Javier e Sérgio Torres são gêmeos idênticos, mas basta observá-los com mais atenção que as distinções sutilmente aparecem. Javier tem fala efusiva e riso frouxo. Sérgio, apesar de também muito simpático, se mostra mais contido e pensativo. É na cozinha, porém, que as poucas diferenças se diluem. Perto de um fogão os irmãos parecem somar ideias para uma mesma cabeça, como se fossem um único corpo com quatro mãos - todas a serviço, principalmente, da gastronomia contemporânea espanhola, terra de origem dos conceituados chefs. Eles não se prendem ao sabor catalão. Pelo contrário, sugam referências por onde passam. Foi assim no Brasil, onde os chefs estão à frente de uma rede de restaurantes, o Eñe.
Em julho deste ano, Javier e Sérgio estiveram em Belém, para realizar o jantar de lançamento do empreendimento Torre Breeze, da Leal Moreira. O tempero dos espanhóis encantou os 150 convidados e mostrou por que os irmãos são tão reconhecidos. Da mistura de sabores feita com competência e seriedade, o resultado não poderia ser outro: culinária que agrada aqui ou em qualquer outro lugar do mundo.
À moda da casa
A paixão pelos cheiros e sabores surgiu dentro de casa, ainda na infância. Os encontros da família Torres sempre foram ao redor de uma mesa farta, com comidas para todos os gostos e para o tamanho de todas as vontades. “Aprendemos a apreciar culinária com nossos familiares. As reuniões eram sempre uma grande festa gastronômica, com muitas comidas, doces e bebidas”, lembra Javier.
Não demorou muito para que as brincadeiras na cozinha de casa virassem coisa séria. Aos 14 anos, os dois entraram para a Escola Arnadí, um dos mais conceituados centros de estudos gastronômicos da Espanha. Depois passaram por cozinhas conhecidas mundialmente, como Plaza Athenée, em Paris, e Neichel, em Barcelona, além de terem trabalhado como chefs executivos do restaurante Reno e Dos Cielos em Barcelona.
Em 2004, depois de conhecer a gastronomia de toda Europa, os irmãos aportaram em terras tropicais. Eles gostaram tanto dos gostos que descobriram no Brasil que abriram o restaurante Eñe, em São Paulo – e logo depois inauguraram uma filial no Rio de Janeiro. Logo na primeira visita ao país, os chefs vieram à região Norte, que passou a chamar atenção dos irmãos desde que começaram a estudar os sabores oriundos da Amazônia. E, apropriadamente, o lugar escolhido para dar início aos estudos práticos foi a capital do açaí, Belém do Pará.
“Nossa primeira visita a Belém ocorreu quando estávamos pesquisando para uma publicação. Na ocasião, fomos convidados pelo Paulo Martins para participar do Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, momento que interagimos com outros chefs e descobrimos as potencialidades desse lugar. Foi assim que desvendamos um dos melhores mercados gastronômicos do mundo”, conta Javier.
Alquimia de sabores
Foi assim também que a devoção à culinária espanhola e aos sabores europeus cedeu espaço para uma nova paixão: a comida brasileira, mais especificamente a paraense. No lugar da substituição, porém, os irmãos optaram pela experimentação. “A gente sempre tenta misturar os sabores e, assim, descobrir novos pratos”, conta Sergio. Rapidamente eles perceberam que provocar misturas inusitadas com algumas especiarias locais rende combinações de tirar água da boca. “Toda vez que viemos a Belém é indispensável uma volta no mercado do Ver-o-Peso”, diz Javier. “E as sacolas sempre voltam cheias de jambu, cupuaçu, tucupi, peixes amazônicos – que adoramos, inclusive! - e outras iguarias”, completa Sergio. Nas cozinhas que estão ao comando, Javier e Sergio sempre tentam incluir os sabores amazônicos em seus pratos.
“Inserimos em nossos experimentos os gostos que descobrimos na Amazônia”, garantem os irmãos, que se dedicam principalmente aos estudos de uma nova gastronomia, que tem como base a conciliação de sabores diversos.
Especialmente para a seção Gourmet da Revista Leal Moreira, os irmãos espanhois, como são mundialmente conhecidos, preparam uma receita de autoria conjunta, sucesso no restaurante Eñe. Com poucos ingredientes e um preparo prático, as suculentas Batatas Bravas, tiram água da boca de quem as experimenta. Um prato de sabor picante, para combinar com duas das maiores paixões dos chefs: as gastronomias espanhola e brasileira.
Releitura
Para fazer valer na prática a ideia de interação entre culinárias distintas, base do atual estudo gastronômico dos nossos entrevistados, a Revista Leal Moreira convidou a paraense Daniela Martins, que comanda a cozinha do restaurante Lá em Casa, para preparar uma receita dos irmãos espanhois que é sucesso no restaurante Eñe. Prática, deliciosa e picante, a “Batata Brava”, arranca suspiros de quem a experimenta, inclusive do paladar aguçado da chef paraense.
Segundo Daniela, o prato une o útil ao agradável. “Achei esta receita uma delícia, e ainda por cima, super fácil de fazer”, analisa. Com as dicas dela, o preparo torna-se ainda mais simples e o resultado, surpreendente. “O preparo da maionese caseira exige algum cuidado, como a aplicação do óleo em fios finos e em ritmo estável. O uso de maionese industrial é uma alternativa para quem não está a fim de ter este trabalho. Claro que esta substituição influencia no resultado, mas mesmo assim o prato fica gostoso”, explica. “Outra coisa: o aro de quatro centímetros de altura não é vendido em Belém. Pode-se usar um menor, mas aí é necessário fazer uma forcinha para enterrá-lo até a altura necessária na batata”, completa.
Já que a proposta é experimentar novas possibilidades, Daniela sugere também dar um toque regional ao prato. “No preparo da maionese pode ficar muito interessante a substituição da páprica picante por jambu, por exemplo, ou outro ingrediente que se sobressaia. Para acompanhar o prato, sugiro peixe ou camarão”, indica.
Batatas Bravas
Rendimento: 6 porções
Ingredientes:
1 kg batata Asterix
15g Páprica picante
Tabasco Q.B.
5 ovos
1l. Óleo de canola
Òleo para Fritar
Sal e pimenta
Modo de Preparo:
Descascar as batatas, cortar com um aro de 2,5 cm de diâmetro por 4 cm de altura; com um boleador fazer um buraco nos cilindros de batata para que pareça um “copinho”, pré cozinhar em água quente. Em um liquidificador bater uma maionese com os 5 ovos, a páprica, o tabasco e o óleo de canola, temperar com sal e reservar; fritas os copinhos de batata e rechear com a maionese picante.