Nostalgia sem fim

O saudosismo pelos anos 80 já dura tanto que parece ser mais que uma moda passageira.

21/06/2012 12:28 / Por: Leonardo Aquino / Foto: Dudu Maroja
Nostalgia sem fim
Brinquedos da década de 80 povoam o imaginário lúdico até hoje

Ombreiras, cabelos espalhafatosos e roupas coloridas o suficiente para se tornarem motivo de vergonha em fotos. Recessão, hiperinflação e economia instável. É possível sentir saudade de um tempo marcado por tudo isso? Sim, se estivermos falando dos anos 80. A nostalgia envolvendo a década que muitos chamam de “perdida” parece ter fôlego para ser mais que um modismo. Artistas que fizeram sucesso na época seguem excursionando em turnês que eventualmente desembarcam no Brasil. Filmes marcantes ganham relançamentos caprichados em DVD ou Blu Ray. Festas temáticas continuam atraindo um público cativo e figurando entre as opções mais comuns das noites nas grandes cidades. São fatos que aquecem a memória afetiva, que está repleta não apenas das referências culturais, como também dos marcos sociais, políticos e econômicos.

Se há algo inegavelmente positivo a respeito dos anos 80 é que eles foram criativos. A cultura pop da década surfou em referências mais ousadas e gerou produtos cultuados até pelas gerações que não viveram a época. “Foi um tempo de muita qualidade na indústria cultural. No Brasil, até a publicidade pegou carona. Os comerciais brasileiros foram muito premiados no exterior. E alguns deles ficaram tão enraizados na memória que se tornaram históricos”, afirma o jornalista Ismael Machado. Ele relembra que foi nos anos 80 que surgiram slogans memoráveis como “o primeiro sutiã a gente nunca esquece”, “não esqueça a minha Caloi” e comerciais inesquecíveis como o da pipoca com Guaraná Antarctica.

Apesar de apontar o intervalo de 1966 a 1976 como o seu favorito na história da música, Ismael é um grande entusiasta da cultura “oitentista”. Ele descreveu o nascimento e o crescimento do cenário pop de Belém nos anos 80 no livro “Decibéis sob mangueiras”, lançado em 2004. Para Ismael, a década foi marcante por motivos que vão além dos produtos da indústria cultural. “Foi uma época boa para ser adolescente. Nos anos 70, era tudo mais complicado por causa da repressão. Os anos 80 descobriram o adolescente como uma efetiva fonte de consumo. A literatura, a música e o cinema buscavam falar o que o jovem urbano queria ouvir naquele momento”, opina. Ismael cita exemplos como o livro “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, e o filme “Bete Balanço”, de Lael Rodrigues, além das irreverentes bandas da época. “O rock brasileiro rompeu com a MPB tradicional nos anos 80. Não dá pra comparar um Chico Buarque, que parece ter nascido com a idade que tem hoje, com o colorido da Blitz”, afirma.

Essa cultura pop influenciou até na escolha de carreiras, como no caso de Ivan Davis, que decidiu se tornar DJ por causa de tudo o que costumava ouvir na infância e na adolescência nos anos 80. “Desde criança, me imaginei trabalhando como DJ justamente porque as músicas da época me encantavam bastante. Confesso que, se eu tivesse oito anos de idade hoje, eu provavelmente não faria a mesma escolha devido à qualidade musical dos hits atuais”, explica. Nas festas para as quais é contratado, Ivan Davis precisa tocar até as músicas de cuja qualidade se queixa. Mas, na movimentada agenda do DJ, há espaço para um projeto mais autoral e movido à nostalgia. Em janeiro de 2006, ele criou em Belém a festa Pac 80’s (que depois foi rebatizada para Projeto Pac) para tocar os hits que embalaram a década e a juventude de tanta gente. Mas Ivan Davis destaca que essa não é a única iniciativa que celebra a nostalgia oitentista na noite da capital paraense. “Tem o projeto ‘Só 80’, que realiza uma festa mensal sempre lotada. Tem a banda Acordalice, que vive com agenda cheia de shows. Fora as novas festas como a ‘Celebration Night’, a ‘De Volta Aos Bons Tempos e a Base 80’, enumera.

Em festas como essas, a celebração dos anos 80 envolve não apenas quem foi adolescente na época, como também pessoas que sentem essa nostalgia quase que de forma retroativa. A jornalista Marina Cei nasceu em 1987, mas adotou a década como sua favorita embora tenha vivido poucos anos dela. Graças à internet, começou a encontrar informação para transformar as memórias da infância em referências musicais. Acabou apaixonada não apenas pelos artistas dos anos 80, como por todo o universo que envolve a época. “Adoro as roupas, o cabelo, a maquiagem, tudo over e muito divertido. Acho que não era uma questão de ser brega, cafona, como muita gente adora dizer. Foi quando um conceito maior de modernidade começou a pipocar. E se experimentou tudo, sem medida, sem dose”, comenta a fã de bandas como A-ha, Guns N’ Roses e Motley Crue.  

Para exercitar a paixão retroativa pelos anos 80, Marina passou a frequentar as festas oitentistas em Belém e a viajar, sempre que possível, para ver seus artistas favoritos. Algumas dessas viagens viraram aventuras impagáveis, como a de 2010, quando A-ha e Guns tinham shows marcados para o mesmo fim de semana, no Rio de Janeiro. Visto vez que ainda era estudante universitária e não tinha emprego, Marina apelou: vendeu quase todo o guarda-roupa num brechó para conseguir dinheiro. “Era a última turnê do A-ha e o Guns chegava com ‘Chinese Democracy’. Não tinha como eu não ir. Pensei “vou ver meus ídolos e compro um jeans quando voltar”, brinca. Para ver o A-ha, enfrentou uma confusão na entrada da casa de shows e acabou caindo numa escada. “Esfolei as duas pernas inteiras, mas ainda insisti e vi feliz o show bem pertinho da banda. Foi só quando cheguei  em casa que me dei conta do verdadeiro estrago. Minhas pernas super feridas, joelhos inchados e meu pé torcido”, relembra. Marina já estava preparada para ver o Guns N’ Roses cheia de curativos quando recebeu a notícia do cancelamento do show: uma chuva torrencial havia feito desabar o palco na Praça da Apoteose. “Nunca chorei tanto na minha vida. O show foi adiado para um mês depois e só consegui ir porque comprei as milhas aérea de um amigo. Agradeço ao Papai do céu por ter voltado com o pé colado na perna”, brinca, lembrando que viu Axl e companhia ainda com o pé imobilizado.

O designer gráfico Alzyr Quaresma é outro entusiasta dos anos 80, mas tem idade suficiente para lembrar de alguns marcos da época como se tivessem acontecido ontem. “A eleição indireta de Tancredo Neves, que acabou morrendo antes de assumir a presidência do Brasil, foi algo memorável. Assim como a criação da nova Constituição brasileira em 1988”, relembra, valorizando os grandes fatos políticos. Mas é óbvio que as lembranças de Alzyr também se estendem à cultura pop. Fã de bandas da época, como Tears For Fears, Human League e Pet Shop Boys, Alzyr crê que a música é um indicador de transformações mais profundas entre os anos 80 e os tempos atuais.  “Eu diria que são lembranças de um tempo em que as pessoas se respeitavam mais, em que os jovens pensavam mais, lutavam para conquistar seu espaço na sociedade, bem diferente de hoje. Nos anos 80, a música tinha sentido, suas letras expressavam um momento importante da história da humanidade, bem diferente de hoje. Nos anos 80, tudo tinha um sentido, tinha um porquê de existir; hoje, tudo é efêmero demais”, explica.

Além da música, Alzyr tem um carinho especial por outras coisas que marcaram a década de 80: os brinquedos. Aquaplay, Comandos em Ação, Atari... todos são motivos de saudade e boas lembranças.  “Eu tinha muitos brinquedos, mas, infelizmente por motivos de mudanças, perdi todos. É triste, mas pretendo recuperar todos comprando pela internet”, lamenta. Alzyr será pai ainda este ano e acredita que, por meio desses brinquedos, pode transmitir a paixão oitentista. “Quero que minha filha ou filho aprenda a amar essa década tanto quanto eu”, conta.

A nostalgia é cíclica. Assim como estamos falando dos anos 80, os anos 50, 60 e 70 já foram revisitados e redescobertos. O que se percebe é que, por mais que o dos anos 80 não aparente sinais de desgaste, o revival dos anos 90 começa a ganhar força. Na música pop, a lista de bandas da época que haviam parado e voltaram só aumenta: Alice In Chains, Hole, Soundgarden, Faith No More. Sucessos de bilheterias no cinema voltaram às telonas em versão 3D, como Titanic e O Rei Leão. As festas temáticas (com direito a games como “Street Fighter 2”) têm agregado diversão às noites das principais capitais como Belém. E as camisas xadrez, marca registrada da moda grunge inspirada em bandas como o Nirvana, estão cada vez mais comuns nas vitrines e ruas. Para o jornalista Ismael Machado, não há nada mais natural. “Normalmente, essas redescobertas acontecem vinte anos depois da época. Assim sempre foi e assim será. Mas não vejo o saudosismo dos anos 90 substituindo o dos anos 80. Noto, sim, uma convivência entre os dois”, diz Ismael.


FATOS QUE MARCARAM OS ANOS 80

 

Esportes
1980 - Olimpíadas de Moscou (União Soviética): Estados Unidos boicotam os Jogos Olímpicos por motivos políticos. A Olimpíada de Moscou tinha tudo para ser grandiosa. Desde 1974, quando a escolha foi anunciada, a capital russa se preparou para apresentar ao mundo uma Olimpíada à altura da glória do regime comunista. Mas, no ano olímpico, as diferenças políticas levaram a um boicote majoritário, que transformou e esvaziou o torneio. A invasão das forças soviéticas ao Afeganistão em dezembro de 1979 fez o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, anunciar um boicote aos Jogos. No total, 61 países aderiram ao apelo dos EUA. Dessa forma, competições aguardadas, como basquete, atletismo e natação, perderam o brilho

1983 - Nelson Piquet torna-se bicampeão mundial de Formula 1.

1984 - Jogos Olímpicos de Los Angeles nos Estados Unidos.

1988 - Realização das Olimpíadas de Seul (Coreia do Sul).

Ciência e Tecnologia
1980 - Publicado o padrão da ethernet (tecnologia para redes locais).
1981 - A nave espacial Columbia faz seu primeiro voo.
1983 - A Apple lança o computador Macintosh.
1986 - Aparição do cometa Halley.

Política
O país vai às ruas por eleições diretas para presidente do Brasil. O movimento “Diretas Já” ganhou força e reuniu personalidades e o povo em um clamor coletivo. Em 1985, Tancredo Neves é eleito, de forma indireta, presidente do Brasil, porém morre antes de assumir o cargo. Assume o vice-presidente José Sarney. Chega ao fim a ditadura militar no Brasil. Em 5 de outubro de 1988, é promulgada a Constituição Brasileira. Ainda em outubro do mesmo ano, nasce o estado do Tocatins.

Economia
1986 - É criado no Brasil o Plano Cruzado (plano econômico do governo Sarney que visava reduzir a inflação com tabelamento de preços).

Música
1982 - O cantor norte-americano Michael Jackson faz sucesso mundial com o álbum Thriller.
1985 - Acontece o primeiro Rock in Rio.


Cinema
O planeta inteiro se apaixonava por um simpático ser: Steven Spielberg lançava o filme “E.T, o Extraterrestre”.
 

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