Há quem acredite que para fazer um drinque basta misturar uma bebida alcoólica, pedacinhos de frutas e gelo. O que nem todo mundo sabe é que a coquetelaria é uma arte complexa, cuja data e local de criação são imprecisos: pode ter vindo da Grécia Antiga ou do México colonizado. Desconsiderando as divergências nas pesquisas históricas, o que se sabe, de fato, é que alguém lá atrás pensou em harmonizar sabores dentro de um copo e assim surgiram as misturas que se popularizaram na década de 50 do século XX, em pubs por todos os lugares do mundo.
Esta história mágica, cheia de alquimias, percorreu o tempo e passou por vários lugares até chegar a Belém, onde hoje os drinques deixam muita gente com água na boca. À frente do bar do Boteco do Silvio, espaço Leal Moreira na Casa Cor Pará, Leonardo Cals mostrou por que é considerado um dos maiores bartenders do Estado ao oferecer no evento um menu de 20 drinques irresistíveis, entre tradicionais e exclusivos.
A busca por gostos inusitados por meio de misturas de ingredientes sempre guiou a vida de Leonardo. O incessante desejo de criar novos sabores o levou aos estudos culinários, mas logo o bartender descobriu seu caminho. “Sempre gostei de experimentações. Cresci em uma família muito ligada à gastronomia – minha mãe administrou vários restaurantes – e acreditava que ali encontraria a profissão ideal. Quando conheci a arte por trás do balcão do bar, porém, me encantei”, relembra Leonardo, que já se dedica à coquetelaria há sete anos.
A paixão foi levada a sério desde o começo. Assim que descobriu a cultura dos drinques, Leonardo buscou cursos profissionalizantes – motivo que o leva regularmente a São Paulo – e se associou à Internacional Bartender Association (IBA), entidade mundial que regulamenta o ofício.
O currículo dele, que já contabiliza mais de 50 drinques criados, permite ao bartender paraense reproduzir qualquer coquetel tradicional, mas seu maior interesse é a novidade. “Acredito que minha profissão seja semelhante à de um mago. Não gosto de simplesmente reproduzir drinques, prefiro criar novas composições, descobrir quais ingredientes juntos podem render sabores inigualáveis”, diz. Assim, nasce o desejo de criar uma coquetelaria autoral, o diferencial do trabalho deste apaixonado pela arte dos drinques.
Coquetelaria gourmet
Regras passam longe das fusões propostas por Leonardo. Frutas cítricas harmonizam com geleias doces e bebidas destiladas, sem maiores problemas. “Meus estudos me mostraram que só se peca pelo excesso. Não fico com dedos na hora de experimentar, é uma coisa instintiva mesmo. O importante é saber dosar cada ingrediente”, ensina o bartender, que acredita que desconstruir combinações é um dos melhores caminhos de sua profissão.
A prática de misturar ingredientes pouco prováveis com tanta precisão, inevitavelmente, lembra a gastronomia. “Acredito que fazer coquetéis é estar na cozinha e preparar um prato”, resume Leonardo, explicando que, por isso, batizou seu método de “Coquetelaria gourmet”. “A alta coquetelaria gourmet é um trabalho que venho desenvolvendo há cerca de um ano para associar com pratos da alta gastronomia, em que você pode sentir a harmonização de tal forma que não prevaleça o gosto do álcool”, explica.
Sabor tropical
Cores vivas, sabores refrescantes. Leonardo busca em seu trabalho assumir uma identidade que remeta ao clima de um país tropical. O último drinque criado por ele – insight que aconteceu enquanto estava comandando o bar do Boteco do Silvio, na Casa Cor Pará – exemplifica bem a linha de estudos do bartender. Seguindo os preceitos da coquetelaria gourmet, o Pipperibe traz a harmonização do rum caribenho com especiarias tropicais, como a pimenta dedo-de-moça e o gengibre. A bebida refrescante é para quem prefere apreciar sabores durante uma boa conversa.
Um dos maiores interesses de Leonardo é participar da criação de uma coquetelaria local, que, junto com a gastronomia, enalteça as especiarias da Região Amazônica. “Assim como temos uma culinária respeitada em todo o país, podemos ter também uma coquetelaria de primeira qualidade”, compara. No bar do alquimista, hortifruti, geleias, xaropes e ervas que conhecemos bem. Cupuaçu, açaí e castanha-do-pará saltam aos olhos na bancada do bartender e se misturam em sabores singulares no copo do drinque. Sabores comuns ao paladar de um paraense, outros nem tanto. Assim como o processo criativo de outras artes, na coquetelaria o que vale mais é a intuição. Para Leonardo, a teoria e o legado já constituído da cultura dos drinques são importantes, mas experimentar, criar novas composições é o grande ofício de um bartender.
“Já trabalhei em muitos eventos, em que a produção de drinques era feita em longa escala, mas isso não me satisfaz mais. Pelo contrário. Hoje prefiro dar consultorias e fazer eventos pequenos e fechados, em que eu possa fazer com que as pessoas tenham uma relação íntima com a bebida e entendam que não se trata de simples entretenimento, mas de apreciação de uma arte”, observa.