No Brasil, ser ídolo no futebol é mais ou menos como ser um semideus, uma divindade especial, com seus poderes, segredos, seus lances geniais que fazem rir e chorar. Nesse “panteão de deuses da bola”, dois nomes têm lugar reservado: Tostão, craque eterno, gênio e campeão do tri de 70, e Júnior, o lateral e meio-campista de jogadas inesquecíveis. Os dois já vestiram a camisa da seleção e foram ídolos em seus times. Juntos, possuem números que fazem – até hoje – qualquer torcida delirar. Tostão jogou as Copas do Mundo de 1966, na Inglaterra e a de 1970, no México e marcou mais de 300 gols pelo Cruzeiro, Vasco da Gama e pela Seleção Brasileira. Júnior jogou as Copas do Mundo de 1982, na Espanha e 1986, no México e foi o jogador que mais vezes vestiu a camisa do Flamengo, ultrapassando as 800 partidas pelo clube mais popular do Brasil. Tostão foi o maior artilheiro do campeonato mineiro por quatro anos seguidos: 1965, 1966, 1967 e 1968. Junior passou para a memória afetiva dos torcedores do Flamengo quando, aos 35 anos, ficou conhecido como “vovô-garoto”, o “maestro” que comandou o time nas conquistas da Copa do Brasil de 1990, Campeonato Carioca de 1991 e Campeonato Brasileiro de 1992.
Agora, são comentaristas do esporte-arte que mais emociona o povo. Estilos diferentes em campo; jeitos semelhantes na hora de comentar os lances entre as quatro linhas. Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, e Leovegildo Lins da Gama Júnior, o Júnior, são ponderados, equilibrados, compreendem, de forma crítica, as derrotas e vitórias. Com a sabedoria característica de quem já vestiu a camisa e suou nos campos do Brasil e do mundo, Tostão e Júnior falam sobre a Copa do Mundo de Futebol no Brasil, que já passou para a história, as chances do time, a polêmica sobre os preparativos, os recursos, a falta dos recursos.
Incisivo, Tostão adota uma postura realista. “Os erros [na preparação] são graves e frequentes”, afirmou. Sobre o favoritismo dos canarinhos, Júnior alerta para o perigo de o time entrar no clima da euforia de jogar em casa. “A pressão da torcida ajuda, mas tem que se preparar pra isso. Em outros países, a pressão acabou atrapalhando”.
Quando chega a hora de avaliar a seleção do técnico Luís Felipe Scolari, entretanto, os dois são otimistas. Para os dois craques, o time é bom, Felipão acertou na convocação e Neymar é o grande destaque do time. “A Seleção está muito bem, muito melhor do que imaginava que estaria”, diz Tostão. E Júnior faz coro: “Acredito, sim, que o Brasil vai ser campeão. Quem trabalha com esporte tem que acreditar”. A partir do dia 12 de junho, é “bola pro mato, que o jogo é de campeonato”.
Qual a importância de realizar uma Copa do Mundo aqui no Brasil?
Tostão - Seria ótimo, para o futebol brasileiro e para o país, mas, com tantos problemas, com tanto dinheiro excessivamente gasto, fica a dúvida se vale a pena.
Júnior - Pelas experiências que eu tive em Copa do Mundo, trabalhando e participando, desde 1982, eu acho que a visibilidade, a entrada de recursos econômicos, a questão do legado que vamos deixar são positivas. Talvez a gente não estivesse preparado para assumir tudo isso, porque sabemos o que uma Copa do Mundo pode dar e, principalmente, o que pode e deve deixar para a população. Naturalmente, a gente sabe dos problemas que vêm acontecendo, que não vamos estar 100%, mas eu acho que, no lado esportivo, tranquilamente vai ser uma Copa do Mundo que vai agradar muita gente.
Você são ídolos do futebol brasileiro, participaram de muitos jogos internacionais, muitos jogos da seleção. Para vocês, quais lembranças ficaram mais fortes nos jogos de seleção de que vocês participaram? Qual a sensação do jogador quando ele coloca o uniforme da seleção?
Tostão - Nunca me esquecerei de quando o Brasil fez o terceiro gol contra a Itália [Copa do Mundo de 1970] e tive a certeza de que seríamos campeões.
Júnior – Primeiro, é uma vitória pessoal. É a realização de um sonho que você tem: que é o de jogar futebol. Isso vem acima de tudo. E quando você chega à seleção é o auge da carreira.
Um momento que eu nunca mais vou esquecer foi o gol que eu fiz com a camisa da seleção, na Copa do Mundo de 82. Para mim, foi um momento mais do que especial.
Vestir a camisa da seleção mexe em alguma coisa com o jogador?
Júnior – Lógico. A partir do momento que você veste aquela camisa você sabe que está representando o seu país. Sendo que o resultado pode significar e determinar muito, inclusive o bom humor das pessoas. Por isso acho que os jogadores devem ter estrutura para poder lidar com a cobrança, com a pressão que atinge os jogadores do Brasil. Para essa Copa, por exemplo, nós só podemos convocar 23 jogadores, mas antes a regra dizia que poderíamos chamar 25. Então, é uma pressão muito grande que o jogador tem que estar preparado para receber.
Disputar uma Copa do Mundo em casa facilita ou dificulta para o país-sede?
Tostão - Acho que ajuda muito. Será um dos trunfos do Brasil. Mas é possível ocorrer o contrário. A pressão de vencer, sendo tão grande, pode atrapalhar os jogadores.
Júnior – Facilita. Mas você tem que se preparar para isso. É completamente diferente. Se é diferente para quem está trabalhando, que é o meu caso, já cobri duas copas do mundo trabalhando na imprensa, imagine para quem vai estar jogando. Mas acho que vai haver um trabalho da comissão técnica para os jogadores não se deixarem levar por essa pressão. A Copa das Confederações (realizada no ano passado, da qual o Brasil foi campeão) já foi uma demonstração de que você pode tirar proveito de estar jogando um campeonato em casa. Em outras situações, por exemplo, como na Itália em 1990, como na Alemanha em 2006, seleções terminaram fora, e são seleções tradicionais, seleções vencedoras, mas acabaram sofrendo a pressão muito grande por parte de todo mundo.
O que vocês acharam da seleção do Felipão? Quais seriam os destaques?
Tostão - A Seleção está muito bem, muito melhor do que imaginava que estaria. Os dois grandes destaques são Neymar e Thiago Silva. Todo o time é bom, apesar de ter poucos jogadores que estão entre os melhores do mundo em suas posições.
Júnior – O destaque da seleção é sem dúvida o Neymar, não é? Mas acho que o grupo é que vai fazer com que o Neymar seja o ícone da seleção. Uma seleção, quando não tem contestação na convocação, na verdade quer dizer que prevalece o equilíbrio entre os nomes. Acho que ele foi coerente nas suas escolhas.
Como ambos veem as críticas feitas à organização brasileira para esta copa? Acham que o Brasil cometeu mais erros de preparação, do que outros países?
Tostão - Os erros são graves e frequentes.
Júnior – Acho que o grande erro que foi cometido é que, há sete anos, quando nós tivemos a notícia da escolha do Brasil como país-sede da Copa do Mundo, tínhamos que ter tocado o negócio. E acho que as atividades de preparação tinham que ter começado imediatamente. Demoramos a dar o pontapé inicial para os preparativos.
De alguma maneira, a imagem do país fica arranhada com os preparativos para a copa?
Tostão - No exterior, só falam mal da situação do Brasil. Evidentemente, há muitos exageros. Isso pode se reverter, se tudo der certo no Mundial.
Júnior – É mais uma questão de vontade. Recursos não faltaram. Primeiro porque não são recursos privados, o que era para acontecer. São recursos que eu, você, todo mundo está pagando por essa Copa do Mundo, o que não era pra ser.
Que herança a copa deixará para os brasileiros?
Tostão - Se o Brasil for campeão, todos vão comemorar. Infelizmente, o legado tão prometido não vai ocorrer.
Júnior – Acho que vai ficar alguma coisa, principalmente em termos de estrutura urbana, pelo menos isso, não é? A gente vê que as obras estão acontecendo, mas não vão ficar prontas. Nós não seremos a cidade de Barcelona como aconteceu na Olimpíada, em 1992. Porque, quando se fala de legado, a cidade de Barcelona é a maior referência. A gente espera que fique alguma coisa para o público, para povo, principalmente, que é quem está pagando por tudo isso. Mas acredito que o Brasil será campeão. Quem trabalha com esporte tem que acreditar.
- Menino franzino, gênio do futebol.
Sabe aquele menino magrinho, baixinho, para quem os colegas não dão nada e fica sempre de fora das peladas do bairro? Pois era assim Eduardo, durante sua infância, em Belo Horizonte. Nascido em 1947, na capital mineira, certo dia, foi chamado para enfrentar os meninos do Atlético Mineiro. Deixou o banco apenas no segundo tempo. Franzino, sumia no meio dos adversários, galalaus de 12, 15 anos. Eduardo jogou, dominou e marcou um gol, o gol da vitória e foi festejado pelos colegas. Devido à sua aparência, o garoto recebeu a alcunha da moeda de menor valor na época: tostão.
Seguir dos campos de várzea de Belo Horizonte para os gramados profissionais foi um caminho natural. Virou atacante, por sinal, um dos atacantes mais clássicos do futebol brasileiro. Quando Tostão levantava a cabeça, olhava onde estava o companheiro de time e chutava. A bola sempre rolava para as chuteiras certas. Tostão só conseguiu chutar com o pé direito na Seleção Brasileira, depois de fazer um exercício que incluiu dar 200 chutes com a perna direita. Virou um meia completo. Mais do que isso: antecipou o “futebol intelectual”, aquele em que o que corre é a bola, não o jogador. O futebol dos passes de longa distância, das jogadas ensaiadas e perfeitas, o futebol que a Holanda jogaria em 1974, que encantou o mundo, com um esquema tático jamais visto, e que legou-lhes o título de “laranja mecânica”.
O futuro não poderia ser diferente: o menino esmirrado, menino da várzea mineira conquistou a Copa do Mundo de 1970 – na considerada “a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos” -, um campeonato brasileiro, cinco campeonatos mineiros consecutivos, de 65 a 69. E o Tostão virou milhão.
- Silêncio: maestro em campo
Quando Leovegildo Júnior pisava no gramado, a “nação” rubro-negra ficava mais tranquila. O “maestro” estava em campo. Era uma garantia de que, estivesse como estivesse o dia do time, os passes da lateral esquerda sairiam perfeitos. E, se tivesse uma falta próxima da grande área adversária, era meio-gol. Jogar com Júnior era garantir grande parte da vitória, antes mesmo de a partida começar. Ele era calmo, organizado em campo, olhava as jogadas que queria fazer e fazia. Marcava e atacava.
O bom preparo físico, responsável por grande parte do desempenho de Júnior nos gramados, tinha sido adquirido no futebol de areia. Nascido em João Pessoa, em 1954, Júnior gostava mesmo era, quando jovem, de jogar peladas nas lendárias areias de Copacabana. Uma provação para os mais fracos: se você não corre, você afunda. E Júnior era veloz já na areia. Jogando assim foi descoberto por Modesto Bria, técnico do Flamengo, e seguiu para Gávea. Foi amor à primeira vista. Júnior chutava com as duas – chutava bem – era lateral esquerdo exemplar. Por causa de seu penteado black power, ganhou o apelido carinho de “capacete”. Venceu seis Taças Guanabara, seis campeonatos cariocas, Copa do Brasil, quatro brasileiros, uma Libertadores da América, um Mundial Interclubes, na chamada “Era de Ouro do Flamengo”. Júnior foi atuar no futebol italiano e, já depois dos 30 anos, voltou a jogar a pedido do filho, que queria vê-lo em ação. Voltou, e voltou a ser campeão com 35 anos. Ganhou novo apelido: “vovô-garoto”, de tanto que corria em campo.
Depois de deixar os campos, Júnior voltou à sua origem: o futebol de areia. E a torcida delirava. Depois, foi cantor. E a torcida, mais uma vez, aplaudiu.