A vida nunca mais será a mesma

A dupla jornada das mulheres que optaram pela maternidade sem abrir mão da vida profissional.

11/04/2014 11:50 / Por: Aycha Nunes/ Fotos: Dudu Maroja
A vida nunca mais será a mesma

Aprender a cozinhar, decorar, consertar; devorar livros, revistas e sites sobre maternidade; aumentar, reduzir ou até mesmo eliminar o volume de trabalho e fazer tudo isso enquanto amamenta, acalenta e conduz a vida de um pequeno ser completamente dependente. As novidades agregadas à maternidade não são poucas ou fáceis, mas não há mãe que não encha os olhos de amor ao falar sobre elas.

Mãe das gêmeas Giovana e Giulia, 10, e de Marcela, de 8 anos, Aretusa tem, como maior aliado da rotina familiar, a proximidade do trabalho com a casa onde a família vive. E é graças a este privilégio que ela consegue administrar a profissão, a família e preservar rituais, como fazer as principais refeições com a família inteira em volta da mesa.

“Amo ser mãe. É um prazer sem igual dividir com as meninas a minha vida e todos os momentos das nossas. Hoje tenho uma grande vantagem: o fato de morarmos perto do local onde eu trabalho e de onde as meninas estudam. Graças a isso consigo estar sempre com elas. Nós cinco sempre tomamos café e almoçamos juntos e, na maioria das vezes, Marcelo (esposo) e eu as deixamos e apanhamos – juntos – na escola. Adoro colocá-las na cama. Este é o momento que rezamos juntos. Somos pais presentes, não por obrigação e sim pelo imenso prazer que é estar com elas”, declara.


O modo como fala sobre a rotina com as crianças, faz a vida de mãe “de três” parecer simples, simplíssima. Contudo, Aretusa explica que manter o companheirismo com as meninas é resultado de um esforço diário e constante. “As mudanças começaram desde que descobri que teria gêmeos, porque a preparação incluiu um enxoval dobrado, o desafio de arrumar o quarto (super pequeno) com dois berços e a inevitável leitura diária para “aprender” a ser mãe de gêmeos. Com a chegada da Marcela (um segundo susto, já que a gravidez não fora planejada e as gêmeas ainda não tinham dois anos) precisamos fazer uma ginástica para colocar a terceira criança no pequeno quarto. E eu tive que aprender a dividir meu tempo entre a bebê e as maiores que queriam e precisavam de atenção”.

“Os malabarismos para estar presente na vida dos filhos são diários. Não somem com o passar dos anos. Conciliar tantas funções não é fácil, ainda mais com elas estudando em turnos diferentes. É um desafio diário. No carnaval, por exemplo, tive que me desdobrar para atender as três. Fui ao comércio várias vezes. No final, elas ficaram lindas e eu quebrada, porém, feliz e realizada”, lembra.

“À medida em que elas crescem, o ritmo vai mudando e tudo vai se ajustando. Hoje as meninas já não dormem às 20h, como antes, mas entre 21 e 21h30. Vemos filmes juntos e curtimos refeições ‘a cinco’. Elas adoram dormir no nosso quarto e nos fins de semana fazemos ‘um acampamento’. Agora estão na fase de querer ir ao salão comigo, adoram fazer as unhas e eu adoro a companhia delas”, conclui.

Dotes

“Estou aprimorando meus dotes culinários”, revela, entre risos, a estilista Vivianne Huhn. A revelação, que escapa quase como uma piada quando o assunto é a rotina com os filhos, desnuda uma faceta pouco conhecida da vida da designer: Vivianne não pensa duas vezes na hora de trocar o atelier pela cozinha quando se trata de um pedido dos filhos. Há pouco tempo, a estilista revelou a amigos que saíra de casa em uma noite de domingo, para comprar os ingredientes necessários para a materialização do desejo de seu filho mais velho, Roger, 11 anos: um bolo bem-casado.

“Como minha rotina é puxada, inclusive pelas viagens a trabalho, eu procuro atendê-los sempre. As crianças são apreciadoras de uma boa cozinha e eu não gosto muito de sair, então tenho aprimorado meus dotes culinários para ficarmos mais juntos e em casa. Além disso, eles curtem muito e sempre falam que a mamãe é ‘a melhor cozinheira do mundo’. Ultimamente eles também começaram a planejar as refeições: pesquisam as receitas na internet e eu as executo”, conta Vivianne que também é mãe de Lina, 9 anos.



O aumento da frequência com que pisa na cozinha não foi a única mudança que a estilista se impôs. “Eu não consigo estar muito presente – não tanto quanto eu gostaria – e não me culpo por isso, mas faço dos nossos momentos, especiais. Tento propor formas diferentes de estarmos juntos. Recentemente descobri que voltar a pé da escola pode ser muito proveitoso. Deixo o carro estacionado no trabalho e vou buscá-los. Este é um momento em que entro no mundinho deles. Aproveitamos para fazer um resumo das atividades, das pendências. Tomamos sacolé, comemos bobagem... É uma delícia”.

Diminuir o ritmo ou parar de exercer a profissão nunca foi uma opção para a estilista, no entanto, ela acredita ter encontrado a sua fórmula para o equilíbrio entre a profissional e a “melhor cozinheira do mundo” e nesta receita não faltam diálogo e paciência.

“Acho que toda mãe moderna vive na corda bamba quando o assunto é rotina da casa e dos filhos. Estou o tempo todo conversando com eles para que entendam que minha ausência não é abandono – é uma fase pela qual eles também passarão. Dou aos meus filhos os meus melhores momentos e quando estou com eles, sou deles, de verdade. Na cozinha temos momentos maravilhosos, mas acho que são as quebras de rotina que garantem nossos momentos mais legais, como por exemplo, levar colchões para a sala, dormir no quarto deles, fazer pipoca com brigadeiro, são algumas das nossas peripécias” revela.

E mesmo após fazer parecer natural a correria diária, Vivianne surpreende e é enfática ao declarar que não nasceu para ser mãe. “Não, definitivamente não. Eu aprendi a ser, na verdade estou aprendendo. Todo dia aprendo algo diferente com meus filhos. Ninguém nasce pronto, vamos nos moldando, vamos nos aprimorando e estes dois filhos me ensinam especialmente a arte da paciência e da resignação”, pondera.

Projeto

Na vida da farmacêutica Ana Claudia Eluan, mãe de Gustavo, 2 anos, a maternidade foi muito bem planejada, assim como a decisão de deixar para trás a carreira consolidada e ser mãe em tempo integral. O único elemento desta equação que não estava nos planos da família era o preconceito que surgiria a partir da mudança.

“Sempre me imaginei mãe, mas confesso que busquei outras realizações antes de colocar em prática este projeto. Eu sabia que viveria a maternidade de forma intensa, então a protelei. Casei, viajei, me estabeleci profissionalmente, comprei meu apartamento, emagreci, cuidei de mim... e só depois de quase sete anos de casada, ‘engravidamos’. Fui mãe aos 34 anos, bastante madura e certa do que queria”, afirma.

A preparação para a chegada do bebê foi intensa. “Criei muita expectativa em relação à maternidade. Eu não imaginava que fosse brincar de boneca e por isso tive nove longos meses de muitas dúvidas e questionamentos. Seria uma boa mãe? Suportaria as noites sem dormir? Saberia cuidar? Como seriam as cólicas? E quando ele nasceu, foi tudo tão mais simples do que eu esperei e não sofri tanto assim com as mudanças”, conta. Ela confessa também que a principal mudança após o nascimento do Gustavo foi o sono.

“Eu começava a trabalhar às 10h, então sempre pude dormir até um pouco mais tarde e ter um café da manhã tranquilo – o que foi impossível manter, obviamente. Gustavo era madrugador e despertava cedíssimo. O resto todo veio junto: acordar cedo, café corrido, pouco tempo pra mim, noites mal dormidas... Mas passou rápido, logo tínhamos uma nova rotina estabelecida, à qual nos adaptamos e que muda sempre, de modo a se ajustar a cada nova fase dele”.

E foi em meio a tantos ajustes de rotina, que chegou o momento de voltar ao trabalho, com o fim da licença-maternidade. A necessidade de se doar por completo ‘gritou’ nos ouvidos da farmacêutica. “Acho que intuitivamente e inconscientemente eu pensava em não voltar a trabalhar quando decidi engravidar. Durante a gravidez isso passou repetidamente pela minha cabeça, mas eu não externava. Não falava. Sempre fui centralizadora e dedicadíssima aos meus projetos. Ter um filho e ‘deixá-lo’ aos cuidados de terceiros não era algo que me agradava. Do outro lado eu tinha 13 anos de trabalho duro na mesma empresa e um cargo excelente. Era difícil pensar em abandonar isso. A guerra travada comigo mesma foi dura, mas tudo ficou claro quando o Gustavo nasceu”.

Preconceito

“Sou inquieta, por natureza. Não consigo ficar sem trabalhar. O que eu não podia era trabalhar tanto quanto antes”, afirma Ana Claudia. A frase, que poderia ser uma justificativa, estava longe de ser. A decisão de sair do emprego e abraçar a maternidade foi tomada de forma serena, que não permitiu [e ainda não permite] espaço para arrependimento, no entanto as críticas e o preconceito disfarçado de curiosidade sempre tentam, em vão, acabar com a serenidade da mãe de Gustavo.



“Sempre ganhamos e perdemos algo com as nossas escolhas. Quando decidi sair do emprego, estava consciente do que perderia e muito mais do que ganharia. Para algumas pessoas, no entanto, minha escolha foi uma derrota. Para essas, minha opção era uma demonstração de fraqueza, visto que eu não conseguia fazer algo que muitas mães fazem há séculos. Pra mim, porém, foi uma vitória. Uma vitória contra o preconceito – incluindo o meu – sofrido pelas mães que simplesmente escolhem estar mais tempo com o filho”, desabafa, e mesmo hoje, dois anos após a saída da empresa onde trabalhava, palavras como “louca” e “dondoca” ainda teimam em perseguir Ana Claudia. “Meu marido apoiou completamente a minha decisão. Também tive apoio dos meus pais, irmãos e alguns amigos. Mas para a grande maioria eu estava cometendo a maior loucura da minha vida. Ouvi e ainda ouço coisas do tipo: “Vais ser dondoca”, “Assistes televisão a tarde toda ?”, enumera.

Ela conta que a maior preocupação das pessoas agora é saber o que Ana Claudia faz enquanto o Gustavo está na escola. “Também perguntam se eu abandonei a profissão ou se vou ter outro filho para justificar tamanha loucura e isso me entristece porque eu nunca julguei ou condenei alguém que tenha escolhido ou precisado voltar a trabalhar. Logo, não acho justo que a decisão de não voltar ao trabalho seja julgada como algo negativo”, lamenta.

Diante das críticas e dos olhares de reprovação, Ana Claudia tem uma certeza: A de que fez a escolha certa. “Nunca me arrependi desta decisão. Tenho um filho fantástico, seguro, companheiro e que me mostra com sua personalidade o quanto minha presença foi e é importante para ele”, conta sorrindo.

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