Quando a mineira Bella Falconi anunciou, em dezembro do ano passado, que tinha abandonado suas rotinas radicais de exercícios e alimentação, a comunidade fitness, bem como seus seguidores nas redes sociais, ficaram em completo choque. A mudança foi atribuída à lua-de-mel, quando viajou para a Tailândia com o marido, o empresário Ricardo Rocha, e lá, tendo como cenário uma paisagem inesquecível, ela decidiu repensar seus hábitos. Quem primeiro percebeu foi Ricardo, que, numa manhã a convidou para treinar. Ao surpreender o marido com a resposta de que não estava com vontade, um estalo ecoou no interior de Bella e ao ouvir que ele jamais imaginara que este dia fosse chegar, ela decidiu fazer uma parada obrigatória e pensar. Pensar muito.
Desde então, o rebuliço estava instalado. Em uma entrevista para um programa de TV, Bella declarou que sempre acreditou no equilíbrio físico-mental-espiritual e ela mesma pensava ter conseguido chegar lá, mas colocou a própria vida em perspectiva e concluiu que “a rotina espartana a fazia ser indelicada e que podia estar magoando os próprios amigos”. Dos hábitos de um passado não tão distante assim, ficaram lembranças [das quais ela se permite rir agora]: “levava batata doce para os restaurantes e quando pedia peito de frango grelhado, eu o enxugava até que ele ficasse completamente seco. Na minha cabeça, era absolutamente normal, embora sempre tivesse gente ao redor me olhando feio”, declarou em outra oportunidade.
Bella influenciou [e ainda influencia, não se enganem] gente em todo o mundo. Basta olhar o número de seguidores que a bela coleciona: só no Instagram são mais de um milhão e duzentos mil.
A reflexão e exposição pública dos motivos que levaram Bella Falconi a “relaxar” mais [como ela mesma definiu] trouxeram à tona a discussão sobre a linha tênue que separa a obsessão da busca pelo equilíbrio. Dúvida, aliás, que me levou ao epicentro desta matéria especial para a Revista Leal Moreira.
“O que é verdade?”
No decorrer das entrevistas que foram feitas, o tema divide opiniões: há quem diga que a “onda fitness” é só modismo. E há os que dizem que em tempos de muita informação, não há porque prolongar sofrimentos ou viver sob a cômoda sombra do obscurantismo – que muitos têm despertado suas consciências para viver melhor, mais e em harmonia com o corpo mental [e aos que acreditam, em comunhão com um espírito liberto].
Tamanha divergência me conduziu ao médico Alfredo Coelho.
Conversa vai, conversa vem, chego ao questionamento que tem sido o calo do momento: pergunto para ele se não há um certo radicalismo em rotinas e/ou dietas espartanas demais. “Mas Lorena, a pergunta deveria ser outra, não? Essas pessoas estão felizes?”. Já nocauteada, de cara, digo a ele que me incomoda um pouco a proliferação de perfis em redes sociais de pessoas, como a própria Bella, que compartilham treinos, rotinas alimentares como se houvesse uma “fórmula enlatada, pré-pronta”, que, uma vez aberta, pode ser consumida por todos... muitos dos quais têm limitações orgânicas e emocionais às tais fórmulas. Externo a ele uma preocupação recorrente sobre o culto sem limites pelo corpo sarado, enxuto; pela busca desenfreada pela perfeição.
Ele repete a pergunta “mas eles são felizes?”.
Alfredo Coelho divide seu tempo na ponte aérea entre Belém, onde atende e São Paulo, onde reside. Sua filosofia de trabalho reflete bem esse equilíbrio entre o corpo físico/mente sã/espírito são e é o que o norteia para além do consultório.
“É preciso ser liberto de conceitos e rótulos”, ele preambula. “Quando a gente decide repensar hábitos e mudar rotinas, é fundamental que a gente se liberte de pré-conceitos. Fundamental, sobretudo e antes de qualquer coisa, é a gente querer ser feliz”, sentencia.
Não é fácil mudar uma rotina. Você, leitor, se não é muito afeito ao tema, certamente, em algum momento de sua vida, já arranjou uma desculpa para não abraçar uma mudança: academia, alimentação, relacionamentos.
“Antes de qualquer coisa, é necessário definir conceitos, porque a vida é feita de conceitos para ‘facilitar’ os aprendizados – o que é errôneo – e neste processo, a gente perde muitas vezes a capacidade de questionar. O que é saúde? O que é doença? Alguém sabe o que é doença? O que é doença para ti, pode não ser para mim. Explico melhor: há alguns anos passei a me interessar pelo budismo, o qual pratico atualmente. No Budismo, a doença é um instrumento de evolução. Então alguns conceitos precisam ser relativizados. Por exemplo, o stress é um sinal de que você está vivo, de que há aprendizado envolvido! O problema é que nos tempos atuais o stress é contínuo e perdeu-se a habilidade de saber lidar com ele!”, afirma.
Coelho fala muito sobre verdades pessoais [que são as portas da consciência, que nos conduzirão à nossa felicidade] e recorre aos conceitos do hinduísmo para melhor responder à minha pergunta inicial. “O que é verdade? O que é verdade para você, pode não ser verdade para mim. Por isso, quando um paciente me procura, preciso entender o que ele está procurando e que aquela verdade dele é individual. Logo, só posso dizer se uma pessoa está exagerando e é radical se eu a comparo a uma outra pessoa, cuja verdade e visão de vida diferem muito”.
Nasci diferente
Falando em diferenças de opiniões e diferentes verdades, a consultora de alimentação vegana saudável e funcional Alana Rox inicia nossa conversa falando que nasceu vegetariana em uma família de onívoros carnívoros. “Sou a única e primeira vegetariana da família. Nunca consegui comer nenhum tipo de animal. Desde neném, quando se começa a introduzir papinhas, eu já não aceitava; cuspia, chorava, vomitava. Eu apanhei e fiquei de castigo muitas vezes por não aceitar comer. Nada funcionou. A hora do almoço era sempre a minha hora do terror. Eu nunca entendi como pessoas percebiam animais como comida, nunca fez sentido. Se um cavalo tão forte e resistente era vegetariano, por que eu não poderia ser? Comer seres com coração batendo e sangue quente nas veias não era nada normal para mim. Claro que só fui associar o alimento no prato das pessoas aos animais vivos com uns 3 ou 4 anos de idade”, conta.
A conclusão da joinvilense veio com uma consciência e maturidade atípicas às crianças. Óbvio que tamanha determinação foi confundida com “birra” infantil. “Meus pais me levavam a médicos, achando que havia algo errado e também preocupados com minha alimentação. Por sorte, mesmo naquela época, os médicos diziam para que eu continuasse sem comer, mas que eu apenas me preocupasse em comer oleaginosas, grãos, sementes e ovos. Cresci forte, tenho 1,75m, sempre fui boa esportista, ótima aluna, nunca tive cáries”.
Há dez anos, depois de uma revisão de seus hábitos e apurada observação, Alana decidiu abolir de sua dieta alimentos que tivessem origem animal. “Tornar-me vegana mudou a minha vida em níveis antes para mim inimagináveis. Eu sempre fui vegetariana, mas nem por isso tão saudável. Não por não comer carne, mas porque por falta de informação e opção, acabava comendo muita massa, queijos e pães. Gerava picos de glicemia, consequentemente fome, e então estava sempre beliscando alimentos nem sempre saudáveis, como industrializados, chocolates, iogurtes, barrinhas e salgadinhos considerados saudáveis pela maioria. Até então eu achava que fazia certo, mas meu organismo estava sempre inflamado pela alimentação errada [mas aceita e indicada por muitos nutricionistas] e eu nunca estava imune. Vivia gripada; tinha muitas alergias, garganta sempre inflamada; enxaquecas fortes toda semana e o pior de tudo isso: tive transtorno de ansiedade e síndrome do pânico por anos. Em 1996 minha mãe teve 3 AVCs isquêmicos gravíssimos com sequelas irreversíveis. Minha mãe, onívora, tinha uma alimentação equilibrada, considerada saudável pela maioria. Não bebia, não fumava, era muito bonita e se cuidava... mas sempre teve muitas enxaquecas e eu obviamente achava que também sofria do mesmo mal pois tinha herdado a mesma genética. Nesse pensamento me desesperei: achei que meu destino seria o mesmo. Eu tinha que mudar isso, tinha que fazer algo. Por ter que sobreviver vegetariana numa família e sociedade tão diferentes de mim, sempre gostei de estudar a nutrologia, a química natural dos alimentos em relação à fisiologia do organismo... e tornou-se uma paixão! Quando decidi que meu destino seria diferente do de minha mãe, me aprofundei no universo nutricional e fui me libertando de tudo que não fosse natural, de tudo que pudesse inflamar e oxidar meu organismo, meus neurotransmissores, meu cérebro. Eliminei todo e qualquer industrializado, açúcar, derivados de leite, ovos e glúten. Você nasce com a carga genética, mas pode aprimorá-la ou piorá-la. Você adquire algo muito mais importante do que seu código genético: os hábitos alimentares errados de uma cultura familiar. E sim, cabe a você se reinventar e reescrever a sua história. Se algum médico ou nutricionista tivesse me falado há 20 anos o que eu sei hoje, minha vida teria sido muito diferente, menos sofrida”, conclui.
Alana também é, pode-se assim dizer, uma referência para seus seguidores. Em seu perfil no Instagram [@theveggievoice], ela compartilha um pouco de sua própria história, além de receitas veganas [algumas das quais são surpreendentemente simples!].
Observação apurada
O engenheiro civil Renato Sol, 35, iniciou sua própria revolução pessoal há dois anos, quando procurou Alfredo Coelho. “Senti o alerta quando percebi que estava ganhando peso continuamente. Aliado à fadiga, meus dias, que já eram extremamente corridos, começaram a se tornar martírios!”, conta.
Ao longo dos últimos dois anos, Renato saiu de um percentual de 30% de gordura corporal para 14%. “Eliminei da minha dieta enlatados, embutidos e passei a dar preferência aos alimentos integrais, sem glúten e sem lactose”, revela.
As conquistas espraiaram-se pela família, hoje totalmente adepta da mesma dieta. Se foi difícil? Muito. “Como atuo na área comercial e geralmente reuniões com clientes terminam em restaurantes ou bares, o mais complexo foi cortar a bebida alcoólica e adequar a dieta sem me tornar antissocial. O início é muito difícil pois seus próprios amigos e conhecidos, sem perceber, iniciam uma certa discriminação... mas passado algum tempo você e todos à sua volta se adaptam e seu estilo de vida passa a ser respeitado. Hoje não sinto falta e raramente faço uso de bebida alcoólica”.
Sol é um exemplo de que rotinas estressantes podem [e devem] ser motivadoras. “Meu estilo de vida sempre corrido me levava preferencialmente a fast food. Não há como mudar sua rotina alimentar se não mudar todo seu estilo de vida. Uma dieta balanceada exige disciplina de horários, logo, para efetivá-la, é preciso também adequar sua forma de levar a vida. No meu caso, respeito os horários alimentares e para tal passei a levar uma vida mais calma”, finaliza.
Na verdade há superação
Sobre as “fórmulas prontas e enlatadas”, Alfredo é categórico. “A gente precisa se despir de conceitos, rótulos e acreditar no que se propõe a fazer – e falo isso em todos os aspectos de vida. As pessoas se agarram às fórmulas de outros, como se elas fossem tábuas de salvação. Podem até ser, mas quem tem que decidir isso [e acreditar fervorosamente] é quem procura respostas... quem procura sua própria receita de felicidade”.
Ele mesmo, ainda adolescente e atleta de natação, se viu em meio a um primeiro desafio. Por conta de um acidente com o joelho, ele ficou de molho por um mês – período em que saltou de 65 para 85 quilos. No final de um ano, estudando para prestar vestibular, chegou a 115 quilos. O susto precedeu uma profunda mudança de pensamento. “A primeira revolução começa aqui” [aponta para a cabeça].
Mais recentemente – há um ano para ser mais exato – ele mesmo percebeu os sinais do próprio organismo e decidiu repensar rotinas e desde então adotou uma dieta vegetariana.
Pergunto a ele se foi desafiador e a resposta não podia ser mais reveladora. “Acredito na cura por meio do que coloco dentro do meu corpo. Estou feliz em perceber que alcancei um equilíbrio único!”
Felicidade, afinal, é uma questão de opção. De querer ser.