto jornalístico, um
TCC, enfim. Vamos deixar claro esse primeiro aspecto: como diria Lavoisier,
nada se cria, tudo se transforma no universo da IA Generativa.
Vamos pensar numa criança pra fazermos uma analogia. Ao
nascermos nosso cérebro já tem funções primárias de sobrevivência
pré-programadas, como acionar os mecanismos de respiração, digestão, circulação
e todos os sistemas orgânicos. Ao longo da vida somos apresentados a uma
miríade de novas informações todos os dias e a um processo de interpretação e
tomada de decisão que vem do meio em que vivemos, a família em primeiro lugar,
as experiências com outras pessoas, os amigos e o meio em que vivemos.
Somos induzidos a reagir segundo uma tábua de valores da sua
época e do seu meio. Assim apreendemos um código de convivência que Rousseau
definiu como o Contrato Social. A religião, a moral, os costumes, as leis, a
ética definem formas aceitas por um grupo social criando um padrão de
comportamento que moldam nossas ações. Isso cria um senso comum para cada
sociedade e seu tempo.
Da mesma forma a IA Generativa usa esse conceito para
estabelecer padrões, o senso comum. Os humanos são educados por pais,
professores, amigos e seus pares para aprender esse padrão de convivência. Nos
computadores temos uma nova profissão, o instrutor de IA que vai educando e
corrigindo o modelo das respostas. Com sua capacidade quase infinita de
processar informações não é difícil imaginar que havendo uma régua, um padrão,
pode-se associar as informações para criar um novo texto ou música. Assim
podemos pedir que escreva o roteiro de um filme de suspense segundo Htichcock
partindo de um caso de dois irmãos que se apaixonam pela mesma mulher e encerra
com uma tragédia. Ou criar sertanejo universitário contando a história de amor
entre um anão e a equilibrista do circo. A IA varre toda a internet, junta
conteúdo segundo o padrão solicitado e apresenta seu resultado. Mais ou menos
como um ghost writer humano faria. Só que com uma capacidade de absorver
e processar informações que nenhum ser humano seria capaz.
Até aqui tudo parece lógico e nada assustador. Vamos avançar
um pouco mais. O processo de criação do novo envolve conhecer o que já existe,
a vanguarda do pensamento precisa conhecer o que existe na arte ou ciência para
criar o novo. Quanto tempo você acha que usando o mesmo processo de criar o
novo diferenciando-se do que já é conhecido precisarão os computadores e os
programadores para avançarem sobre esse desafio?
Mais uma ponderação preocupante: o ser humano nasce sem
conhecimento, avança até replicar o modelo da sua época e lugar, pouquíssimos
desafiam os antigos padrões para criar o novo que é absorvido pelas novas
gerações e assim sucessivamente. A questão é que esse processo é lento, pois
envolve tempo para absorver e estabelecer novos padrões, de geração a geração,
pois o homem nasce, evolui e morre. O computador só acumula e nunca morre.
Quanto tempo para que esse processo evolutivo seja acelerado pela IA e que esta
passe a estabelecer os novos padrões de comportamento, de conhecimento e de
criação?
Prefiro não saber a resposta.
Celso Eluan