Belém sem foco

Alexandre Sequeira fala da sua relação com uma Belém tão amada quanto maltratada e explica por quê preservar sua memória

28/10/2015 18:14 / Por: Alan Bordallo. Imagens: Dudu Maroja
Belém sem foco
 
O fotógrafo, artista visual e professor Alexandre Sequeira fala da sua relação com uma Belém tão amada quanto maltratada e explica por quê preservar a memória da cidade pode ser o melhor presente para os 400 anos da capital paraense.
 
O senso de pertencimento às origens escorre de Alexandre Sequeira como o suor derramado pelo calor de uma tarde na semana do Círio de Nazaré. Enquanto fala da cidade, de sua paisagem exclusiva, ele ativa memórias talvez causadas pelo ambiente: estamos na casa do início do século XX comprada por seu avô – e situada na Avenida São Jerônimo, como Alexandre ressalta – onde ele cresceu. Relembra as tardes de céu preto de chuva que prenunciavam corrida em busca de mangas, o convívio com o rio Guamá e a baía de Guajará, a formação no curso de arquitetura, escolhido pela afinidade com o não existente curso de artes.
 
Entre tantas passagens, as mudanças da cidade também têm papel fundamental na construção de seu olhar sobre Belém. Afinal, a efusividade com que o belenense em geral descreve sua terra natal para forasteiros não elimina o tom crítico usado para abordar os vários defeitos da Cidade das Mangueiras quando entre conterrâneos. E neste papo concedido para a seção Belém 400 anos, Sequeira, fotógrafo, artista visual e professor, nos convida para olhar Belém sob sua lente e eliminar a miopia que nos impede de ver nosso papel na reconstrução da capital paraense.
 
Belém tem um apelo visual muito forte. Foi aqui mesmo que desenvolveste teu olhar fotográfico?
Foi. Eu, desde pequeno, tinha uma relação com a arte, mas minha formação vem um pouco de desenho e pintura. Depois da faculdade de arquitetura que cursei aqui morei um bom tempo em São Paulo. Em São Paulo comecei a ter um contato mais estreito com a fotografia, mas muito em função de trabalhar como designer gráfico. Isso demandava um domínio de fotografia, então fiz cursos de fotografia, direção de arte e vídeo. Mas na minha volta para Belém, no início dos anos 90, estabeleci relação muito estreita com o FotoAtiva, e com o Miguel (Chikaoka, fundador e atual diretor administrativo da Associação FotoAtiva). E, claro, como 99,9% dos fotógrafos de Belém, o FotoAtiva está vinculado à minha formação. Então é uma relação que esteja talvez um pouquinho além da fotografia, um exercício de olhar. E já cheguei nessa seara de fotógrafos meio pensando na fotografia no sentido mais ampliado. Às vezes me pergunto se o meu trabalho é exatamente fotografia ou se lanço mão, eventualmente, da fotografia.
 
É curiosa a tradição de Belém na fotografia...
E é longa, né? Antes disso, por exemplo, se formos puxando para trás, tiveram estúdios de fotografia de padrão internacional aqui. (Photo) Fidanza (estúdio do fotógrafo português Felipe Augusto Fidanza, inaugurado em 1867) e vários outros. Belém tem uma história de vínculo com a fotografia. Até no surgimento da fotografia, enquanto se pesquisava na Europa, tinha um cara pesquisando também no Brasil. Ao mesmo tempo. Então tem até uma discussão quanto a quem realmente teria inventado a fotografia, se foi o Hercule Florence, que, curiosamente, também é uma pessoa que passou por Belém. Então Belém tem uma história. E aí depois na década de 60 e 70 vieram os fotoclubes. Depois o FotoAtiva, que é um dado incrível, que agrega um poder de criação e formação de vários nomes. E hoje é muito difícil falar de fotrografia no Brasil sem passar invariavelmente por Belém. Pelo fato até de ser muito isolada, Belém criou um padrão seu, uma maneira de se colocar na cena muito singular. Esse é um dado que honra muitas pessoas. Não só da fotografia, mas por perceber que Belém escolheu ser uma capital com vocação cultural. É uma cidade que tem muita satisfação de se apresentar como um centro cultural importante na região Norte. Falando em região Norte, é o centro mais importante.
 
 
Belém hoje ainda tem uma veia criativa e artística forte, com várias linguagens em produção efervescente, como a música, a gastronomia... A que achas que se deve isso?
Acho que tem várias questões que contribuem para isso. Primeiro é a herança histórica. Belém é uma cidade que por muito tempo ditou determinados valores culturais. O período da borracha foi de grande importância. Um pouco antes da virada do Barroco pro Neoclássico tivemos o Landi aqui, antecipando um movimento... O Landi é contemporâneo do Aleijadinho. Enquanto o Brasil vivia o Barroco pleno, com a produção do Aleijadinho lá na área das Minas Gerais, o Pará anunciava um estilo artístico e arquitetônico que o resto do Brasil só iria experimentar quase 60 anos depois. Então Belém tem um lastro cultural. Outro dado que acho curioso é o fato de estarmos em um Estado que faz parte da Amazônia, o que faz com que a gente conviva com diversas culturas que coexistem. Então esse valor de uma cultura ribeirinha, da contribuição do índio, de Belém ter sido praça de comércio de negros. A cultura negra, indígena, portuguesa, europeia, essa mescla, Belém convive muito bem com isso, até hoje. Basta andar no centro da cidade para ver isso no traço das pessoas, na culinária, nas casas. A gente vê que essas culturas coexistem. Falam, alguns historiadores e sociólogos, que, igual à Amazônia, em termos de diversidade de culturas, só a China, como um país que pela dimensão tem culturas que se mantêm muito puras, embora em convívio com outras. E outro fator é geográfico. Belém tem essa dimensão amazônica. É a capital da borda, do limite, historicamente a capital da Amazônia que está olhando para o que vem de fora e quem vem de fora, como dialogar com o que vem de fora, e afirmando seus valores. Então diferente de outras cidades que, por um isolamento geográfico maior, guardam um certo purismo, até uma ideia meio idílica de Amazônia, acho que Belém se coloca muito nessa zona de contato e contaminação. Eu sou, inclusive, de uma geração que, quando paro para pensar, vejo que 90% dos meus amigos invariavelmente acabavam a faculdade e saíam do Estado. Saíam até para depois voltar. Uns voltam, outros, não. Mas a vontade de estabelecer esse contato com o de fora é o dado que coloca Belém em uma condição interessante do criar. A oxigenação. Não é questão de afirmação romântica ou nostálgica, mas de colocar até o sentido de memória em permanente revisão. A questão geográfica coloca Belém nessa região rica culturalmente mas sendo capital de borda é um dado determinante.
 
É curioso também que além destes fatores que tu citaste, em algum ponto Belém não fez jus a essa grandiosidade e acabou ficando para trás em relação aos outros grandes centros culturais. Concordas com isso? Por que achas que isso aconteceu?
Concordo plenamente, e com muita tristeza. Com muita tristeza porque eu acho que até para uma pessoa, um indivíduo, que dirá para uma cidade ou um país, que nega sua memória, que nega sua história, fica seriamente fadado a ficar flutuando sem rumo, sem norte. O Brasil fez uma opção do que para ele representa futuro ou progresso, que é o modelo americano de vidro, blindex, concreto. E a gente vê uma cidade como Belém, com um acervo arquitetônico impressionante, que faz os olhos de qualquer pesquisador que vem de fora brilharem, como muitos vêm da Europa – Itália, Portugal – estudar o neoclássico paraense. E vê que o conceito da média da sociedade paraense, e por vezes até do empresariado e dos governantes, é de entender que antigo é sinônimo de velho, algo que não presta. E, curiosamente, essas mesmas pessoas que estão à frente de tomar decisões que salvaguardem esse patrimônio, são pessoas que atravessam o Atlântico e se emocionam com uma arquitetura preservada na Europa...
 
Totalmente incoerente...
Incoerente. Porque vão, se emocionam, acham maravilhoso – contanto que não seja sua realidade. E essa herança portuguesa, europeia que temos, que tanta gente enaltece, o paraense, em geral, a média, nega terminantemente. Belém prefere cultuar uma memória morta, uma ruína, que uma presença. A presença incomoda. É melhor que isso fique na memória, num livro, num objeto, um bibelô com uma imagem estampada do que foi Belém. Isso talvez para o paraense seja mais interessante. E eu acho uma pena.
 
 
Há uma dificuldade do belenense em lidar com sua própria memória?
É, e eu acho que é muito tolo. Porque até tomando partido das questões que norteiam o grande empresariado, é inevitável imaginar o que preservar isso não traria de benefícios para todos em termos financeiros. Aumento do turismo, valorização da cidade, afirmação da cidade como centro que se percebe e se valoriza. Sob todos os pontos de vista que o empresariado busca incrementar ou aquecer, turbinar a economia do estado e da cidade, é um paradoxo (deixar de preservar o patrimônio histórico). Ao mesmo tempo que querem isso, negam o que talvez a cidade tenha de melhor para se afirmar. Acaba que fica uma cidade sem identidade, por um complexo de aceitação. Acho que, do ponto de vista do turismo, agora a música e a gastronomia trouxeram um norte que o Pará demorou a perceber. Belém fica tentando se afirmar como Amazônia. Se for por essa ótica, acho que as capitais de lá do meio, como Manaus, representam muito mais a Amazônia. No entanto Belém tem uma pegada caribenha tão genuína e especial, e uma dificuldade de perceber isso. Fui ao Caribe e fique estarrecido de ver a quantidade de relações entre Belém e essa região. Acho que a música, a guitarrada, o fenômeno dos Mestres da Guitarrada, e até o brega, que veio chegando, foram coisas que fizeram com que Belém se olhasse e percebesse que tem esse vínculo – e que isso a faz uma cidade diferente das outras. Talvez esse seja o diferencial que afirma a cidade como um produto turístico cultural. 
 
A tua obra fala muito sobre construção de memórias. Quais são as memórias que mais vêm à tona quando lembras da Belém da tua infância. Que viagens “lírico-sentimentais” essas lembranças da infância te provocam?
Olha, são muitas. Eu poderia te dizer que tem um viés que aponta para o mato, a região mais interiorana. Meu pai é nativo do Marajó, de São Sebastião da Boa Vista, e eu cresci numa Belém dos anos 60 e 70, em que a gente admirava muito o rio. Meu pai tinha uma lanchinha e na minha casa todos, meu pai, minha mãe e meus irmãos, todos esquiávamos, tínhamos uma prática, um convívio com o rio semanal. E esse é outro dado curioso: a partir dos anos 70 Belém foi negando o rio. 
 
Virando de costas...
Virando de costas e assumidamente colocando: isso não nos interessa, queremos ser uma cidade urbana e o rio não é um interesse pra nós. Mas eu sou um cara do mato. Meus amigos, quando querem referência de um bom igarapé, é muito comum me ligarem, porque sou bem por aí. E outra memória é essa casa que estou aqui. É uma casa do início do modernismo, uma casa que tem uma arquitetura linda, e foi onde eu cresci. Não sou morador da Governador José Malcher, sou morador da São Jerônimo. E a São Jerônimo era um lugar onde as pessoas tinham um hábito até lusitano de colocar as cadeiras na porta e conversar no final da tarde. Eu corria atrás de manga quando o céu ficava escuro de chuva, ia para a rua correr atrás de manga. No ano-novo batia nos postes de metal, o grande lance da virada do ano era pegar um pedaço de ferro e bater nos postes, e fazia um barulho lindo. Tenho uma nostalgia muito gostosa de uma Belém que vivi com muito prazer. Foi muito bom, e ao mesmo tempo tenho uma relação também prazerosa com o entorno de Belém. Sempre que recebo amigos de fora reservo alguns dias para levar eles no entorno de Belém, e eles ficam loucos. Porque aqui, em coisa de 40 minutos, a gente chega a locais com uma geografia incrível. Meu trabalho de certa forma é um pouco movido por essas relações de prazer e bem-estar. E, claro, meu trabalho se constrói também muito de encontro com outros. E vem outro fator que acho legal: no Brasil todo se reconhece que a Amazônia tem um povo muito amoroso. Quanto mais você vai pro interior mais se dá conta dessa amorosidade. Vê pessoas capazes de darem a rede delas para você e arranjarem outro lugar para dormir, sabendo que o visitante vai ter o melhor do lugar. E isso sempre me emociona muito. Vivo por vilas do interior, onde meus trabalhos se constroem, a partir do encontro que tenho com essas pessoas, e é um dado que sempre me emociona e me motiva a desenvolver trabalhos. Até um dos meus trabalhos mais conhecidos, que circulou pelo mundo, que é o de Nazaré do Mocajuba, diz respeito a uma vila aqui no nordeste do Pará, que até hoje tenho um vínculo afetivo muito grande.
 
Tu já viveste em outras cidades e conheces vários países. Nessas andanças conseguiste desenvolver um olhar de turista sobre Belém?
Eu acho esse um motivo importante de sair. Mesmo que seja viagem de férias, como também experimentar morar um pouco fora. Porque quando você volta dois lados são ativados: o da amorosidade, do encantamento – na verdade um reencantamento pelo teu lugar –, mas ao mesmo tempo um olhar crítico. Não deixar que esse “paraensismo” seja algo que te deixe míope, a ponto de não perceber mazelas que você pode ser o agente transformador. Eu curto muito em Belém me perder, me permitir circular por outros locais. Claro que esse prazer tem sido privado pela insegurança da cidade, mas eu adoro ser surpreendido por outros circuitos. Decidi que no fim de semana prefiro visitar bares da Marambaia, ou da Pedreira, curtir, sentar num barzinho de periferia e sentir a vibração, que acho muito legal, como também até andar por ruas em que meu olhar de motorista se dirige muito para o asfalto, horizontal, e aí levantar a cabeça e olhar para cima e procurar ângulos que meu dia não permite que eu olhe muito. E a cidade sempre surpreende, é bem legal.
 
Tem locais específicos que tu sempre fotografas? Ou que tenhas fotografias que sejam marcantes?
Olha, acho que Belém tem muitos. O centro histórico de Belém emociona. A relação quando chego na beira do rio e vejo o horizonte, pouquíssimas cidades têm um horizonte como esse em oferta para os olhos. O bosque Rodrigues Alves, a praça Batista Campos é estonteante. Eu ficaria talvez meia hora citando pequenos detalhes ou lugares. O museu Emilio Goeldi, que quando você entra e a temperatura muda, o cheiro muda. É uma visita sinestésica, você é deslocado para o território do cheiro, da umidade, do que Belém teve um dia e perdeu. Aquela rocinha, a edificação no centro que foi a residência para a família Goeldi... É um prédio maravilhoso como tivemos inúmeros em Belém que se perderam. Belém tem muitos recantos, basta que a pessoa se disponha a olhar. Aquela parte da Feliz Lusitânia, com a Sé, Santo Alexandre, o Forte, aquele entorno é de tirar o fôlego. As pessoas de fora que levo ali ficam tomadas pela surpresa de ver uma arquitetura vigorosa, imponente, soberba. O Theatro da Paz... Toda vez que entro vejo a plateia e confiro o número de pessoas olhando para o teto, em volta. Enquanto o espetáculo não começa, o grande espetáculo é a edificação. Todo mundo com os olhos circulando pelo ambiente todo. É muito legal saber que as pessoas são tocadas por esses bens.
 
Falaste sobre essa localização de Belém, na ponta do Estado, afastada de outros centros do Pará. Achas que essa localização também prejudicou os belenenses, que, muitas vezes, não conhecem muito o Estado?
Tu apontaste uma coisa que é muito triste. Concordo com isso. As pessoas quando se deslocam vão muito mais para fora. Ano passado conheci Afuá, norte do Marajó. Olha, posso te dizer que viajo muito, pelo mundo todo, e foi uma das viagens mais lindas que fiz. Afuá é uma cidade onde é proibido o trânsito de qualquer veículo motorizado, tudo é no pedal. E é uma cidade toda de palafitas. E linda, colorida, com lixeirinhas, com uma ordem impressionante. As pessoas amam a cidade em que vivem. Acho que Afuá deveria ser uma referência no Brasil. Em outro período eu e amigos alugamos um barco e fomos de Santarém descendo o Tapajós. Passamos por Alter e fomos para os afluentes do Tapajós. E, olha, é uma coisa de... não dá nem para descrever o encantamento. É uma coisa im-pres-sio-nan-te. E é muito triste ver que tem pessoas que não conhecem nem Vigia, que é uma cidade mais antiga que Belém e aqui do lado. As cidades do Marajó, tanto a parte mais central, das fazendas e dos campos, quanto o litoral. Alter do Chão, Itaituba. E mesmo essa parte das serras, perto de Parauapebas, que temos um pouco de serra naquela região. Acho que o paraense tem dificuldade grande de lidar com seu estado. E claro que não valoriza. Por não conhecer, não valoriza.
 
Achas que Belém está no caminho certo nesta preparação para os 400 anos? Que vamos chegar nessa data envolvidos com esse tema e tentando cuidar mais da cidade? O que mudarias na preparação para esse aniversário tão marcante?
Eu tenho medo de parecer muito pessimista, mas acho sinceramente que Belém foi tomada por um estado de perplexidade, de pessimismo. Não consigo perceber na cidade uma coisa que se anuncia, uma celebração tão importante, para os próximos dois meses. E acho que têm questões que não estão nas mãos do poder público. Talvez seja a grande dificuldade: a questão está nos paraenses. Acho, e vou dar alguns exemplos, que uma cidade linda já é encantadora se for limpa. Uma cidade limpa, que se cuida, que se respeita, se torna linda e encantadora. E é um assombro como Belém lida com a questão do lixo. É uma questão que não diz respeito apenas a camadas menos favorecidas ou com nível inferior de informação. Muito pelo contrário, é triste reconhecer que em Belém donos de carros importados da mais alta geração baixam seus vidros elétricos, jogam lixo pela cidade inteira sem o menor constrangimento, com os filhos ao lado. Existe um problema gravíssimo de Belém com relação a isso. E vejo uma inoperância total – aí coloco o poder público, sim – do poder público de agir contra isso. Quando visito outras capitais que resolveram mais o problema, como Curitiba ou Florianópolis, pergunto para as pessoas: qual é a fórmula? Como uma cidade pode estar tão bem cuidada? E eles todos categoricamente dizem que é fruto de campanhas sistemáticas, que atravessavam um ano inteiro. Não são campanhas pontuais, um “sloganzinho” de nada que vai mudar uma cultura muito enraizada. E tem que ser uma prática sistemática, na qual todos estejam envolvidos. Não é possível que a pessoa considere a melhor maneira de se apresentar receber uma pessoa com sua casa suja, imunda. Acho que esse é um dado triste. Outro dado que me referi do próprio valor histórico. É incrível a falta de visão empresarial, de lucros e benefícios que isso pode trazer. É de uma miopia inacreditável que não se perceba o quanto a cidade ganharia com essa valorização. Já vi situações do Pará ter que devolver verbas por projetos que não foram executados, ou sequer apresentados, como pré-requisito para receber verbas e recuperar patrimônios. Não consigo compreender como uma cidade lida com esse patrimônio ruindo à sua frente e não faz nada por isso. E acho que o terceiro, também não menos dramático, e muito chocante, é o trânsito. É um trânsito hostil, grosseiro, completamente caótico, onde você vê pouquíssimas ações caminhando no sentido de humanizar isso. Como uma cidade pode querer celebrar sua história, sua vida e o amor das pessoas que vivem nela num ambiente tão hostil para quem vive nela? Hoje andar pelo trânsito, tanto do ponto de vista do ciclista, como do pedestre, como do motorista, é um embate, uma verdadeira guerra. E coloco a minha crítica não apenas ao poder público mas a todos os moradores da idade. Se você vê uma rua engarrafada, pode contar que mais à frente existem quatro ou cinco pessoas que optaram pelo seu benefício próprio, parando em fila dupla ou tripla, a despeito de que isso prejudique outros. Isso é geral. Os ciclistas passam pela calçada, já fui atropelado numa, me feri todo, porque fui atingido por uma bicicleta em alta velocidade. Existe um descontrole de toda sorte no trânsito e também não vejo, nem a pequeno, médio ou longo prazo, nada sendo feito nesse sentido. Meu sentimento, no momento, é de profundo pesar pelo que assisto se perpetuar em uma cidade que vai celebrar 400 anos. Recentemente tivemos perdas de prédios históricos de valor incalculável no Comércio. A gente passa por lá agora e assiste uma ruína, literalmente, com letras maiúsculas, praticamente de frente ao Paris n’América. Queria acreditar que os 400 anos pudessem fazer Belém atentar para o que temos, o que podemos ser de exemplo em bem viver. Até nossas mangueiras estamos perdendo. Não sei no que a cidade pode se transformar sem a cobertura de árvores. Infelizmente o que posso dizer é que o aniversário eu celebro um pouco de coração apertado, muito mais pelas minhas memórias do que pelo que o presente anuncia. 

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