Antes tarde do que nunca

A dor e a delícia da paternidade depois dos 40 anos. Mais experientes, pais contam sobre a relação com os filhos.

16/08/2013 15:11 / Por: Anderson Araújo/ Fotos: Dudu Maroja
Antes tarde do que nunca

A paternidade não é dádiva da fisiologia. Ao contrário do que acontece com as mães, o pai não muda o corpo. Não diretamente (no máximo, uns cabelos brancos e um acúmulo maior de gordura devido ao estresse da espera e suas conseqüências). A naturalização de não ser mais ele o filho e agora estar na posição de vidraça/provedor demora, vem devagar: em nove meses de inflação do ventre da mulher. As 40 semanas com a mãe no centro das atenções reservam ao homem o papel de “coadjuvante quase sempre apavorado” para os marinheiros de primeira viagem. É muita aflição, mas a idade traz alguma calma necessária para os que esperam a estreia primorosa da carne de sua carne no mundo.

O publicitário Carlos Leal, hoje com 48 anos, sempre quis ser pai. Estava escrito em seus planos guardados na última gaveta do escritório, abaixo das centenas de projetos de criação, das planilhas, das primeiras férias longas, das segundas também, da necessidade de abraçar a carreira e domá-la nesse competitivo e exigente mercado da propaganda e do marketing. A ideia de cuidar e dar amor a uma criança foi ficando para depois e, somente com 40 anos, Carlos pode vê-la realizada.

Nascia, em 2004, Carlos Júnior, o primogênito que viria mudar a vida do publicitário. “Mudou tudo completamente. Eu passei a acreditar no que antes me diziam, naqueles clichês de amor incondicional, o que eu achava um exagero. Hoje, eu sei que é tudo verdade e minha vida é toda voltada para o meu filho”, conta Leal, que assumiu completamente a criação do filho desde que ele fez dois anos.

Sobre ser pai depois dos 40 anos, Carlos conta que é mais confortável, há mais tempo e a experiência e a compreensão do mundo do pai somada à visão nova e sedenta de novidades do filho podem resultar em uma relação rica de companheirismo e de cumplicidade. “Hoje, somos grandes companheiros. Fazemos tudo juntos, conversamos, trocamos impressões. É uma experiência formidável”, diz ele, que está agora cuidando da segunda filha, Carla, de sete meses de vida, seu novo presente e agradável exercício de paternidade em idade mais madura ainda.

O representante comercial Armando Chady, 55 anos, também está todo “babão” com o pequeno Matheus, de 1 ano e sete meses. Fazia 22 anos que ele não vivia a sensação de ter um bebê entre as mãos. O último filho nasceu quando ele tinha 32 anos e o primeiro, aos 27. “O tempo traz mais paciência. Ficamos mais atentos aos erros de criação que cometemos e procuramos consertar. Fora que a gente fica mais tolerante. Não é mentira aquela ideia do “pai-avô”, que é muito mais carinhoso com o filho”, argumenta.

Mais participativo, Chady diz que hoje a tecnologia ajuda a trabalhar mais em casa. “Sou representante comercial de uma indústria de papel. Antigamente, eu precisava sair de casa para reunir e acertar detalhes em outros lugares. Hoje, o smartphone, o computador, tudo facilita muito. Boa parte do meu trabalho é em casa. Dá para ficar mais perto da família e participar melhor da criação, acompanhar mais o crescimento e todas as fases do bebê”, defende ele.

“A experiência quando se tem 26 anos é muito diferente de quando se tem mais idade. Em relação a tudo. Depois dos 40 anos, você tem uma relação muito mais complacente com o filho, quase como um avô, é quase como o carinho a um neto”, diz o bancário de 53 anos, José Ventura. Ele reforça a o conceito da figura mais velha, mais tolerante e amiga do filho. Hoje, com o filho Diogo de 13 anos, ele olha e vê diferenças marcantes na criação que deu ao primeiro filho, Diego.

A rotina e o acompanhamento na vida do filho têm sido pautados pela amizade. “Gostamos do bom e velho futebol. E aqui em casa todo mundo já nasce Paysandu. Quando tem jogo, vamos juntos. Ele mesmo é bom de bola e joga no sub-13 do clube. Viajamos juntos sempre, nossas últimas férias foram em Recife. Sou o típico pai coruja, muito companheiro. Acho que a idade influencia muito na visão que temos do mundo. Ter um filho depois dos 40 anos de idade, pelo menos para mim, foi muito diferente”, pontua.

Pai aos 50

Já o professor do curso de Geologia da Universidade Federal do Pará, Raimundo Netuno Villas, não concorda com a ideia do “pai-avô”. Hoje, ele tem 69 anos e recebeu a filha Luanda quando tinha 49 anos, quase chegando à casa dos 50. “Discordo da ideia do pai-avô, porque fui pai mesmo, impondo limites, mostrando como deve ser o certo e o errado, sem também reprimir as vontades da minha filha. O que acredito é que a idade realmente traga mais sabedoria e tolerância em todos os níveis da vida. É uma compreensão mais madura e sensata das coisas, inclusive sobre a paternidade”, comenta.

Quando a filha mais nova nasceu, ele já havia passado pela experiência de ser pai, no entanto a convivência com o primeiro rebento foi pouca. Já com Luanda, Raimundo estreou a paternidade com direito a chorinho de madrugada, a segurar nas mãos durante o primeiro passo, a levar à escola e toda a rotina a que um pai está submetido de maneira incontornável depois que assume o título para si mesmo.

De uma geração cuja relação entre pais e filhos era mais rígida e menos aberta ao diálogo, Raimundo diz que a proximidade com a filha é baseada na troca de conhecimento e experiências. “Eu não tive muito esse diálogo aberto com meu pai. Falava muito mais sobre as minhas experiências pessoais com minha mãe. Era uma relação de muito respeito, mas baseada também no medo. Entendo que não é bom que seja assim. Hoje, eu e minha filha conversamos. Ela tem toda a liberdade para falar se não concorda com uma ideia ou um atitude minha. Isso antes era impensável na relação pai e filho”, comenta.

“Não houve diferença entre a criação da minha primeira filha e a segunda, porque, para mim, era tudo novidade. Mas acredito que, pela minha idade, nossa relação é muito mais próxima. Ela é extremamente apegada a mim e à mãe, embora seja hoje uma pessoa independente, dona de suas próprias ideias, sem interferência alguma nossa sobre as decisões dela”, enfatiza Raimundo, que exercitou a paternidade com prazer e dedicação, mesmo com a rotina pesada das aulas na universidade. “O trabalho sempre me tomou muito tempo por causa de minha dedicação exclusiva à Universidade, mas não me impediu do papel de pai presente e amigo”, conclui o professor.

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