Fera liberta

Eriberto Leão não rejeita o título de galã e, a partir de sua sólida formação no teatro, se permite viver várias personagens, ao mesmo tempo em que se considera único.

25/09/2012 12:21
Fera liberta

Eriberto Leão poderia ser um verbo, algo entre o “erigir” (erguer, levantar, fincar, criar) e o “libertar” (tornar-se liberto, livrar-se). Melhor, ‘eribertar’. Um neologismo seria o verbo que expressaria a capacidade de se erguer a partir de sua própria libertação. Um verbo certamente conjugado em todos os tempos e espaços, que ecoaria horas depois de ser pronunciado. Eriberto de Castro Leão Monteiro, paulista de São José dos Campos (SP), ator com 16 anos de carreira, é um homem frágil, como só os fortes costumam ser. Determinado, estudioso, concentrado, curioso e “pai do João”, como ele mesmo se descreve no microblog twitter, que “alimenta” pessoalmente (nos poucos minutos que lhe sobram, entre milhões de compromissos). “Eriberto está em Nova Iorque gravando um novo filme. Eriberto está em Las Vegas, fazendo laboratório para compor sua próxima personagem de novela. Eriberto está em São Paulo, em cartaz com sua peça” – alguns dos obstáculos ultrapassados, para que, enfim, esta conversa fosse possível. O local: o café de uma livraria. Aliás, nada mais providencial, já que Eriberto é um leitor voraz, que navega entre Victor Hugo e Nietzsche ao longo da entrevista para a Revista Leal Moreira. Aos 40 anos, Eriberto faz questão de fincar o alicerce de sua existência em um terreno bem seguro, sendo a espinha dorsal do seu entorno. Às vésperas da estreia de sua décima primeira novela, o ator, que contabiliza ainda oito peças teatrais e sete filmes, tem buscado ouvir mais o silêncio. E é nesse cenário que iremos conjugá-lo, em todos os tempos verbais, do passado a um inovador futuro mais-que-perfeito.

O Brasil inteiro conhece o Eriberto Leão, galã de novelas. Porém, poucos tiveram acesso à sua formação mais profunda, como ator de teatro e cinema. Como foi esse processo de amadurecimento profissional?

Desde que me apaixonei pelas artes dramáticas, percebi a importância do estudo na construção de um ator de verdade, um ator pleno. Lembro que o Tony Ramos me disse certa vez que ‘a vocação é mais importante que o talento’. A partir disso, reconhecendo a minha vocação, procurei aprimorar o meu talento, lapidar ao máximo. Em 1990, cursei Artes Dramáticas na USP. É um curso muito concorrido e ali eu defini que precisaria chegar perto dos melhores e seguir com os estudosm buscando uma pós-graduação em Arte. Foi quando decidi ir para Nova Iorque.

Estudar em Nova Iorque trouxe que tipo de diferencial à sua carreira?

Admiro a típica cultura do vencedor nos EUA: a disciplina, a batalha árdua, bem distinta da cultura empregada no Brasil, na base do ‘você não vai conseguir’ ou ‘desista’. Quando mudei para Nova Iorque, acreditei muito nessa disciplina e dedicação para chegar aonde eu queria. Entre 1993 e 1994, estudei na escola de atores do Lee Strasberg (renomado ator, diretor e professor de artes dramáticas norte-americano), que criou um método de atuação que se encaixou perfeitamente para mim, ou melhor, eu me encaixei no método Lee Strasberg.

 E como foi o retorno ao Brasil?

Engraçado que, por obra do acaso, uma nevasca me fez partir de Nova Iorque em dezembro de 1994. Ao chegar no Brasil, fui acompanhar um amigo num teste para uma novela religiosa em Valinhos, interior de São Paulo. Resolvi levar uma carta de referência do Lee Strasberg e a entreguei ao diretor, dizendo “eu sou seu Santo Antônio”. E daí veio o Antônio dos milagres, em 1995, minha primeira novela na CNT.

O que você julga indispensável para atuar?

O ator precisa ter uma necessidade vital de se expressar por meio das histórias dos outros. Você precisa se identificar verdadeiramente com seres que foram escritos por outras pessoas e que serão transformados por você. Foi exatamente por isso que eu quis ser ator e todos as personagens que interpretei tiveram essa característica de operar uma transformação pessoal dentro de mim, além de transformar aqueles que me assistem. ‘Se você conseguir transformar uma pessoa você estará fazendo arte’. Não lembro onde ouvi isso, mas concordo.

O que é arte pra você?

É um veículo pelo qual o criador se expressa com relação à sua existência. É o mundo, tal como é percebido, ou melhor, é o veículo por meio do qual você se expressa, mas é essencialmente um instrumento de algo que está acima de você. Caetano compõe músicas, Van Gogh pinta quadros...neste momento, creio que eles estão conectados a algo que é superior a nós mesmos. E isso é arte.

Você está no remake de ‘Guerra dos Sexos’, próxima novela das sete da Globo, que estreará em outubro, na pele de Ulisses, um lutador de MMA (Artes Marciais Mistas). Como está compondo o personagem?

Atualmente, o MMA é o esporte mais popular do Brasil. Em julho, a luta do Anderson Silva marcou vinte pontos de audiência na madrugada, o que só acontecia no auge das disputas de boxe ou nas corridas do Ayrton Senna no Japão. Em minha opinião, o Anderson vem ocupar um espaço vago desde o Senna, é um novo herói brasileiro. E o Ulisses vem no meio disso tudo, sendo uma grande honra e responsabilidade encarnar esse personagem atualmente. Treino várias vezes por semana e tenho acompanhado bem de perto a evolução do esporte. Isso me dá muita inspiração para buscar a jornada deste herói.

Você já fez muitos heróis na sua carreira. Como você enxerga o processo da trajetória do herói?

Sim, na minha carreira eu já fiz muitos heróis. O herói sempre tem a missão de motivar a sua vida, te fazendo passar pelo inferno até o umbral para aprender, crescer e conquistar o objetivo da trama. E esse objetivo só vem dessa jornada. Eu tive a sorte de estar vivendo na profissão o que ansiava no fundo do coração, quando eu era só um menino estudando teatro; por isso, acredito que, apesar das dificuldades, quando você encontra sua lenda pessoal, o que foi destinado a fazer, tudo conspira a seu favor, mesmo quando agem contra você. Eis a trajetória do herói.

Você começou no teatro aos 17 anos, para lidar com sua timidez. Hoje, contabiliza oito peças teatrais. Além da timidez curada, o que mais o teatro te trouxe?

Eu me apaixonei pelo teatro. Fui contrarregra de uma peça quando já estudava teatro no Célia Helena (escola de Artes, em São Paulo), em 1989. A peça chamava ‘A vida é sonho’, com Regina Duarte e texto do Gabriel Villela, que me ajudou muito e com quem fiz a minha primeira peça de teatro, ‘Ventania’, também escrita pelo Gabriel Villela. Aprendi no teatro um ritual quase que religioso de iniciação, sendo um lugar onde eu me reencontro comigo mesmo e acesso os meus espaços mais primitivos e mais elevados. Algo como o trecho da oração: ‘Assim na terra, como no céu’. O teatro me traz isso, é um espaço sagrado onde cresço muito.

E existe um projeto seu de interpretar o Jim Morrison no teatro, certo?

Correto, o Jim Morrison é um projeto antigo, mas que vai acontecer quando for propício. Como disse Victor Hugo “Nada é tão forte como uma ideia quando é chegada a hora dela”. Da mesma maneira que “A Mecânica das Borboletas” (sua peça mais recente) veio como se tivesse sido escrita por encomenda, o Jim Morrison virá quando tiver de vir. Talvez após as gravações da novela ‘Guerra dos Sexos’.

E como você transita pelo universo do Cinema?

O cinema sempre foi um sonho mais distante, conquistado humildemente. “Assalto ao Banco Central”, que recebeu várias indicações ao Prêmio de Cinema Brasileiro, foi um presente, assim como o “De pernas pro ar – 2” (com estreia prevista para dezembro), que filmei em Nova Iorque no primeiro semestre. Voltar à Nova Iorque, onde tudo começou, me fez retornar ao quilômetro zero.

O que é voltar ao quilômetro zero?

Na peça “A Mecânica das Borboletas”, tudo o que aconteceu durante o espetáculo foi um retorno ao quilômetro zero. Por exemplo, estreei na mesma sala onde fiz minha primeira peça. Em SP, ficamos em cartaz onde fui contrarregra antes de ser ator, no SESC Anchieta. Pura sincronicidade. Perdi o meu pai no ano passado e logo enceno uma peça em que esse contexto é trabalhado; e, através da morte do meu pai, eu me aproximei do meu único irmão que, não por acaso, é faixa preta em jiu-jitsu, professor de lutadores profissionais e, por conseguinte, me aproximou de um grande amigo no UFC de Las Vegas, onde pude viver todo o clima pré-luta, dos bastidores , fundamental para a formação de minha próxima personagem, entende? Algo uniu o que eu faço ao que o meu irmão faz, logo após a morte do nosso pai. Coincidências significativas que acontecem e tornam a sua fé racional, quase matemática, sem espaço pra dúvidas.

E o que é essa fé?

Exatamente isso, a fé é ausência de dúvida. Daí que vem toda a inspiração e dedicação para que um personagem dê certo. A fé no que é superior a você e que te faz ser só um instrumento de uma grande engrenagem.

E como peça dessa engrenagem, o que mais te instiga na atuação?

Quero devorar os meus demônios e adquirir os poderes dele. Nietzsche, meu filósofo predileto ao lado de Espinosa, retrata bem o que eu almejo: a junção do super-homem e da ética, porque o “além do homem” sem ética escraviza, inclusive a si mesmo. A carreira de ator e a vida me instigam a servir de instrumento de uma força que criou tudo, e te transforma num “super-homem”, ciente de que “todo o poder é emprestado”, como disse Jesus Cristo.

Você cita Jesus constantemente e já atuou em vários espetáculos com conotações religiosas. Qual a sua religião?

Fui educado com base no Cristianismo. Acredito no amor e na ética.

E o que é ética pra você?

Ética é amor. Não fazer com o outro o que não gostaria que fizessem com você. Ética é fazer para o outro exatamente o que gostaria que fizessem com você.

Um conceito bem difícil de ser estabelecido atualmente, não?

Sim, falta muita ética, principalmente nos que estão no poder, porque falta amor. O amor incondicional ao que se faz. Se você é um servidor público e ama o que faz, vai amar servir aos seus ideais e não ser servido. E quem está no poder, ama muito mais ser servido do que servir.

O que te preocupa hoje?

A desconexão do homem em relação ao planeta onde ele vive. Até quando ficaremos cegos diante das mudanças que estão acontecendo? Nos desconectamos a tal ponto que exaurimos os recursos que são finitos. A imortalidade é o sonho primordial da humanidade e foi conquistada através da perpetuação da nossa espécie, do nosso código de DNA, que é transferido de geração em geração. Acredito que, em razão disso, algo vai acontecer para mudar esse cenário. Esse alarme que vai soar a qualquer momento está no nosso caminho. Precisamos despertar o inconsciente coletivo que está adormecido. Uma revolução está a caminho.

Que tipo de revolução?

Uma revolução que idealize uma tecnologia que nos perpetue, já que o ser humano é uma obra de arte sublime do Criador. A beleza da vida é a prova de que existe um motivo para estarmos aqui. O “homem vitruviano”, de Leonardo da Vinci, retrata bem o que estou falando: somos uma obra de arte muito simétrica, de formas e geometria perfeitas. Precisamos salvar isso.

Como você lida com o envelhecimento e a finitude?

Infeliz daquele que quer lutar contra a sabedoria da natureza. Se nosso corpo envelhece, é para que o nosso espírito e nossa mente rejuvenesça. A evolução das espécies é muito sábia, não seria diferente com o ser humano, é um processo necessário.

Ao longo de 16 anos de carreira, em meio a tantas entrevistas, o que o Eriberto Leão ainda não respondeu? Que pergunta você se faria?

Você é?

E qual seria a resposta?

Eu sou.
 

 

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