As chefs Daniela Martins e Sophia Honda |
Inúmeros sabores e incontáveis histórias. É esse o saldo na bagagem de quem ainda muito novo decidiu viver de explorar e reunir paladares, sentimentos e experiências em nome de fazer a si e ao outro um pouco mais feliz – mesmo que essa plenitude dure apenas a degustação de um prato. Pensando nesse turbilhão sensitivo, a Leal Moreira escolheu seis dentre os mais prestigiados jovens chefs paraenses para ilustrar as edições de 2012 do calendário e do caderno confeccionados pelo grupo anualmente. Saboreie nas próximas páginas a memória desse processo, acompanhada de uma deliciosa prévia do que poderá ser conferido no ano que vem.
Foram duas semanas de convívio intenso que estreitaram ainda mais os laços entre Daniela Martins, Sophia Honda, Enzo Luzi, Solange Sabóia, Ilca Almeida e Felipe Gemaque. Nossa reportagem visitou cada um deles em seu ambiente, ouviu um pouco da história, dos anseios e das dificuldades de ser chef na Amazônia, degustou as maravilhas que eles criaram e prepararam exclusivamente para o projeto e ainda conseguiu reuni-los todos ao fim da jornada em um descontraído jantar na casa de Felipe, com o cardápio idealizado e conduzido pelo grupo.
Panela de brigadeiro
Em busca dos amores e dissabores da carreira, a primeira profissional que visitamos foi Daniela Martins, que nos recebeu no restaurante Lá Em Casa, na Estação das Docas. Ativa, bem humorada e atenta ao funcionamento de cada detalhe de sua cozinha, ela preparou sua receita enquanto contava como foi o seu imprevisível início na culinária. Apesar de ter crescido no restaurante sob o atento olhar de seu pai, o saudoso e celebrado Paulo Martins, estava bem longe dos planos de Daniela viver em meio às receitas.
“A primeira vez que precisei cozinhar para o meu marido, o picadinho tinha gosto de sangue e o purê de batatas não amassava de jeito nenhum. Jantamos uma panela de brigadeiro”, diverte-se. “Na semana seguinte, papai me orientou por telefone e disse ‘quando quiser cozinhar, me liga’”, relembra a chef, que hoje viaja o país levando a gastronomia paraense aonde vai. Quando questionada sobre as dificuldades que enfrentou, Daniela lamenta a falta de incentivos para o ramo da culinária. “Nunca tivemos apoio de nada, sempre brigamos muito sozinhos. Por isso é tão importante uma iniciativa como essa de reunir seis meninos e montar um trabalho desses. Quando alguém acredita na gente, dá mais vontade de trabalhar”, afirma.
As chefs Ilca Almeida e Solange Sabóia |
Cozinha mundial
Sophia Honda foi quem nos recebeu em seguida, na sala da sua casa, ao som do último disco dos Strokes. Elétrica, de riso fácil, com a impulsividade dos 22 anos, ela revelou que a opção pela gastronomia veio na adolescência, contrariando a expectativa de que ela faria administração. “Para me convencer, meus pais contrataram um chef para me dar aula em casa, com a intenção de que eu percebesse que aquilo não era para mim e eu desistisse, mas não teve jeito”, ri.
Decidida a seguir carreira, ela saiu de casa aos 17 anos para morar em Campos do Jordão (SP), onde se formou pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Depois de passar um mês em Paris, para vivenciar o idioma e os sabores de uma feira, transformou a admiração pela culinária europeia na sua especialidade e trouxe o sotaque franco-mediterrâneo para visitar a casa de cada um de seus clientes, virando personal chef.
No nosso encontro, Sophia contou que estava em processo de mudança para os Estados Unidos. “Vou passar cinco meses trabalhando em um resort na temporada de inverno. Depois estou com planos de passar um tempo na China em um programa de aprendizado e em seguida paro tudo e vou estudar na França”, planeja. Sem medo de partir e cheia de vontade de crescer, ela diz que a única grande dificuldade de seguir a carreira gastronômica aqui é a necessidade constante de ir embora e se afastar de família e amigos. “Ter que morar longe faz com que seja difícil ficar longe da família, dos amigos, e às vezes eles não entendem. Sei que sou muito jovem, mas acontece. O que me assusta é não realizar nada nem fazer algo de útil”, resume.
Tempero italiano
Desafiando os dogmas da física, nosso próximo visitado consegue habitar dois lugares a um só tempo. Itália e Brasil se confundem e misturam em Enzo Luzi, seja no sotaque ou no falar gesticulado. Ele nos recebeu na Cantina Italiana, o tradicional e familiar restaurante cuja cozinha ele chefia. “Eu devo ter sido feito aqui”, brinca ele, que cresceu assando pizzas e preparando massas junto com o pai. Com um jeito franco, Enzo revela-se sensível quando o assunto é a sua ascendência italiana. “Trago as duas culturas, a brasileira e a italiana, enraizadas dentro de mim. Foram elas que me ensinaram a ser um cara apaixonado pela arte, pela música”, acredita.
Para compreender melhor suas origens e seus sabores, mudou-se para a Itália, onde se formou. Lá, conviveu com um ingrediente perigoso quando mal dosado: o temperamento dos chefs. “Voltei com esse ensinamento de que o chef precisa ser meio louco, meio agressivo. Na primeira semana depois de estar de volta, as cozinheiras daqui pediram demissão e eu vi que não era por aí”, relembra. Apesar de dominar toda a sofisticação da gastronomia italiana, Enzo conta que seu prato preferido é mesmo a simples pasta ao sugo. “É todo o sabor da Itália em um só prato. Ele reúne muitas lembranças, muitos olhos, muito do que eu vivi”, aduz.
Empório do sabor
Solange Sabóia foi a quarta jovem chef a nos receber. De personalidade marcante e postura incisiva em todas as suas opiniões, ela conta que, apesar de gostar do mundo da culinária desde sempre, esbarrou no problema de não haver escola especializada no Pará. Por isso, experimentou outros conhecimentos: cursou arquitetura, trancou e acabou se formando em gestão de saúde. Em meados de 2007, consciente de que a carreira para sua vida era mesmo a gastronomia, mudou-se para São Paulo. Lá, estudou, fez estágio e tomou a decisão de ir embora para a Espanha, em busca de emprego e dos sabores de lá. “Minha ida coincidiu com a crise econômica do país, e ficou difícil manter o plano, mas como eu já estava lá, aproveitei a oportunidade de estudar em uma escola de gastronomia espanhola”, relata.
Unindo seus aprendizados na Europa e sua paixão pela cozinha brasileira, Solange não se considera filiada a nenhuma escola. “Eu gosto é de misturar. Essa é a minha escola”, diz ela, com sua sinceridade peculiar. Hoje, ela investe seu tempo e seus ideais em levar a qualidade de seu paladar ao público em geral, através da criação de um empório. “Lá, vamos vender massas, azeites e outros artigos artesanais, para que as pessoas possam consumir essas coisas que não se encontram em todo lugar”, explica. O empório, onde também funcionará uma escolinha de cozinha para iniciantes, é uma parceria com a amiga e também chef Ilca Almeida, a quinta profissional a receber a nossa reportagem.
Os chefs Enzo Luzi e Felipe Gemaque |
Mistura de gostos
Ilca nos recebeu na cozinha da Vila Leal Moreira na Casa Cor. Enquanto cozinhava e contava sobre sua carreira, seus olhos percorriam todo o ambiente, observando e orientando os funcionários sob seu comando, tudo com o tom de voz doce e gentil que lhe são característicos. Ela conta que a atenção é fruto de sua própria experiência na cozinha. “Antes, eu ia assar um pão de alho e ficava lá, esperando na frente do fogão. O mundo podia cair e eu ficava lá. Hoje, se eu vou cortar uma cebola, não fico de costas para o resto da cozinha nem um segundo”, resume. Sua tendência natural a misturar gostos e linguagens vem de sua formação em engenharia de alimentos, complementada pela graduação na escola de culinária italiana para estrangeiros, em Flores da Cunha (RS), pelo estágio em restaurante português e pelo grande apreço pela culinária nacional.
Quanto às dificuldades vividas, Ilca acredita que a mudança total no cotidiano de quem opta por essa carreira acaba selecionando quem irá permanecer nela. “Você se habitua a um padrão de vida. Você sai quando quer, está o tempo todo com os amigos. Aí quando você vira chef isso muda. As pessoas ligam e você tem que dizer não, almoço de família vira um sonho impossível. Quem não é da área dificilmente entende”, desabafa. “No fim das contas, a paixão pela profissão fala mais alto e tudo isso é superável”, garante.
Cozinheiro nato
Nossa última parada é a casa de Felipe Gemaque, um jovem bem humorado, receptivo e sincero, que desanda a falar sem hesitação ou pudores sobre qualquer assunto. Em meio a temperos e gargalhadas, Felipe relembra como começou na cozinha. Apaixonado pela cozinha desde garoto, Felipe era levado pela mãe aos eventos gastronômicos. “Quando estive, aos 15 anos, no Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, perguntei ao Alex Atala o que eu precisava fazer para chegar onde ele estava. Ele me disse ‘não procure ser chef, procure ser cozinheiro’. Nunca esqueci o conselho”, rememora. Antes mesmo de mudar-se para Santa Catarina, onde se formou pela Univale, começou a frequentar a cozinha de grandes chefs paraenses para ir criando familiaridade. Hoje, Felipe é especialista em personal chef e em consultoria.
Ele conta que hoje o acesso ao mundo gastronômico é muito mais simples. “Antes não era tão abordado quanto agora. Hoje a profissão está na novela, em programa de TV. Quando eu comecei, não era assim”, avalia. Para ele, a maior dificuldade coincide com a maior beleza da profissão: o desprendimento. “Cozinhar é aprender a atender a expectativa do outro, a deixar o outro feliz. Você pode saber um ponto de filé que é incrível na sua opinião, mas de nada vai adiantar se esse não for o melhor ponto de filé para o paladar da pessoa a quem você está servindo”, acredita.
Todas essas vidas, histórias e linguagens diferentes se refletem no modo de cozinhar, e esses diferentes modos estarão presentes no calendário e no caderno do grupo Leal Moreira de 2012. A seção Gourmet dessa edição vai deixar você provar um pouquinho desse universo, experimentando as receitas exclusivas criadas por eles em duplas, no jantar que finalizou essa expedição – de muitos paladares e uma só paixão – em busca dos novos sabores e novos rostos da gastronomia paraense.
Receitas
Tartar com salada
de salsão
Ingredientes [4 pessoas]:
• 400g de filé bovino
• 1 cebola roxa picada
• 1 maço de salsão
• Sal e pimenta a gosto
• 10 g de senapé
• 20 g de gergelim preto
• Azeite de oliva extra virgem a gosto
Procedimento:
triture a carne, coloque em um recipiente fundo, tempere com sal, pimenta e o senapé. Acrescente o gergelim preto e a cebola picada e o azeite. Reserve.Corte o salsão bem fino e coloque em uma vasilha funda. Cubra com água e gelo deixando-o crocante. Reserve.
Para a salsa de Gruyére:
• 100ml de creme de leite
• 50ml de leite
• 200g de Gruyére
Procedimento:
junte todos os ingredientes e leve ao fogo brando, mexa até derreter o Gruyére e formar uma salsa cremosa. Reserve.
Para a redução do balsâmico:
• 200 ml de balsâmico
Procedimento:
Em uma panela leve ao fogo brando deixando reduzir em ¼ do volume inicial.
Para a mostarda de tucupi:
500 ml de tucupi
80 gr de goma
1 colher de sopa de chicória
1 colher de sopa de cheiro
1 colher de chá de mostarda em grão
1 colher de chá de cominho em grão
1 colher de chá erva doce
Sal e pimenta a gosto
Procedimento:
• Levar o tucupi para ferver com as especiarias, para só então acrescentar as ervas,
• Diluir a goma em um pouco de tucupi e deixar engrossar até o ponto de mostarda.
• Coe e reserve
Montagem do prato:
Prepare um cubo de tartar e decore com a salsa de Gruyére, redução de balsâmico e a mostarda de tucupi.
Filhote ao molho
de acerola
Ingredientes para a saladinha de feijão:
• 200g de feijão Santarém
• 50g de camarão regional
• 50g de cebola picada
• 50g de tomate picado
• 1 dente de alho picado
• 1 pimentinha de cheiro picada
• 20g de pimentão picado
• Cheiro verde picado
• Suco de 1 limão
• 25 ml de azeite de oliva
• Sal
Ingredientes para o molho de acerola:
• 200g de acerola fresca
• 10g de cebola
• 1 dente de alho pequeno
• 10 ml de azeite
Ingredientes para o filhote:
• 1 filé de filhote, com mais ou menos 250g
• 20g de manteiga
Modo de preparo da saladinha de feijão:
• Cozinhe o feijão com 1 folha de louro até que fique macio, sem desmanchar.
• Salteie o camarão em um pouco de azeite.
• Misture todos os ingredientes.
Modo de preparo do molho de acerola:
• Bata todos os ingredientes no liquidificador, exceto o azeite, com um pouco de água, suficiente para ajudar a bater.
• Passe por uma peneira.
• Adicione o azeite.
Modo de preparo do Filhote:
• Aqueça uma frigideira antiaderente, acrescente a manteiga e frite o filé até que doure e cozinhe por completo.
Cheesecake de cupuaçu
e castanha-do-Pará com
calda de acerola
Massa
Ingredientes:
• 300 gr. farinha de trigo
• 150 gr. manteiga
• 80 ml. leite
• 30 gr. ovo
• 30 gr. de açúcar
• 2 gr. de sal
Modo de Preparo:
Em uma vasilha, coloque a farinha, o açúcar e a manteiga.
Forme uma “farofa” bem solta.
Coloque o ovo e o leite aos poucos, misture somente até incorporar.
Temperatura do forno: 160ºC.
Rendimento: 1 forma (15 cm).
Recheio
Ingredientes:
• 400 gr. cream cheese
• 120 gr. de ovos
• 20 gr. de gemas
• 100 gr. açúcar
• 20 gr. de farinha de trigo
• 300 gr. leite
• essência de baunilha a gosto
Modo de Preparo:
Misture primeiramente o cream cheese com os ovos e com o fouet. Depois acrescente o açúcar e a farinha. Acrescente o leite devagar e a essência.
Coloque na massa pré-assada. Temperatura do forno: 140ºC.
Tempo: 25 minutos.
Cobertura:
• 500g polpa de cupuaçu
• 500g açúcar
• 200g de castanha picada em pedaços grandes
Modo de Preparo:
Cozinhar tudo junto em uma panela até dar o ponto.
Calda de acerola:
• 300 g de polpa de acerola
• 150 açúcar
Modo de Preparo:
Cozinhar em uma panela até dar o ponto de calda fina.