O gosto, o aroma, a textura e a variedade estão nas ruas, nas feiras, nos mercados, na panela fumegante em cima do fogão, na memória afetiva de cada um que nasceu por essas bandas. A pupunha, o beiju, tapioca, o tucupi, o tucumã, o camapu, a castanha, os peixes como o tamuatá, o mapará, o pirarucu e o filhote, o sinestésico jambu, o perfumado cupuaçu e o já badalado açaí são velhos conhecidos do inesgotável caldeirão gastronômico paraense que o mundo começou a conhecer, de fato, há pouco tempo, há uns 14 anos, quando o saudoso chef Paulo Martins mostrou com seus melhores genes e talento o que o Pará tinha de mais saboroso para outros grandes profissionais da alta cozinha.
Paulo pôs sistematicamente à mesa, para os grandes nomes da gastronomia nacional e internacional, sabores que antes tinham um tratamento menos nobre, de menor importância, no que se considerava Gastronomia com G maiúsculo. Afinal, quem imaginaria que sair de casa para degustar sabores tão familiares fosse um sinal de sofisticação? Quase ninguém. Dando vazão à tradição familiar e à própria militância na cozinha desde o início dos anos 1970, o dono do “Lá em Casa” decidiu traduzir uma parte do país, tão desconhecida em muitos aspectos quanto na época de Cabral, em receitas de derramar um rio Guamá inteiro das papilas gustativas.
A técnica apurada, o bom gosto e a consciência de estar em um dos celeiros mais saborosos e de maior variedade do mundo, colocaram Paulo Martins na vanguarda e na posição natural de embaixador da cozinha paraense. Dos primeiros passos, inspirados na mãe Ana Maria, à escolha sincera pela arte de cozinhar, passando pela ousadia de criar o “Lá em casa” até o sonho de juntar as delícias do Pará em uma identidade regional nossa, foi um pulo.
Com o apreço (e presença) dos grandes chefs como Alex Atala, Flávia Quaresma, Bel Coelho e Andrea Tinoco e a atração e interesse da imprensa especializada, o primeiro festival gastronômico “Ver-O-Peso da Cozinha Paraense” foi um sucesso incontestável. As sementes do evento germinam até hoje, mundo afora nas mãos de outros mestres que usam condimentos, ardumes, doçuras, asperezas, maciez e todo artifício delicioso que o Pará maturou em sua história antes e depois dos portugueses em forma de pratos feitos com elementos da cultura de todos os povos que já passaram por essas terras amazônicas, sem ignorar os sabores próprios dos fundos de quintal, das florestas, dos rios, da invenção de quem vive essa realidade.
Hoje, já sem a presença física de Paulo Martins, falecido em 2010, a 10ª edição do Festival se renova, agrega novos talentos, expande sua atuação a outros excelentes restaurantes de Belém, revive o sonho e tenta popularizar a ideia pregada pelo seu idealizador de que o mundo deve conhecer o sabor do Pará e o Pará reconhecer sua gastronomia singular como uma expressão legítima da sua cultura.
A 10ª edição
Joanna Martins, filha de Paulo, está à frente da nova edição do Festival do Ver-O-Peso da Cozinha Paraense. E conta com o reforço da Door Comunicação, que assina também a organização do evento. Há dois anos na função de comandar o evento, Joanna conta que no ano passado, quando assumiu de vez a coordenação fez um evento menor, intimista, ainda por receio de ousar e para entender melhor o mecanismo que o pai dominava com facilidade antes de adoecer e se afastar das tarefas. Já neste ano, a coordenadora assegura que a programação será extensa e com muitas novidades.
Joanna assinala que serão três meses de programação, contando com o lançamento oficial, realizado no último dia 13 de fevereiro, no Restaurante “Lá em Casa” da Estação das Docas. A saborosa maratona deste ano inclui ainda exposição fotográfica, o Concurso “Paulo Martins”, um mês inteiro de circuito gastronômico pelos restaurantes mais charmosos de Belém e o Festival propriamente dito, que traz à cidade os grandes mestres da cozinha nacional e internacional.
Joanna Martins explica que a décima edição do festival quer estimular mais sentidos, além do paladar e, sobretudo, entregar o evento à cidade, para que ele seja apropriado por quem mora em Belém. A exposição fotográfica “Comida Nossa”, sob a curadoria do presidente da Associação Brasileira dos Jornalistas de Turismo (Abrajet), o fotógrafo João Ramid, é um passo nessa direção.
Cinco grandes fotógrafos vão mostrar o universo da Gastronomia do Pará em detalhes de ingredientes, ambiente, preparo e quem se dedica a essa arte. As imagens ficam expostas no Shopping Boulevard, de 8 de março a 15 de abril. Já o Concurso Gastronômico “Chef Paulo Martins”, detalha Joanna, vai premiar talentos amadores e profissionais, sendo que as receitas inscritas serão avaliadas por uma comissão técnica formada por profissionais de gastronomia e jornalistas da imprensa especializada.
Uma das fases mais interessantes da extensa programação deste ano será o Circuito Gastronômico, o qual deve atrair um público de 20 mil pessoas para os restaurantes que participam do evento. Durante o mês precedente ao Festival, de 8 de março a 8 de abril, os chefs locais mostram sua criatividade preparando pratos especialmente criados para o Ver-O-Peso da Cozinha Paraense.
Até agora estão incluídos no circuito o Lá em Casa, a Cantina Italiana, o La Madre, o Restaurante Benjamin, o Famiglia Scicilia, o Tutto Risttorantte, o Sushi Ruy Barbosa, o Famiglia Trattoria, A Forneria, e o Remanso do Bosque.
Os grandes chefs
O momento mais esperado do Festival Ver-O-Peso da Cozinha Paraense, de fato, ocorre entre os dias 11 e 15 de abril, quando as feras da alta gastronomia se encontram e trocam experiências, técnicas e usam os ingredientes tão conhecidos das mesas paraenses para elaborar receitas de sofisticação ímpar que vão compor, em muitos casos, o cardápio dos restaurantes mais importantes do mundo.
Estão confirmados no Festival os chefs Alex Atala (D.O.M./SP), Helena Rizzo (MANI/SP), Mara Salles (Tordesilhas/SP), Almir da Fonseca (CIA/USA) e André Saburó (Quina do Futuro/PE), Monica Rangel (Gosto com Gosto/RJ), Carlos Bertolazzi (Zenna Café/SP) e Beth Beltrão (Viradas do Largo, MG). Já os grandes chefs da cozinha paraense no evento são Daniela Martins (Lá em Casa), Thiago Castanho (Remanso do Peixe) e Fabio Sicilia (Famiglia Sicilia).
Nesse período, o craques da gastronomia nacional e local devem fazer a tradicional visita ao Mercado do Ver-O-Peso e a população da cidade deve participar também seja nos jantares beneficentes ou nas aulas populares de cozinha com o luxuoso auxílio dos grandes mestres da culinária convidados para o festival. Será o “Jantar das Boeiras” que vai encerrar a programação do vento, misturando alta gastronomia com o conhecimento prático de longos anos das mulheres que cozinham e ganham a vida vendendo refeições no Ver-O-Peso.
Daniela, Fabio e Thiago
O Festival Ver-O-Peso da Cozinha Paraense é feito por gente como Daniela Martins, 35 anos, que por anos ignorou um talento que estava no sangue, no ambiente onde cresceu, nos atos do pai, nada menos do que Paulo Martins, o próprio. Apesar de estar envolvida no evento desde a segunda edição, acompanhando tudo de perto, a hoje chef só foi comandar a equipe de cozinheiros do Lá em Casa, em 2008, quando o embaixador da gastronomia do Pará quedou doente e não pôde mais tocar os negócios.
Daniela zanza entre os convidados na abertura do Festival. Olhos atentos, arregalados, mais agitados do que os do pai Paulo, quase sempre serenos. De uniforme branco, exibindo o nome e a função “chef”, ela pára para falar com os repórteres e conta sua saga de não saber nem fazer um simples picadinho com purê até se tornar a sucessora do maior divulgador da gastronomia paraense da história.
“Quando éramos crianças, ninguém almoçava em casa. Comíamos no restaurante sempre, então eu nunca cozinhei para valer, a não ser doces que faço bem desde os oito anos. Na primeira vez que fui para cozinha, foi para fazer um jantar simples para o meu marido. Experimentei fazer um picadinho com batatas. Ficou horrível. Reclamei com papai e ele disse que me ensinaria. Foram três meses ligando sempre para ele me dar as coordenadas e acabei pegando gosto. Às vezes, você nem sabe que sabe de certas coisas. Aprendi coisas de cozinha sem nem saber que estava aprendendo. Acabei pegando muito coisa por osmose”, conta Daniela.
Desde então foi um longo processo de ensinamentos, assistindo as aulas com o pai, ajudando em cursos e acompanhando Paulo nas viagens pelo Brasil e mundo afora para ensinar sobre os sabores do Pará e aprender novas técnicas gastronômicas. Sem perceber, Daniela saltou de aprendiz a profissional na alquimia dos sabores, tendo como mestre o embaixador e idealizador Ver-O-Peso da Cozinha Paraense, o qual ela figura nesta edição orgulhosamente como chef e já pensa em um prato com peixe, excluindo a pescada e o filhote como escolhas. “Ainda estou pensando no que eu posso fazer”, conta.
Daniela é da mesma geração de outro talentoso chef paraense que reforça o time dos jovens entusiastas da gastronomia do Estado: Fábio Sicilia. Foi ele o primeiro a reconhecer o genuíno feeling para a chefia de cozinha da filha de Paulo Martins. Hoje é um dos mais respeitados chefs brasileiros e um árduo defensor da qualificação do mercado profissional gastronômico do Pará.
Fábio esteve também no lançamento do Festival e falou que o Pará precisa se profissionalizar, criar uma faculdade de Gastronomia, a exemplo do que já ocorre em outras praças do Brasil, como em Brasília, onde há uma instituição recente, mas de excelente qualidade. Ele conta que para se qualificar teve que sair do País e hoje é mais simples conquistar essa qualificação em terras brasileiras, mas o ideal seria ter a profissionalização no território paraense.
O chef defende a catalogação da culinária paraense, como forma de manter perpetuadas as tradições do Estado dentro do rigor formal da ciência. “Já imaginou o quando temos o que pesquisar, descrever e experimentar em termos de gastronomia aqui no Pará? Quantos fungos comestíveis podemos descobrir ainda? Somo saber qual a receita de maniçoba é a mais correta? E, principalmente, o quanto o Estado ganharia em capital social, econômico e turístico com a qualificação desse setor?”, questiona.
Para ele, o Pará tem ingredientes exclusivos para serem usados em todos os pratos de qualquer gastronomia do mundo. Para ilustrar, Sicília conta que descobriu na Itália, onde se qualificou, um ingrediente fantástico chamado phisalys. “Cheguei em São Paulo e comprei um quilo a 50 reais e sai feliz e satisfeito achando que havia economizado dez vezes do que pagaria na Europa. Cheguei na minha cozinha e mostrei o tal phisalys para o meu pessoal. Eles olharam e disseram “ah, é camapu”. Descobri que o phisalys estava aqui embaixo do meu nariz. Fui ao Ver-o-peso e encontrei o quilo do camapu sendo vendido a um real”.
Outro jovem talento paraense que estará no Festival também tem seu trabalho inspirado em Paulo Martins. Thiago Castanho, 24 anos, o homem dos peixes, aprendeu tudo sobre os frutos mais saborosos dos nossos rios com o pai, seu Francisco Santos, mas viu no embaixador um espelho para moldar a forma de pensar sua arte culinária e associá-la ao que há demais legítimo da cultura.
“As pessoas querem o ‘terruá’ (terroir), querem experimentar o que há de melhor no local, na região. Paulo Martins entendeu isso há muito anos e influenciou muita gente, como eu, a trabalhar nesse modo, sem vergonha de suas referências, entendendo que é sim sofisticado os nossos peixes, o nosso tempero”, repete a lição Thiago Castanho, já pensando no que vai apresentar no Festival, em abril. “Estou pensando em brincar com elementos do Mercado do Ver-O-Peso, fazer uma homenagem ao Paulo. Ainda não sei bem como vai ser, mas estou entusiasmado”.
Leal Moreira e PDG
É de gente inteligente, interessada em cultura e na boa comida que a 10ª Edição do Festival Ver-O-Peso da Cozinha Paraense está sendo construída. O diretor de marketing da Leal Moreira, André Leal Moreira, diz que a empresa está apoiando o evento pela credibilidade do nome de Paulo Martins e de toda a família Martins, lembrando as figuras da viúva Tânia e das filhas Daniela e Joanna, e por ser uma iniciativa que “sustenta a boa causa da cultura paraense, como coisa nossa, a ser reconhecida fora e por nós mesmos”.
André Moreira, Diretor de Marketing da Leal Moreira, explica que a decisão do apoio ao Festival acompanha uma diretriz do Grupo de ajudar eventos do porte e simbologia do “Ver-O-Peso da Cozinha Paraense”. “Somos uma empresa genuinamente paraense. Estamos há 25 anos no mercado. Esse tipo de iniciativa combina muito com a história que construímos de valorizar, o que é nosso, de não deixar que se apropriem dessas riquezas que temos aqui. O Festival tem muito disso, por isso que demos apoio de pronto e vamos ajudá-lo a ser um sucesso”, argumentou.
O gerente de marketing da incorporadora PDG, Luiz Sérgio de Araújo, também ressaltou a importância do apoio ao Festival. “È, de fato, uma iniciativa com a cara do Pará. É uma celebração. O paraense adora celebrar e tudo quase sempre é feito em volta de uma mesa farta, com comidas deliciosas. O Festival tem também a grata coincidência de atrair gente que também é o nosso público, gente que está interessada em viver bem, em comer bem, em qualidade de vida, como os clientes da PDG e da Leal Moreira”, observou Luiz.