Jamón natural de Parma

A excelência de Langhirano é exportada para o mundo inteiro, com selo de qualidade e origem controlada.

13/02/2014 19:15 / Por: Sara Magnani/ Tradução Lorena Filgueiras/ Fotos: AcerbiMoretti Photography
Jamón natural de Parma

Produzido nas terras de Matilda de Canossa (duquesa medieval), entre a província de Parma, na Emilia Romagna e o leito do rio Enza, o presunto de Parma tem suas razões para ser tão famoso no mundo inteiro. Na relação com a sua própria terra, é importante destacar sua própria doçura, a natureza, o sal, o vento. A área de produção no Norte, fica a 5 km da Via Emilia, uma antiga estrada construída pelos romanos durante a era republicana, para que pudessem ficar longe da neblina e umidade do rio Pó, características tão típicas do Vale do Pó. Nas colinas, é interessante não produzir acima dos 900 metros, senão o frio, que dura muito tempo lá, pode minar a maturação do jamón. Ao Leste e ao Oeste, a área é delimitada por dois rios: o Enza e o Stirone. Agricultores (com toda a sua poesia) contam que, em determinados dias, o cheiro do mar ultrapassa os picos das montanhas e adentra o vale.

Há mais de dois mil anos, nesta área são feitos os presuntos de Parma, amadurecendo lentamente, com séculos de segredos passados de pais para filhos. São “sussurros” que revelam como melhor manter a firmeza dos pernis e, com grande habilidade, como cruzar diferentes raças de porcos para obter porcos fortes e, assim, uma carne mais suave e mais saborosa.

Selo de qualidade especial

A carne do porco, depois que se acresce o sal, perde uma considerável quantidade, de modo que ela seca. Daí a derivação latina da palavra prosciutto, prae exuctus, “ressecado”.



Há evidências de que salsichas de Parma já faziam parte dos hábitos gastronômicos dos romanos, quando Parma era o coração da Gália (norte da atual República Italiana). Mesmo assim, nesta mesma região eram criados grandes rebanhos de porcos, e, portanto, os embutidos eram comuns. Catão (cônsul romano), no século II a.C., em seu “Manual de Agricultura”, já falava sobre a produção de presuntos salgados. O título de “magister procarium” era equivalente ao de “mestre artesão” e muito mais importante do que o de “mestre queijeiro”. Fala-se ainda do grande apreço de Aníbal, em 217, quando foi a Parma, e ficou encantado com os embutidos salgados, que os habitantes do local lhe ofereceram como um presente, um “agrado”.

A partir do ano mil, o presunto torna-se um alimento de elite; havia mais espaço para o cultivo de cereais e a carne foi penalizada pelos altos impostos cobrados dos agricultores. Depois do ano 1300, os agricultores de Parma começaram a usar o sal dos poços de Salsomaggiore, uma cidade-balneário, na área de Parma. Tratava-se de um sal rico em enxofre e sódio, e foi útil para parar a proliferação de bactérias, ajudando na conservação de todos os tipos de carnes. Em 1500, muitas leis que proibiam a livre circulação de suínos na cidade são aprovadas, o que sugere que as criações de porcos já estavam bem desenvolvidas. E assim, o presunto de Parma chegava às mesas da nobreza e da aristocracia.

Nos tempos atuais…

Em 1963, nasce o “Consórcio”, uma organização de produtores que defende a unidade do “reino” de presuntos e preserva o método de processamento local. Nasce também um selo (uma coroa e cinco estrelas) gravado com brasa quente, que distingue os presuntos que foram certificados pelo “Consórcio”.

“Nada do porco se joga fora” é um dito italiano, que se repete de geração em geração: o porco ou a carne de porco são totalmente utilizados; tudo é aproveitado, incluindo o pelo, que se torna escovas de cerdas e a cabeça é usada para fazer um saboroso caldo. Mas o porco usado para fazer presunto de Parma é um animal especial, diferente do porco europeu. O pernil (a coxa) deve ter entre 14 e 16 kg, logo, o porco pesa aproximadamente 180 kg.

Nascido e criado em apenas dez regiões da Itália, exclusivamente das raças Landrance Large White e Duroc, esses porcos são alimentados com comida de qualidade, como milho, cevada e soro de leite. Este mesmo animal deve ter mais de nove meses de idade – apenas mediante estes requisitos, por meio de documentação e certificados; tendo sido identificado pela “tatuagem” (o selo) aplicada pelo agricultor, este suíno pode ser introduzido no circuito de Parma.

É desta forma que o estado italiano formula uma lei específica para o Parma; e a União Europeia reconheceu a denominação de origem protegida, em 1996. As normas, garantidas pelo Consórcio, são verificadas pelo Instituto de Qualidade – registros cada vez mais rigorosos: sabe-se a origem de cada animal, bem como os métodos de reprodução, o peso, a idade.



A arte dos mestres

Evitar conservantes e corantes; esperar o grau certo de maturação.
Assim que estão prontas, sal e tempo: pelo menos doze meses de maturação. A história do Parma é composta de homens que escolhem as coxas (pernil) mais adequadas, que controlam e cortam (à mão) e que com um olhar apenas, sabem onde adicionar mais sal.

O passo mais delicado na produção? Em primeiro lugar, a qualidade inquestionável da matéria-prima, ou seja, o porco. É nos primeiros vinte dias, período em que o sal penetra na carne, na quantidade certa, fazendo com que o presunto fique doce-salgado de modo a preservar as características organolépticas e olfativas. Durante a maturação, há perda de água e a carne perde pelo menos 30% do peso inicial, ao contrário do presunto, que em vez disso aumenta em peso, quando é colocado em salmoura (água salgada saturada). Depois disso, o produto será mantido em local fresco por pelo menos cem dias.

O presunto fresco selecionado deve repousar durante um dia inteiro, em células especiais de refrigeração, a uma temperatura de 0°C, de modo que a carne endureça e que se possa cortá-lo com mais facilidade. As coxas utilizadas na produção do presunto Parma não devem sofrer – além da refrigeração – qualquer tratamento de conservação, já que o presunto deve ser tão natural, quanto possível.

No sétimo mês, acontece o processo de “engraxamento” ou “engorduramento”, em que uma pasta (que mescla gordura, sal e pimenta) é usada para selar, vedar as partes do presunto que são expostas ao ar e amaciar a carne uniformemente. Uma verdadeira obra de arte.
Em seguida, os presuntos são transferidos para um porão, onde devem permanecer por pelo menos cinco meses, onde secarão gradualmente. Para entender seus pontos fortes e fracos, um nariz experiente – com o olfato que foi formado ao longo dos anos; característica que não se aprende com treinamento algum, senão com o contato direto, com amor e paixão – faz todo o diferencial. A este momento de “investigação olfativa” chama-se “Spillatura”.

Depois de pelo menos doze meses de envelhecimento, o presunto pode ser – finalmente - marcado com a “coroa ducal” com 5 pontas e a palavra “Parma”. Na “casca” do presunto, de cada presunto, está descrita sua história: um código de identificação fornece o mês de nascimento do animal abatido, o número do estabelecimento de abate e ainda uma sigla “PP”, assegurando a procedência do “Prosciutto di Parma”.

Por que Langhirano?

Langhirano, terra de tradição, com menos de 10 mil habitantes, concentra a maior parte dos produtores de presunto; é local de nascimento do Presunto de Parma – cujo “domínio” espalhou-se às cidades vizinhas, como Felino e Sala Baganza. Os moradores de Langhirano dizem que o presunto é tão doce e de grande qualidade por conta dos séculos de tradição e ao ar do mar Tirreno. No Monte Caio, há um ponto muito baixo dos Apeninos, de modo que uma leve brisa do mar passa pelas florestas de pinheiros e faias. “Nós, que vivemos em Langhirano, sabemos como fazer o presunto até de olhos fechados “, brinca um produtor da região, que há 25 anos pratica esta arte.

Em comparação com a tradição de séculos, o método de produção não mudou muito. No início dos anos cinquenta, o processo de maturação, por exemplo, fez com que os queijeiros utilizassem o soro do queijo parmesão, juntamente com o milho, para alimentar porcos. Mas é a partir dos anos sessenta, que a maturação começa a ser feita do mesmo jeito que é feita até agora. Hoje, com as novas tecnologias, a vantagem, talvez a única, é que eles podem matar e amadurecer em todos os meses do ano, graças ao frio, enquanto uma vez que em tempos idos, o abate e a maturação eram ligados às estações do ano.
“Mas fundamental mesmo é compreender a carne, conhecê-la”, afirma Mario, que desde 1976 é responsável pela cura do presunto nestas terras. Ele diz que para fazer um trabalho como este, há que se ter paixão e que cada vez que vê um presunto novinho, o amor se renova e é uma experiência diferente a cada vez. “Não existem regras que definam se o presunto é perfeito ou não. As variáveis são muitas”. Por exemplo, um jovem apaixonado, ansioso por se tornar mestre de presunto, tem que fazer um estágio de pelo menos cinco anos. Serão necessários tempo e experiência para saber onde colocar o sal, que tipo de carne você está trabalhando; se você precisará apurar sua visão, seu toque, seu olfato.

O que é importante quando uma fatia de presunto é degustada (e estamos falando do presunto de Parma), é estar ciente de que, por trás desse simples ato, há um enorme capital investido. O consumo de Parma na Península Italiana é bastante estático, enquanto há um crescimento significativo das exportações para outros países. Ele é exportado para a Europa 20-22% da produção, especialmente para a França e a Alemanha. Atualmente a Rússia também está se tornando um mercado importante. Na contramão, as vendas são limitadas para os Estados Unidos, Japão, China – ainda que seja um produto da alta gastronomia de elite.

Importante, também, é lembrar que estamos desfrutando de um produto que é feito de carne de qualidade, elaborado cuidadosamente pelas mãos de especialistas, conforme tradições seculares. De pouco sal e muito tempo.

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