O queijo vermelho e o branco

Ele é encontrado no mundo inteiro - das cozinhas da alta gastronomia às pequenas tabernas e tascas.

11/04/2014 12:03 / Por: Sara Magnani / Lorena Filgueiras/ Fotos: AcerbiMoretti Photography
O queijo vermelho e o branco

As vacas holandesas, como popularmente são conhecidos os espécimes da raça Holstein-Frísia, lotam os estábulos da Emilia Romagna (região no Norte da Itália). São as clássicas “manchadas” em preto e branco. Até a Segunda Guerra Mundial, entretanto, outra raça “habitava” essas terras: as Reggiane rojas, também chamadas de “vacas vermelhas” – que de “vermelhas”, tinham muito pouco: seus pelos se assemelhavam, em cor, ao trigo maduro. Um ou outro animal distingue-se pelo focinho, sempre rosado e nunca negro, como o da raça holandesa.

Há tempos, as vacas vermelhas eram usadas para arar campos, puxar carroças. Delas ainda provinham o leite e a carne, até que se decidiu misturá-las a outras raças, com a finalidade de obter mais leite. Começava aí a história da escassez das vacas vermelhas – tanto que ao final do século XX, havia menos de mil exemplares delas. Descobriu-se, então, que seu leite possuía uma proteína que o tornava mais doce e saboroso, portanto perfeito para a produção de queijo parmesão. O Parmigiano Reggiano, feito a partir do leite da vaca vermelha, é considerado um dos melhores queijos parmesão do mundo.

De onde vêm? Aparentemente, o primeiro espécime da vaca vermelha nasceu por volta do ano 1000, na região onde hoje é a Hungria, e foi para a Itália com as invasões lombardas, de 1200. Atualmente, na Ucrânia e na Rússia central, ainda é possível encontrar exemplares cujas pelagens são vermelhas, muito similares às da Reggio Emilia. Desta forma, a raça que estava em perigo de extinção lentamente volta a repovoar tais regiões. Segundo produtores europeus, atualmente eles contabilizam 2.500 animais, distribuídos em 177 granjas italianas.

A tradição do leite bovino


A transformação do leite em queijo é feita há aproximadamente cinco mil anos, segundo uma inscrição suméria do século III a.C., exposta no Museu de Bagdá. Ainda de acordo com estudos, o queijo parmesão seria mais jovem, com aproximadamente 450 anos.

Percorrendo os caminhos dessa verdadeira “via-láctea” (sem falsos trocadilhos), fomos convidados a visitar uma queijaria na Reggio Emilia, onde a matéria-prima do parmesão é o leite proveniente de vacas vermelhas.



Para fazer uma forma de parmesão, são necessários de 500 a 600 litros de leite. As vacas vermelhas produzem leite, tanto no frio, quanto no calor, não sendo afetadas pela mudança de clima e temperaturas. O importante, dizem os produtores, “é que não haja vento, senão elas se sentem envergonhadas e não produzem leite”.

A vaca é normalmente ordenhada duas vezes ao dia – à noite e pela manhã. O produto da ordenha da noite é colocado em grandes tanques de aço, para que descanse e seja resfriado – e ainda para a gordura subir à superfície, de modo que possa ser retirada. Este é o leite semidesnatado, mais leve. Já o da manhã é colocado em uma grande caldeira, com cobre no interior. Os dois são misturados e aquecidos juntos para dar vida ao que será o leite perfeito para produção de queijo. Enquanto isso, o soro do leite ácido, rico em bactérias (produzidas pelo próprio leite) e usado para controlar justamente a acidez, é adicionado. “Eis um produto artesanal”, nos contam, “muito importante porque cada um carrega consigo uma característica particular (de cada leiteria) e, portanto, o sucesso do queijo parmesão”.

Uma vez que o leite atinge a temperatura desejada (26 Réamur ou, aproximadamente, 33°C), é hora de adicionar o coalho – substância que é obtida a partir do estômago de bezerros – e deixá-lo descansar, esperando apenas a “coalhada”, uma espécie de gelatina branca espumosa. “Houve um tempo em que essa mistura era feita à mão. Hoje, naturalmente, há mecanismos para isso”, explica Glicério, fazendo-nos imaginar por um segundo quão cansativo e esgotante era o ofício de queijeiro. Há quarenta anos, Glicério trabalha na indústria de laticínios. É queijeiro, tal qual fora seu pai.

A “via láctea”

Quando a coalhada está pronta, inicia-se a fase de “spinatura” [chamada assim por causa do “spino”, uma ferramenta que “quebra” o requeijão uniformemente]. Nos tempos antigos, o cipó-de-Judas (também conhecido como “tripa-de-Judas”, no Brasil) era usado nesse processo. Aos poucos, a caseína é separada do líquido, para, em seguida, aumentar-se a velocidade de mistura, que levará à consistência desejada: nem muito fino nem muito espesso, com a aparência de uma cerâmica branca. Depois de tantos anos de experiência, o queijeiro sabe a hora certa, o ponto certo de parar de mexer.

E assim, no fundo da caldeira, a forma – ainda – sem forma: uma aglomeração de queijo, uma bola albina. Em uma hora, ela poderá ser retirada da cadeira.

Do outro lado, no celeiro, oitenta vacas dividem um confortável espaço. Um animal produz aproximadamente 60 quilos de leite ao ano. Deve-se considerar que o ano de lactação tem a duração de 305 dias – os sessenta restantes são dedicados ao repouso, para que o animal se recupere e produza leite de qualidade.

No celeiro, cada animal tem sua própria “cama”. As vacas são alimentadas com grama, cevada, sais minerais, vitaminas e soja. Cada uma tem sua própria dieta – rígida, elaborada de acordo com seu peso, necessidade e características.
A procura pelo queijo é enorme e chegam pedidos de todo o globo: eles vêm do Japão, China, Canadá, Austrália, Suécia e também de toda a Europa para comprar o parmesão produzido pelas “vacas vermelhas”.

Voltando à queijaria

Pouquíssimo tempo se passou desde que a massa ficou repousando no fundo do tacho – aproximadamente meia hora. Todos os dias são assim – o mesmo procedimento, já que o Consórcio do Parmigiano Reggiano também não pode parar. E segundo suas rígidas normas de produção, é proibido guardar leite de um dia para o outro.



Eis um trabalho que [ainda] não pode ser feito por uma máquina: o produto deve ser ouvido, tocado, cheirado, cortado. É emocionante ver a forma ser levantada e o queijo que está ali, ainda sem forma, ser cortado em dois, com um facão; e com habilidade e maestria ser envolvido delicadamente em panos de linho, para logo em seguida, pendurá-los – como roupas em um varal – e esperar escorrer. O resultado será uma forma de aproximadamente 40 kg cada um.

Após essa fase, esses “pedaços” são colocados nas “passere” – responsáveis por garantirem a forma final ao queijo, que pode ser maior ou menor, dependendo da quantidade de produto que é colocado em seu interior. Em seguida, os vasilhames são cobertos com uma roda de madeira, que ajudará a drenar o soro. Os queijeiros nos explicam que as “passere” só ficarão ali até o cair da noite, quando as redes são removidas e será possível “imprimir” a marca do frescor do parmesão: mês e ano de produção, além do número da leiteria no Consorcio del Parmigiano Reggiano. Logo também será colocado o selo DOP (denominação de origem protegida), outra marca registrada do consórcio, que registra a fazenda produtora do leite, a queijaria, o ano da forma etc.

Depois de dois dias a forma é levada a uma sala onde outras formas de queijo parmesão estão imersas em salmoura – uma mistura equilibrada de água e sal (o sal é o único produto que é usado para preservar o queijo), onde ficarão por, no mínimo, seis meses. Como saber se a água salgada ainda está bem equilibrada ao longo deste período? Os queijeiros desenvolveram uma técnica muito particular, em oposição às novas tecnologias disponíveis: eles colocam um ovo de galinha e se a salmoura estiver imprópria, o ovo não flutua.

Finalizando os dias sob salmoura, as formas, de uma brancura brilhante, são colocadas em recipientes de aço no armazém de maturação. A forma agora tem de ser mantida a uma temperatura entre 16 e 18 graus – e ainda ficar sob essas condições por, no mínimo, 24 meses.
Durante a maturação, de acordo com as regras, seguem-se diferentes procedimentos para verificar se a forma está no padrão exigido. Uma agulha – utilizada para perfurar o queijo, de modo que seja possível sentir seu aroma – e um martelo (com o qual é possível ouvir “a música da verdadeira bondade”, brinca o mestre queijeiro) são usados durante este processo. Sobre este teste, aliás, Glicério vaticina: o barulho provocado pela batida no queijo “deve ser um som homogêneo, ou do contrário existem defeitos”.

O maior defeito é o “inchaço” da forma, resultado de uma fermentação que obriga o queijeiro a perfurar mais fundo dentro do queijo. Se houver problemas, a culpa sempre é do leite, nunca do queijeiro!

Curiosamente, o queijo parmesão pode ser consumido até mesmo por aqueles que são alérgicos à lactose. “Nos 24 meses de forma, são eliminados todos e quaisquer resíduos – já que, com a fermentação, a lactose é transformada em ácido”, explicam os mestres.


Vacas vermelhas têm de ser alimentadas corretamente e em quantidade certa, para produzir o leite perfeito. O leite transforma-se em soro, que é adocicado e utilizado como ingrediente em vários itens: cosméticos e cremes antirrugas, bolos e tortas, sorvete... Ele também é usado para alimentar os porcos – e, claro, por sua vez, ajudará na produção de salsichas, presuntos e outras carnes. Também dele se faz a ricota – quente, macia e suculenta. E com o leite e o queijo, segue-se também uma vida de tradições e de um amadurecimento importante: faz-se o Parmigiano Reggiano…

Cruzando o Atlântico

Como qualquer produto “DOC”, o queijo Regiano Parmiggiano segue rígidas regras de importação até chegar à mesa do consumidor final. O Brasil, segundo dados do próprio Consórcio, é um dos principais importadores da “joia” da Emilia Romagna.

No Pará, onde a culinária italiana é uma paixão entre os paraenses, o parmesão também é um item muito comum à mesa. Exagero? Vá em frente e abra sua geladeira. Certamente ali, no canto, timidamente, há um pedaço de parmesão desejoso por um encontro saboroso.

O queijo, de sabor levemente adocicado, é a estrela do Gourmet da Revista Leal Moreira 43. Para falar dele, convidamos a jovem chef Luciana Yano, que está à frente da cozinha do restaurante “A Forneria”, especializado em cozinha ítalo-paraense (fusion). E ela confirma: o Parmigiano Reggiano é um caso de amor à “primeira degustação”.

Paulistana, formada pelo SENAC Campos do Jordão, Luciana Yano chegou a Belém em 2007, após passar pelo D.O.M (chef Alex Atala), para trabalhar com o chef Paulo Martins.

Completamente apaixonada pelo Pará e pelos ingredientes locais, Yano promoveu uma reformulação no cardápio de “A Forneria” e incluiu novidades e aumentou a carta de massas e a carta de risotos. “Vou brincar com risotos gratinados”, ela adianta, além de revelar que as saladas também ganharão mais espaço e garante a entrada de mais cortes nobres, como T-Bone e paleta de cordeiro.  

Voltando ao Parmigiano Reggiano, Luciana conta ainda que o queijo, de sabor mais forte – embora adocicado –  é muito usado em finalizações de pratos salgados (massas e risotos). “Na Itália, onde as refeições são verdadeiros rituais, é muito comum comer o Parmigiano Reggiano com morangos, por exemplo. Os italianos adoram a mistura agridoce, o que evidencia a versatilidade deste queijo”. A combinação do queijo com morangos, foi, aliás, a grande inspiração de Yano, na receita que apresentamos. “Para fugir das obviedades, pensei em um mil-folhas de morango ao balsâmico, com pimenta e creme de Parmigiano Reggiano”, ela conta.

Receita

Mil-folhas de morango ao balsâmico com pimenta e creme de Parmigiano Reggiano (receita exclusiva de “A Forneria” para a Revista Leal Moreira – rende para duas pessoas)



INGREDIENTES

Mil-folhas

• Você vai precisar de 150 gr. massa folhada (à venda nos supermercados)
(asse a massa folhada cortada em quadrados não muito pequenos 180 graus por 3, 4 minutos)

Creme

• 120 gramas de cream cheese
• 30 gramas de Parmigiano Reggiano em pepitas (pedacinhos)
• 50 gramas de creme de leite
• 70 gramas de leite condensado
• suco de 1/3 de limão siciliano
(misture tudo até obter um creme homogêneo. Leve à geladeira, enquanto você faz o restante da receita)

Compota de morango

• 250 gramas de morango (lavados e secos)
• 100 gramas de açúcar refinado
• 3 colheres de sopa de vinho
• 1 colher de sopa de aceto balsâmico
• 1 pitada de pimenta calabresa

(faça um caramelo com o açúcar, tendo o cuidado de não deixar queimar, e junte os morangos. Quando estiverem cozinhando, junte o vinho e o aceto balsâmico. Quando estiver em ponto de compota, desligue e deixe esfriar)

MONTAGEM

Misture a compota de morango (fria) ao creme (que ficou na geladeira). Reserve uma colher da compota para decorar a sobremesa. Em um prato alterne as mil folhas (massa folhada já assada) com o esse “novo” creme. Finalize com a compota no topo e um fio de azeite.

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