Os cosméticos vegan estão em alta, atendendo à uma demanda cada vez mais crescente de consumo consciente. Bons para a saúde, estes produtos – livres de qualquer ingrediente de procedência animal e tampouco testado nos bichinhos – têm conseguido certificações inéditas e selos de qualidade superior.
Uma viagem a Los Angeles, há dois anos, mudou a vida de Renata Kalil, editora de beleza. Ela participou de um evento e a programação incluía alimentação e um passeio pelo Farm Sanctuary, abrigo que resgata animais em Acton. “Eu já conhecia o veganismo, mas foi nessa viagem que virou a chave para mim e percebi que não conseguiria mais não ser vegana. Foi o despertar de uma nova consciência”, analisa.
Assim como Renata, aumentou o número de pessoas que se interessam e consomem produtos veganos. Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência, em 142 municípios das regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste, Sul e Sudeste do país, mais da metade dos entrevistados (55%) declara que consumiria mais produtos veganos se estivessem melhor indicados na embalagem ou se tivessem o mesmo preço que os produtos que estão acostumados a consumir (60%). Nas capitais, esta porcentagem sobe para 65%. A entrevista mostra ainda que 14% da população se declara vegetariana no Brasil.
A transição do vegetarianismo para o veganismo é o caminho mais conhecido, mas não foi o que aconteceu com Renata. Ela não teve uma transição. Foi fácil? Não. Mas ela está feliz com as escolhas. “Eu passei a vida comendo carne. Amava. Só não consumo mais. Mas é uma questão cultural porque a comida traz memória e tradição. Eu comia e lembrava da minha avó. Há ainda a questão prática que é achar algo para comer. Agora, por exemplo, estou em um evento de trabalho e olhei o cardápio e não há opção vegana. Então, ando com uma barrinha na bolsa. Outra questão é que a minha geração é muito ligada à dieta. Então, para perder peso no veganismo a dieta é de mais carboidrato e menos gordura, enquanto que na tradicional é muita proteína, ou seja, carne, e pouco carboidrato”, comenta.
Mas ser vegana implica a alteração de tudo o que é consumido, ou seja, roupas e até os cosméticos, tão comuns na vida de uma editora de beleza também devem ser revistos. “Quando virei vegana não me preocupei com isso de imediato. Até pela questão do meu trabalho, eu usava maquiagem convencional. Hoje, posso dizer com certeza que o meu nécessaire é totalmente cruelty free [não testada em animais]. Mas, ainda não posso dizer que tudo que uso é vegano. Ainda há produto com cera de abelha ou mel, por exemplo. Tenho me atentado mais porque não faz sentido tanto esforço e esbarrar nisso. A gente vai se aperfeiçoando. Faz parte do meu processo. Eu ia comprar agasalho e de repente me atentei que vários tem lã e já não vou comprar”.
O primeiro impacto foi na alimentação, a jornalista sentiu a necessidade de trazer a mudança no estilo de vida para mais próximo da rotina. “Eu comecei a conhecer marcas de nicho pequeno tanto do exterior, quanto do Brasil. Comecei a perceber que me tornei melhor editora porque conheci um universo que antes não existia para mim. As marcas passaram a me procurar e passei quase um ano só fazendo conteúdo de beleza vegana e cruelty free”, analisa.
Por força do trabalho, ela se relaciona com todas as marcas, mas conseguiu cavar espaços para falar mais do veganismo e da importância de não testar produtos em animais. “É interessante porque há dois anos falava-se bem pouco e há cinco anos, acho que nem haveria relevância. Fui criando essa abordagem sobre veganismo de beleza. Então, percebi que não fazia o menor sentido ter nenhum produto que fosse testado em animal. O processo de testagem é muito cruel. É apenas uma exigência do capitalismo. Muitas marcas, como as de luxo, testam para entrar no mercado chinês. Algumas testam porque pode existir algum material não testado e as marcas não tem controle e nem se importam com isso. Um exemplo e que quando viajamos, paramos no freeshop para comprar um perfume de uma marca de luxo. Todos os perfumes são testados em olhos de coelhos. Quando fui descobrindo isso, fiquei chocada e não faz sentido dar suporte para isso”. Ela comenta que nas redes sociais pessoais só fala de marcas que não fazem testes em animais, pois sustenta que essa questão é central do debate e que as pessoas precisam falar mais e questionar essa prática.
Além de fazer bem para o planeta, desde que começou a usar cosméticos vegan ela sentiu bastante diferença dos produtos na sua aparência. “Senti muita mudança no meu cabelo. Eu fazia muitos procedimentos, desde descolorir até alisar. Perdi metade dos fios que eu tinha. Hoje, tenho mais cabelo do que tinha há dois anos. Antes, eu me preocupava mais com a aparência e hoje mais com a saúde. Mas também é a prova da mudança da minha alimentação. Acho que se tivesse mudado para alimentos naturais e orgânicos a minha pele também teria mudado muito. Mesmo assim estou feliz” analisa.
Essa análise da Renata traz algumas confusões. Cosméticos veganos não são sinônimo de saudáveis. “Existem muitos alimentos e cosméticos veganos e orgânicos, mas nem todo mundo entende o real significado do termo “vegano”. Um produto vegano quer dizer apenas que, em sua composição, não há ingredientes animais ou provenientes de animais. Ou seja, um produto vegano não é necessariamente saudável porque em sua fórmula podem haver muitos outros ingredientes químicos e agressivos que não fazem nada bem à sua saúde” explica a empresária Luisa Baims Albrecht.
Ela aconselha que o mais indicado é que a consumidora busque a combinação de produtos veganos, orgânico e certificado, porque além de não ter ingredientes de origem animal e de não ser testado em animais, a matéria prima é 100% natural e orgânica, além disso todo o processo de produção é rastreado e garantido pelas certificadoras.
Luisa é proprietária da empresa de cosméticos veganos Baims, que tem sede no Brasil e na Alemanha, onde ela mora há quase 20 anos. “A ideia da BAIMS surgiu em 2015, em Frankfurt, por causa do boom que estava havendo aqui no mercado de cosméticos orgânicos e que me fez conhecer e me apaixonar pelo conceito e qualidade de muitas marcas da Europa. Quis levar essa novidade maravilhosa para o Brasil que era muito carente de marcas com o propósito vegan, orgânico e com conceito de sustentabilidade. Entramos no mercado em agosto de 2016 com uma linha completa de maquiagem certificada”, conta.
Ela vem acompanhando as mudanças no mercado e percebe o aumento da procura e da oferta de produtos tanto no mercado nacional quanto no europeu. “No Brasil, por ser o quarto maior mercado de cosméticos do mundo, se percebe mais o aumento devido às proporções do aumento da demanda. Mas, na Alemanha e Europa, o mercado de cosméticos green está crescendo muito mais rapidamente que o dos cosméticos convencionais há anos”, analisa a empresária.
Foi de olho nesse crescimento que grandes empresas começaram a investir em linhas veganas, ao mesmo tempo que mantêm as linhas convencionais. Para ela, isso é um movimento sem volta e que beneficia os consumidores pois há mais opções. “Por outro lado, o ponto negativo ao meu ver, é que vejo a ‘mudança’ das empresas pode ser apenas como oportunismo para ganhar mais uma fatia de um mercado que tem grande potencial de crescimento. Não adianta lançar algumas novas empresas com conceito genuinamente sustentável e vegan, se 99% das suas empresas e produtos no mercado não seguem a mesma linha e continuam a testar em animais, utilizar derivados de animais, parabenos, silicones, fitalatos e outras químicas comprovadamente agressivas e/ou tóxicas para o ser humano nas fórmulas e ainda estar longe de um conceito sustentável como um todo”, pondera.
“Quem é vegano não é para si, mas para o outro”
Uma das vozes mais conhecidas sobre veganismo no Brasil, Alana Rox produzia a própria maquiagem até conhecer a Baims. “Eu já havia testado outras marcas, mas era hidratante mais ou menos, maquiagem que não pigmentava. Quando conheci a Baims me apaixonei. Além de embalagens lindas, a cobertura e a pigmentação são muito boas e ainda tem anti-idade, por isso posso até dormir com maquiagem que sei que a minha pele estará melhor ao acordar”, fala Rox, que se tornou embaixadora da marca.
Vegana há 15 anos, ela diz que não havia muitos produtos disponíveis quando começou e que ainda hoje, produz alguns produtos de higiene e limpeza. “Eu passei a pesquisar tudo o que consumia, os benefícios e como poderia funcionar na prática. Produzia a pasta de dentes até o desodorante”. Ainda hoje, Rox lava o cabelo com bicarbonato de sódio e vinagre.
Ela também testemunhou o aumento da demanda de cosméticos vegans e diz que a internet ajudou muito nisso. “As pessoas começaram a estudar mais porque tiveram acesso mais fácil a informações. Muitas a entenderam que estavam causando dores e doenças para elas mesmas através da pele ou da boca. O seu corpo não nasceu para ficar doente, o que está acontecendo para que isso aconteça” argumenta.
Com tanto tempo no veganismo (e a vida inteira no vegetarianismo), ela ainda combate alguns mitos sobre o seu estilo de vida. “A gente ainda ouve que vegano é coisa de hippie e também que é coisa de rico. O que é bem confuso ser as duas coisas (risos). Dá para economizar mais no veganismo do que estilo convencional, então não precisa de muito dinheiro. É claro que quem quiser tudo pronto, vai gastar mais. Só que já fiz cardápios para a semana inteira mostrando que é possível gastar 50 reais. Isso com alguma folga, porque consigo fazer com 30 reais. E para a semana inteira, com quatro refeições por dia. Com um pouco de esforço e dedicação sai mais barato e não toma muito tempo”, declara.
Empresária, Alana também está lançando o segundo livro e ainda é embaixadora da ONG Mercy for Animals. Ela também é conhecida pelo programa “Diário de uma vegana e nas redes sociais como “The Veggie Voice” e se define como ativista. “Sim porque tudo o que eu faço é para despertar a consciência das pessoas, para salvar o homem do homem, antes mesmo de salvar os animais e o planeta. Quem é vegano não é para si, mas para o outro. E é bom lembrar que a gente é a natureza, fazemos parte. Tudo o que existe tem uma razão, nem sempre é para beneficiar o ser humano, mas pode ser bom para outra planta ou ecossistema”.