O Evangelho segundo Alex Atala

"Voltar ao Pará é como olhar a Bíblia de novo. Sempre se aprende alguma coisa diferente"

19/04/2013 18:01 / Por: Leonardo Aquino
 O Evangelho segundo Alex Atala

Em sua tradicional edição, a Revista Times traz as cem pessoas mais influentes do mundo e o chef paulistano, Alex Atala, figura neste time seleto (além do ministro Joaquim Barbosa). Atala, de acordo com a publicação, é um dos chefs de cozinha mais dedicados, desde o começo de sua carreira, a divulgar a cultura gastronômica brasileira mundo afora. A Times confirmou o que a gente já sabia e que trouxe nas páginas da Revista Leal Moreira 22: Alex Atala é O cara.

Confira a entrevista que ele concedeu ao repórter Leonardo Aquino, em 2009.

A história de vida de Alex Atala é tão cosmopolita e heterogênea quanto a misteriosa definição de cozinha contemporânea. Descendente de irlandeses e palestinos, este paulistano de 41 anos pescou nos rios da Amazônia na infância, foi punk na adolescência e viajou como mochileiro pela Europa na juventude. No meio da aventura pelo Velho Continente, decidiu estudar gastronomia e estagiou ao lado de grandes chefs na Bélgica e na França. Não há dúvidas de que ele fez a escolha certa. O restaurante de Atala em São Paulo, o D.O.M., foi eleito o 24º melhor do mundo em 2008 pela revista inglesa Restaurant, na edição mais recente de uma das mais conceituadas premiações da gastronomia internacional.

A receita do sucesso de Alex Atala não é segredo. Ele é um entusiasta dos ingredientes regionais brasileiros. Viaja pelos quatro cantos do país atrás de novidades. Faz todo tipo de experiência para quebrar paradigmas e tornar comestíveis produtos que antes eram impossíveis de se imaginar à mesa. A última surpresa descoberta por Atala é o uso culinário da priprioca, uma planta típica da Amazônia que até bem pouco tempo atrás era utilizada apenas na indústria de cosméticos. Antes, havia somente perfumes, sabonetes e óleos de priprioca. Nas mãos de Alex Atala, a raiz dá um sabor exótico ao chocolate, ao doce de leite e ao ravióli de limão.

Experimentar com os produtos da floresta amazônica não é novidade para o chef do D.O.M. Tucupi, jambu e pimenta de cheiro são ingredientes comuns nos pratos do premiado restaurante. Mas Atala chegou a ir muito além do óbvio. Num jantar amazônico servido durante um evento de gastronomia no ano passado, ele fez com que famosos chefs espanhóis (entre eles Ferran Adriá, do El Bulli, eleito o melhor do mundo pela Restaurant nos últimos quatro anos) experimentassem caldo de turu, uma espécie de verme que vive em troncos de árvores apodrecidos. A iguaria, muito consumida por ribeirinhos, não tem o glamour dos pratos dos grandes restaurantes. Mas isso não é motivo suficiente para censurar a paixão de Alex Atala pela culinária regional e a excitação na busca por novos ingredientes.

O chef diz ter perdido a conta de quantas vezes veio ao Pará. E considera o estado uma referência grandiosa na gastronomia mundial. “Voltar ao Pará é como olhar a Bíblia de novo. Sempre se aprende alguma coisa diferente”, explica. Em entrevista exclusiva à Revista Leal Moreira, Alex Atala falou sobre a relação com a cozinha amazônica e a necessidade de valorização da culinária regional brasileira.

Como começou a sua relação com a culinária paraense?

Como eu sou de uma família que viaja muito e que adora pescar, conheci o Pará ainda garoto. Andamos a Amazônia toda pescando. Lembro de uma pescaria no rio Trombetas, quando eu tinha 7 ou 8 anos de idade. De lá para cá, vim mais de 30 vezes a Belém. Por isso, tenho muitas lembranças antigas. Cada produto te lembra de um momento da vida. A primeira vez que eu comi um pirarucu grelhado na beira do rio, com as escamas, foi um momento incrível. Conhecer melhor as pimentas, andar no mato e comer uma fruta... São momentos simbólicos. E cada produto tem uma história.

Depois que você voltou da Europa, o Paulo Martins (chef do restaurante Lá Em Casa, um dos mais famosos de Belém) se tornou seu fornecedor oficial de ingredientes paraenses. E você nem o conhecia... Como foi esse primeiro contato entre vocês?

Isso foi em 1994. O Paulo estava entrando na Associação da Boa Lembrança (associação de restaurantes que fornecem pratos decorados como souvenires) e eu ouvi falar que tinha um cara que cozinhava bem em Belém do Pará e era profissional. Aí liguei para ele e ele foi muito atencioso. Existe uma grande diferença entre você conhecer o produto e se familiarizar com ele. Pessoas como o Paulo Martins são fundamentais para vencer essa barreira que parece ser distante: que é preciso comer mais vezes um produto para compreendê-lo melhor. Daquele momento eu vou guardar isso: não conhecer, mas compreender melhor o produto.

Que ingredientes amazônicos você usa com mais frequência no seu restaurante?

Jambu, chicória, alfavaca, tucupi, pimenta de cheiro, as farinhas, as frutas como taperebá, bacuri, cupuaçu, biribá... No D.O.M., a gente realmente usa muitos ingredientes brasileiros.

E esses pratos são muito apreciados pelos clientes?

90% do cardápio são feitos em cima disso. Então é natural que saia bastante.

São muitos ingredientes que não são fáceis de encontrar. Como funciona a rede de contatos para garantir o fornecimento?

Algumas coisas a gente já produz lá, como é o caso do jambu. Outras ainda não. Aí a Tânia Martins (esposa do chef Paulo Martins) me fornece semanalmente com ingredientes. Toda vez que eu preciso, ligo correndo e ela generosamente me atende. É uma rede baseada na autoajuda e só quem lucra são as companhias aéreas (risos).

Fora do circuito dos grandes chefs e restaurantes, a culinária amazônica recebe a valorização que merece?

Acho que está num começo ainda. Cada vez mais ganhando notoriedade, não só no Brasil como fora dele. O número de chefs internacionais e a quantidade de mídia em cima da Amazônia, especialmente do Pará, são muito grandes.

O que é o diferencial da culinária amazônica para as outras culinárias regionais brasileiras?

Esses sabores típicos que você não consegue explicar. Por exemplo, o que é cupuaçu? Se você não botar na boca, não dá para descrever. São características únicas que encantam.

Você acha que a culinária regional está oprimida pela culinária internacional?

Não, não acho que ela esteja oprimida. Ela passa por um processo semelhante ao dos ingredientes. Ela foi oprimida dez anos atrás, mas vem ganhando (espaço).

É um pas­­­­so muito grande para que a culinária regional deixe de ser algo muito restrito?

Se a gente começa a usar os ingredientes, passa a criar uma demanda de mercado e a demanda gera a profissionalização do setor. Então o tempo vai responder isso para a gente.

O que é mais importante para consolidar a culinária regional? A sabedoria empírica das velhas cozinheiras ou a introdução do conhecimento mais técnico?

As duas coisas são importantes. Valorizar a natureza e, junto com a natureza, essa sabedoria, esse empirismo que vem do extrativismo e da pequena produção. Por outro lado, também ter o auxílio dos profissionais de ponta e da tecnologia para ajudar. Um não vive sem o outro.

Você diz que falta uma “estandardização” das receitas na culinária regional. Isso seria importante em que sentido?

Para ajudar a divulgar e para as pessoas entenderem melhor. Costumo citar o exemplo do pirarucu de casaca, que tem receitas diferentes no Pará e no Amazonas. Mas um simples pão de queijo também sofre do mesmo mal. É natural e importante que exista a diversidade, mas é fundamental que existam a iconização e a padronização da receita para que ela seja replicada e as pessoas entendam melhor.

Você costuma dizer que uma visita ao Pará é como se fosse o ato de abrir uma Bíblia. Por quê?

A Bíblia é um livro que você nunca para de ler. E em cada vez que você lê, você encontra uma compreensão diferente para o mesmo texto. E os textos na Bíblia são variados, falam de tudo. No Pará, existe isso: essa diversidade gigantesca. E cada vez que eu venho para cá, eu conheço, por exemplo, o cupuaçu de uma forma diferente. Fresco no mercado, trabalhado com chocolate, combinado com outros sabores... Outra compreensão do produto.

Como foi a experiência gastronômica com a priprioca, que é um elemento que conhecemos mais como fragrância na indústria de cosméticos?

Falar em comer priprioca aqui no Pará é quase um absurdo, né? Mas as indústrias cosmética e farmacêutica conhecem mais as propriedades da Amazônia do que nós. Nos últimos sete anos, eu tenho feito consultoria para a maior casa de aromas do mundo. Somos um grupo de nove chefs, cada um de um lugar do mundo, que trabalha em conjunto. Durante a pesquisa que nós fazemos a respeito de aromas, eu tive acesso à priprioca. Descobri que não havia nada proibido em relação a ela, apesar de a legislação para o uso tópico de um produto ser mais restrita que a para a ingestão. E eu sempre gostei muito do cheiro da priprioca. Daí, a passei por um cromatógrafo, para descobrir se existiam alcaloides ou qualquer outra substância que não pode ser ingerida. Também não tinha. O processo agora é esse: divulgar e fazer as pessoas entenderem a novidade. Primeiro os paraenses, depois os paulistas, os brasileiros... E, quem sabe, o restante do mundo. É preciso convencê-los de que é um produto com uma possibilidade de aplicação gigantesca.

Em que pratos, por exemplo?

Em tudo. A gente já faz chocolate com priprioca, doce de leite com priprioca, ravióli de limão com priprioca, peixe com priprioca... É um produto que não conhece doce ou salgado. Conhece cozinha.

Foto: divulgação

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