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A luz pisca rápido demais para acompanhar e distorce a noção do movimento. Feche os olhos e ela ainda estará lá - como se seu foco, alternado com a escuridão total, iluminasse de dentro para fora. Pode ser uma experiência estranha num primeiro momento, mas... adicione música. Aumente o volume até luz e som se fundirem em uma única sensação. Pronto: o strobo é tão parte da festa que ela não faz nenhum sentido sem ele.
Assim como a iluminação nervosa que dá nome ao duo formado por Léo Chermont (guitarra e efeitos) e Arthur Kunz (bateria e programações), o Strobo pode causar estranheza ou ser um convite à diversão – tudo depende muito mais de quão entregue à música o ouvinte está. Vibrante, intensa e catártica, a musicalidade ofertada pelos rapazes é provocativa. É instrumental, mas é pop. É de pista, mas pode ser sombria. É eletrônico e é cru. É, sobretudo, diferente. E divertida. A fluidez com que a banda desliza entre essas alternâncias chamou rapidamente a atenção de quem se interessa pelas novidades sonoras. Não foi à toa que eles ganharam espaço quase imediato entre os descolados do ramo – participando de programas como o “Experimente”, do canal Multishow, e concorrendo ao título de artista revelação da mesma emissora no ano passado.
Com o terceiro disco recém-lançado, o sugestivo “Mamãe Quero Ser Pop”, a dupla volta a cutucar os inquietos com seu flash pulsante. O tom do álbum é, a um só tempo, despretensioso e desafiador. Chermont e Kunz também simbolizam, eles próprios, essas dualidades – e sem se contradizer. De personalidades distintas e marcantes, os dois encontraram um no outro a chave para um trabalho coeso e repleto de personalidade. Para isso, também foi preciso que eles se encontrassem um no outro, e estabelecessem um vínculo forte de confiança - que só é possível quando dois são um. E é bem assim que a banda opera: Léo, o extrovertido, dá entrevista; Kunz, o concentrado, faz testes de videomapping com um parceiro da banda em sua sala de ensaio. Resolver o assunto com um deles é resolver com os dois. “O que o Léo disser, está dito. Não posso sair daqui agora”, me diz Arthur em meio a notebooks e baquetas, quando insisto em chamá-lo para tomar um café com a gente.
Ambos, individualmente, estão entre os jovens músicos mais experientes da fervilhante atmosfera cultural de Belém. Somando suas vivências, eles tocaram com praticamente todo mundo que marcou seu nome no que foi chamado de “nova cena” – além de dialogar com certa frequência com os mestres que embasaram a música paraense contemporânea. Juntos, Arthur e Léo romperam com a lógica da sonoridade que o estado exporta sem em nenhum momento renegá-la. Um ouvido atento percebe que todas as andanças pelo vasto universo de cada um estão lá. Não quer ouvir atentamente? Ótimo. O Strobo também é sobre não pensar em nada e soltar o corpo – e se torna melhor ainda quando ouvido sob essa intenção. É aí que mora o desafio: deixe-se levar ou deixe a pista.
Como um baterista cuja escola foi o jazz e um guitarrista de reggae e outras musicalidades vizinhas se encontraram?
A gente andou por vários caminhos antes de se encontrar. Depois de muito tempo tocando reggae na noite, eu montei um estúdio – o Casarão Floresta Sonora, onde fiquei por sete anos. Muitos artistas passaram por lá, e foi lá que eu comecei a tocar com alguns deles. Foi o caso do Metaleiras da Amazônia, o Felipe Cordeiro, com quem o Arthur Kunz também tocou... Durante a experiência do estúdio, nós criamos um trio de música instrumental - formado por mim e o Kunz, mais o baixista MG Calibre. Numa viagem de show em 2006 ou 2007, acabamos ficando os dois como colegas de quarto. Lembro que eu tinha saído pra farra, voltei com o dia amanhecendo... Quando deu umas 8h da manhã, lá estava ele com as baquetas no criado-mudo [batuca na mesa]. Eu pensei “que mala é esse que tá aqui?” (risos). A gente acabou se aproximando e criando um grande respeito um pelo outro.
E como veio essa sonoridade tão diversa dos mundos individuais de vocês?
O Calibre foi quem fez essa união acontecer. Quando ele voltou da Europa, com toda sua experiência na música eletrônica, ele quis buscar músicos novos que topassem tocar isso com ele, artistas em quem ele via potencial. Ele pegou a gente muito cru e nos botou pra tocar. Fomos pra noite fazer freestyle, depois quisemos gravar o disco disso. Não fluiu. A energia não foi legal, tivemos vários problemas, perdemos arquivos... Acabou que cada um foi pro seu lado. Depois de um tempo, o Arthur me ligou e fez o convite de tocarmos juntos de novo: a gente iria samplear os baixos e teclados e seria isso. Metemos a cara. Começamos a gravar indiscriminadamente. “Vamos tocar 10 minutos em mi menor e ver o que sai”, era assim. Aí depois a gente escutava e avaliava o que era legal – uma frase de guitarra, uma virada de bateria, um ambiente... Foi com essa atmosfera de quebra-cabeça, que veio o nosso primeiro EP. Até a gente fazer a sonoridade que a gente faz, foi um longo caminho. Eu vivi muito uma realidade de trabalhar com os mestres da cultura popular na época do Casarão. Toquei com a Dona Onete, Mestre Laurentino, gravei com o Chico Braga, trabalhei no documentário do Mestre Vieira, fiz o documentário do Mestre Damasceno... Isso me deu uma abertura pra sonoridade da música paraense, além de tocar com artistas mais jovens. O Arthur também tem isso: gravou 60 ou 70% dos discos da nova geração da música paraense. Acredito que isso é o que levou a gente a sintetizar nas nossas experiências um pouco de tudo que vem acontecendo em Belém. E tudo foi um processo intenso de 7 ou 8 anos até a gente se encontrar, e ter uma banda que agora tem três anos de atividade.
Como surgiu o nome-conceito Strobo?
A gente veio com uma relação de vários nomes, demoramos um pouquinho até pra bater o martelo. Depois, o Arthur sugeriu: “é um nome pequeno, tem duas sílabas, nós somos dois... Tem muito a ver com o nosso som, que é luz e escuridão” – e nós realmente temos isso já que fazemos desde o pop dançante até músicas mais cavernosas, sombrias... Eu, de cara, não gostei muito do nome, juro pra ti (risos). O Arthur insistiu em dizer que era um nome forte, e eu acabei topando. Hoje, acho um ótimo pra uma banda. É um nome sonoro, que tem muita relação com o que a gente faz. E coincide com nossa ideia de que a iluminação seja tão presente e importante nos nossos shows quanto a própria musicalidade é.
O show de vocês tem algo de muito cênico mesmo. Como vocês conduziram a questão visual até se tornar algo essencial dentro da estética da banda?
A gente foi testando mesmo. Sempre tivemos esse cuidado com a imagem, sempre trabalhamos a noção de audiovisual, aí tudo só foi acontecendo. No palco, eu sou um cara que se liberta total, principalmente porque o palco é uma síntese de tudo o que a gente tá fazendo até chegar lá. A hora de extravasar é lá. E o Arthur é metade da banda. Por isso, é natural que a gente ponha a bateria lá na frente, que a gente toque um virado para o outro. É ele quem tá lá dando a cadência e eu sou a outra metade que tem que fazer as pessoas se desligarem dessa cadência. É um trabalho que se completa. E a gente tem em mente que é uma questão de entretenimento. O Strobo é filho legítimo da revolução digital, nós assumimos isso e nossa sonoridade também vai por esse lado. Os artistas dos quais a gente gosta também levam isso pro palco. Agora, a gente tá construindo uma equipe bem legal de videomapping, iluminação... gente que acredita. Eu também trabalhei muito tempo com essa coisa do audiovisual, o que me deu uma abertura bacana com gente que faz filme, que faz videoclipe. O Lucas Escócio foi um cara que começou a onda com a gente. A gente tinha uma empresa junto, daí eu dizia “vamos fazer um clipe” e ele dizia “vamos, eu tenho uma câmera X, que é mediana, mas dá pra fazer”. E assim ia. É muito bacana ver que a nossa evolução caminhou lado a lado. Hoje, ele faz clipes muito mais elaborados e a gente faz música de um jeito mais elaborado também. Esse mês vamos fazer o quarto clipe juntos.
Quais os desafios de se fazer música pop instrumental no Brasil?
Todos, né? (risos) O nome do nosso disco novo é “Mamãe Quero Ser Pop”. Pode parecer um nome meio piegas, uma forçada de barra, mas é uma grande tiração de sarro. O que é legal é que as pessoas estão engolindo isso, mesmo quando não entendem. A gente acaba virando uma fuleiragem cibernética na cabeça das pessoas. Mas, se a gente parar pra pensar, eu e Kunz somos branquelos. Maristas (risos), que vêm com um disco com esse nome. Isso cria um ar de que já saímos pop de nascimento. Mas, por outro lado, fazemos música instrumental, sem voz, tocando guitarra e bateria – os dois símbolos maiores do rock. Nunca vamos ser uma banda pop de verdade. Então, é uma grande brincadeira. O Kunz tira onda que o sonho dele é tocar no Faustão pela “impossibilidade” disso. Mas a gente também nunca imaginaria que poderia concorrer ao Prêmio Multishow ao lado da Anitta e da Clarice Falcão numa categoria de artista revelação. Então é difícil, mas é extremamente prazeroso fazer o que tu queres fazer, do jeito que tu acreditas. É um jeito muito bom de virar o jogo a seu favor. A gente tem fãs crianças, senhoras. É ótimo, eu acho, porque dá pra ver a verdade que a gente põe ali.
Vocês acabaram negando a obrigatoriedade de a música instrumental ser algo para um nicho específico, seja intelectualizado demais ou fruto de uma cultura popular tradicional...
E com a coisa de fazer música pra músico, né? Até porque eu não sou um músico virtuoso pra ficar solando por 10 minutos. Nunca foi meu lance e eu nunca quis isso. Então é realmente um desafio muito louco.
Vocês têm algum medo de se repetir ou alguma insegurança em relação aonde os próximos caminhos vão dar?
Não, na verdade não. A gente já tá inclusive pensando num quarto álbum totalmente diferente desse. Esse é minimalista, em oposição ao segundo – que tinha muitas referências de timbre dos anos 80 e 90. Esse tem poucos elementos, é mais sequinho. Só tem um solo de guitarra no CD inteiro. O resto é tudo riff, frases significativas, não é carregado. E eu e Arthur somos muito loucos. Somos dois caras que nasceram com apenas quatro dias de diferença, regidos pelo mesmo signo, com coisas muito curiosas. Às vezes, nós dois estamos com as chaves invertidas nesse processo criativo, estamos alternados, nos equilibrando. Então a gente não tem medo. O Strobo tem uma coisa de ir contra o fluxo do que já tá sendo feito. A gente podia fazer uma banda de eletro guitarrada, e podia ser incrível. Ou então de tecnobrega trip-hop, e também podia ser ótimo. Seria legal, mas não é o nosso lance – embora a gente use elementos dessas misturas pra construir o nosso som. O próximo disco eu ainda não sei como vai ser porque não sei o que a gente vai viver até lá. Mas sei que vai ser diferente desse.
Como é a convivência entre vocês?
É amor e ódio (risos). Já tive momentos de dizer “eu não quero mais olhar pra cara desse bicho”. Lembro um voo que a gente perdeu no interior de Rondônia, o filho do Kunz nascendo aqui, ele numa psicose louca... A gente combinou de não se falar até chegar a Belém (risos). A gente é muito diferente, mas isso também começou a dar muito certo. O Strobo é muito jovem e já deu certo, e a gente aprendeu muito um com o outro. A gente não tem um terceiro elemento pra possibilitar que haja fofoca, entende (risos)? Somos só nós dois. Às vezes, acontece de ele adorar uma música que a gente fez e eu não gostar. Aí um tem que convencer o outro. E a gente se influencia muito também. Eu acho que eu tornei o Kunz um cara mais relaxado em alguns aspectos, em deixar as coisas fluírem. E ele me tornou um cara muito mais metódico em outras, me ensinou a ser mais profissional, mais atento a horários e regras. Até porque a gente vive da banda, e se a gente não fizer tudo certinho, algo não vai rolar. Então, independentemente das dificuldades que eventualmente rolam, a gente se entende e divide as coisas naturalmente. Por exemplo, ele tá lá embaixo trabalhando e eu tô aqui conversando contigo. Um não questiona a autoridade do outro. Agora, como em todo relacionamento, uma hora a gente manda o outro se catar e depois diz que ama (risos). Sem estresse.
O que está nos planos do Strobo daqui pra frente?
A gente rodou muito ano passado. Tocamos em vários lugares legais. Acabamos de lançar o CD aqui em Belém, e vamos, na sequência, para Manaus, Fortaleza e Natal. São Paulo e Belo Horizonte vem logo depois. Vamos voltar a circular. É aquela lógica de um ano de atividade e um ano de reclusão que as bandas normalmente vivem. A gente passou esse ano gravando disco, preparando o material pra poder rodar de novo em 2015. A ideia dessa vez é finalmente fazer uma tour pela Europa. Não tem papo de relaxar. A gente faz música instrumental, não dá pra relaxar muito não (risos)...
Agradecimento: Tatoo Park