Quem quer dinheiro

O crowdfunding está revolucionando o modelo de financiamento por meio de doações pela internet.

22/06/2012 09:47
Quem quer dinheiro

Quem já correu atrás de patrocínio sabe como pode ser difícil conseguir financiamento para projetos culturais, esportivos ou sociais. Hoje, além das linhas de créditos, das leis de incentivos, dos financiamentos públicos ou privados, em geral, há uma nova modalidade de apoio que vem conquistando cada vez mais adeptos: o crowdfunding – uma alternativa para levantar fundos, por meio de doações feitas pela internet. A prática é cada vez mais recorrente entre os que buscam captar recursos ou entre os que querem investir.

O nome vem da junção das palavras “crowd” (multidão) e “funding” (financiamento) e surgiu nos Estados Unidos em 2002. Desde então, já movimentou mais de US$ 2,5 bilhões em doações espontâneas de pessoas comuns decididas a investir em projetos interessantes que não tinham outro modo de serem executados. Um bom exemplo da “união que faz a força” foi a campanha de Barack Obama, em 2008, que mobilizou mais de um milhão de pessoas que doou somas para a eleição do candidato, por meio do crowdfunding.

Mas o sistema se popularizou somente em 2009, com a criação do Kickstarter (site que compilava a maior plataforma de crowdfunding), que, até o ano passado, tinha movimentado mais de US$ 30 milhões para realizar (no esquema “tudo ou nada”) seus projetos – muitos deles fascinantes – de documentários a livros, ou discos. Seu projeto de maior sucesso foi o Diaspora, uma rede social baseada no peer to peer  (sistema de troca de mensagens instantâneas e compartilhamento de arquivo; em outras palavras, programas que possibilitam a distribuição de arquivos em rede, permitindo o acesso de qualquer usuário dessa rede a esse recurso) que garante a privacidade das informações dos usuários. Seus usuários pediram US$ 10 mil e acabaram arrecadando US$ 200 mil, envolvendo seis mil pessoas na campanha.

No Brasil, o novo modelo de financiamento chegou ao final de 2010 e já movimentou mais de R$ 2 milhões. Atualmente, existem cerca de 30 sites  brasileiros de crowdfunding, a maior parte deles dedicados a projetos culturais ou de música, como o “Queremos”, que já viabilizou shows de várias bandas internacionais no Brasil. Aliás, esse é um dos sites de financiamento coletivo mais bem sucedidos por aqui. Para se ter uma ideia, no início do mês de maio, o site arrecadou, em apenas cinco horas, mais de R$ 50 mil para levar a banda indie americana “Foster The People” ao Rio de Janeiro. Para isso, vendeu 250 cotas a R$ 200 cada. Quando a meta foi atingida, cada investidor recebeu o seu dinheiro de volta e ainda ganhou o ingresso para assistir ao show de graça. Caso a meta de venda de ingressos não seja alcançada, o investidor tem somente uma parte do dinheiro devolvido, mas terá acesso vip ao show. Dessa forma, shows que antes não poderiam ser realizados, acabam acontecendo se os fãs realmente se mobilizarem.

De modo geral, os sites funcionam da seguinte forma: o proponente do projeto estipula cotas de investimentos que podem variar de R$ 10 a alguns milhares de reais e cada cota dá direito a uma recompensa. O projeto fica no ar por um determinado período e, não atingindo a meta de recursos a arrecadar, o dinheiro volta para quem investiu. Deu certo com a banda carioca Autoramas, que colocou seu sexto álbum “Música Crocante” para ser financiado através do site “Embolacha”. O grupo arrecadou R$ 562 a mais do que os R$ 14.000 solicitados ao público. Entre as recompensas aos investidores, o vocalista Gabriel Thomaz chegou a oferecer sua rara guitarra da marca Danelectro para quem investisse R$ 5.000 no projeto. Para sua sorte, a banda atingiu a meta sem se desfazer do instrumento. “Na hora, a ideia me pareceu genial, mas depois fiquei arrependido. Ainda bem que ela ainda está comigo”, conta – aliviado – o músico.

Nem todos os projetos são bem sucedidos. Dessa forma, é necessário ter estratégias para arrecadar os recursos. Gabriel diz que, no caso deles, a participação dos fãs foi fundamental. A banda, uma das pioneiras a consolidar uma carreira no circuito independente brasileiro, já vinha tentando outras formas de viabilizar projetos de maneira alternativa. “O público sempre foi nosso maior aliado. Estávamos terminando os ensaios, finalizando o novo repertório e ainda não sabíamos como lançaríamos o disco novo. O pessoal do Embolacha entrou em contato e achamos que seria uma boa, pois já tínhamos uma boa experiência com o crowdfunding por causa de um outro projeto nosso (com B Negão, cantor e compositor brasileiro de rap e hip hop) que já tínhamos viabilizado dessa forma. E no nosso público a gente confia”, diz.

Crowdfunding lá e aqui    
O cantor paraense Arthur Nogueira também recorreu ao crowdfunding. No caso dele, o sistema serviu para integrar dois polos geograficamente extremos da música brasileira. Ele, no Pará, e a cantora Gisele Di Santi, do Rio Grande do Sul, pediram pouco mais de R$ 4.000 para fazer um show juntos em São Paulo e, com aproximadamente 27 apoiadores, conseguiram atingir a meta em meados de abril. O show “Meridiano 50” aconteceu no dia 19 de abril no Teatro Oficina, em São Paulo. “Nossa mobilização aconteceu via redes sociais. Explicamos para as pessoas como é simples, seguro e o quanto esse tipo de ferramenta é pertinente hoje em dia. Ajudaram amigos, família, pessoas que moram em Belém, Porto Alegre, São Paulo. O próprio site também tem um público que costuma apoiar os projetos que acha interessante”, explica Arthur.

Crowdfunding Social
Nem só de músicas e artes vive o crowdfunding. O jovem mineiro, juiz de direito, Fabrício Araújo, 29, por exemplo, enxerga o instrumento como uma boa possibilidade de fazer caridade. Ele, que já costumava apoiar associações e entidades de assistência a jovens e outras instituições do terceiro setor, escolhe mensalmente no site mineiro “Let’s”, especializado em projetos na área social, algum para apoiar. “Eu penso que é um modo de ajudar e aproximar as pessoas. Por isso, escolho sempre projetos da minha região. Como tenho pouco tempo, o site é uma boa ferramenta para facilitar quem tem vontade de contribuir”, explica ele.

Apesar disso, são poucos projetos sociais que chegam a completar suas metas. Talvez porque ainda não exista uma cultura nesse tipo de apoio. “Acho importante disseminar essa ideia. No início, penso que os projetos devem pedir pouco dinheiro para atingir as metas de modo mais fácil. Tenho visto que projetos culturais têm melhor aceitação do que os sociais. Mas essa nova ferramenta deve ser vista como uma forma de ajudar as pessoas também”, acredita Fabrício.

Carreira promissora?
Mas o crowdfunding também é um negócio para quem opera. E parece tão promissor que o engenheiro e consultor de empresas André Gabriel, 30, largou a carreira de executivo em grandes empresas para ser empreendedor na área. O mineiro é dono do portal “Let’s” (o mesmo em que o juiz Fabrício Araújo costuma investir). O Let’s cobra uma taxa de 3% sobre o valor arrecadado, menos do que os 7% ou 10% praticados pela maioria dos concorrentes. As doações também movimentam os caixas de bancos e operadoras de cartões de crédito utilizados para a operação de transferência de recursos de quem investe. Ele garante que “hoje em dia, é difícil ter pessoas mal intencionadas nesse meio. É um negocio muito transparente e quem o realiza sabe que a credibilidade é o seu maior capital”.

Além de gerir o Let’s e de dar consultoria em todo o Brasil sobre o assunto, André é o criador do “Mobilize”, o primeiro aplicativo de crowdfunding para o Facebook. Uma vez que os dados do projeto (vídeo, fotos, descrição, recompensas, prazo e meta de arrecadação) são colocados no aplicativo, a página do Facebook transforma-se em uma campanha de crowdfunding. A partir desse momento, qualquer pessoa pode acessar a página e apoiar o projeto realizando o pagamento da contribuição dentro da própria rede social.

A nova ferramenta pode estimular doadores, como o contador paraense Adriano Mello, 30, que já investiu em projeto como da banda paraense Turbo, que pediu R$ 50 mil para gravar o disco na Suécia. “Eu também investi em uma revista de quadrinhos do Rio de Janeiro, mas acho que nenhum deles foi concluído”, contou ele. “Acho que, com uma plataforma de crowdfunding no Facebook, seria interessante participar e colaborar com os projetos de alguns amigos”, afirmou.
 

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