Camila Pitanga é uma mulher bela. Não porque esteticamente tenha linhas em harmonia, beirando a perfeição. Camila é mais profunda do que isso. Inteligente, politizada. Em poucos minutos de conversa, essa carioca de 34 anos se revela leve, educada e extremamente à vontade para falar de si com um desconhecido armado de um punhado de perguntas. Depois de meia hora de papo, o seu jeitão carioca deixa a conversa com ares de encontro entre amigos que não se viam há anos. E logo o entrevistador vira entrevistado também, trocando figurinhas em depoimentos de vida e trabalho. E tudo se transforma num papo animado, entrecortado por sorrisos, risos, gargalhadas até.
Camila Pitanga olha nos olhos. Gesticula largo e tem sinceridade no tom de voz. Muito longe de se sentir “A Estrela”, é uma mulher dócil, jeitão de moleca, como ela mesma se define, que encara “numa boa o assédio dos fãs e da imprensa, desde que não ultrapassem os limites da minha individualidade”.
Atriz que desfila diante da tela desde os seis anos, quando estreou como figurante no filme “Quilombo”, de Cacá Diegues, foi assistente de palco no programa da Angélica (Clube da Criança, na extinta TV Manchete) para, em seguida, aos 16 anos, encarar o seu primeiro papel, na novela Fera Ferida, em 1993.
Diante das camêras desde criança, Camila lida com naturalidade com cobranças e assédios |
Apaixonada pela filha Antônia, de dois anos (nome dado em homenagem ao pai, Antônio Pitanga), quando o assunto é família, ela reafirma a admiração pelo pai e os muitos aprendizados com a mãe, a atriz Vera Manhães, que também encantava o publico masculino da década de 1970, seja em folhetins na televisão ou em filmes na telona, ou mesmo em ensaios em revistas masculinas. Ensaios, aliás, que a filha Camila se nega a fazer, apesar dos inúmeros convites. “Não é esse o meu foco. É clara a minha decisão de não querer. Isso não está mais em pauta. É definitiva a minha negativa. Não tenho nenhum interesse em posar nua”, afirmou quando ainda fazia a voluptuosa personagem Bebel, na novela Paraíso Tropical, da TV Globo.
E quando o assunto é a polêmica que o seu par romântico com Lázaro Ramos vem causando na imprensa nacional - no novo folhetim da Globo (Insensato Coração) -, Camila é taxativa. “Vivemos em um país muito hipócrita ainda. O fato de dois negros bem-sucedidos na novela estarem incomodando alguns críticos é porque a situação bate exatamente no preconceito deles. Nunca sofri preconceitos, mas ele está aí, nos assombrando. Em um país onde o racismo, ainda que de maneira velada, existe, me considero uma pessoa privilegiada. Será uma conquista plena e histórica quando um negro ocupar o posto de protagonista e o fato não gerar mais discussão”, encerrou o espinhoso assunto.
No ano passado, a atriz “morou” por três meses em Santarém, onde era filmado o longa-metragem “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, filme de Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no romance homônimo de Marçal Aquino, com estreia prevista para este ano. No filme, Camila vive Lavínia, uma mulher misteriosa, de dupla personalidade e dividida entre duas paixões tão fortes que a levam a um surto psicótico. “Escolho papéis pelo desafio. Essa personagem está entre os maiores desafios da minha vida”, comentou a atriz, que afirma ainda que da experiência de sua passagem pelo Pará só tem lembranças boas.
Em sua já longa estrada na arte de representar, Camila diz que escolhe papéis pelo desafio e, longe de se acomodar com a fama e a boa fase na TV, adianta que os próximos anos serão dedicados ao teatro.
Acabaste de protagonizar um filme com os diretores mais respeitados do país, Beto Brant e Renato Ciasca (que foi rodado, quase que exclusivamente em Santarém), como foi essa experiência?
Foi uma das experiências mais lindas que já vivi. Beto e Renato me ampararam num processo de trabalho vertiginoso e especialmente afetivo, que me deu a oportunidade de me virar pelo avesso, em um grau como poucas vezes eu tive. Há muito tempo já admirava o trabalho dos dois e foi uma explosão de alegria receber o convite para filmar “Eu receberia...”. Um aspecto belo dessa experiência foi a comunhão que se estabeleceu entre toda a equipe. Praticamente morei em Santarém, onde conheci e me encantei com o carimbo e por pouco não participei de uma festa muito especial de lá, o Sairé. Voltar para casa, para nossas vidas foi difícil. Conheci pessoas fantásticas: Seu Éfren - escritor santareno que me deu a honra de me citar em seu novo livro, “Magnólio” – uma mistura de sábio e palhaço, ele é de São Paulo, mas está sempre por lá atuando como líder e palhaço num projeto social lindo chamado “Saúde e Alegria”. Dinael e Dadá, líderes, heróis que estão arriscando suas vidas em prol do reconhecimento da demarcação de terras indígenas. Eles foram nossos anfitriões numa comunidade chamada São Pedro. Viajamos oito horas de barco de Santarém até lá. Nos misturamos com o povo daquela comunidade e dormíamos num barco. Saudade de comer o “Mega Tapajós”, prato delícia da família “Nossa Casa”, nome do restaurante que traduz o que sentia ao comer lá! Enfim, tudo muito intenso e novo. Esqueci de citar meus mergulhos no Rio Tapajós! .
Fazer a Lavínia foi um desafio de qual porte?
Quando li o livro do Marçal (Aquino), senti uma mistura de pânico e alegria. Lavínia é o desafio que imagino que toda atriz gostaria de se aventurar. É uma personagem que muda intensamente ao longo do filme. Precisei me conhecer em sentimentos, afetos que não eram nada confortáveis. Foi um processo forte de autoconhecimento. A personagem tem uma trajetória de vida muito radical, ela tem muitas fases e algumas delas têm a ver com a minha história de vida. São estados emocionais muito radicais. E tudo isso, por mais que a gente tenha um distanciamento de compreender que é um personagem, foi o meu corpo que viveu aquilo, o corpo sente aquele torpor todo, então você fica carregada. Na fase do Rio de Janeiro (o filme começa no Rio de Janeiro para em seguida vir ao Pará), onde ela é drogada, prostituída, vive uma fase bem barra-pesada dela, eu precisei emagrecer radicalmente, não um emagrecer com saúde, como eu geralmente prezo, mas ela exigia mais. Logo depois eu entrei na novela, e o diretor Denis Carvalho falou: “Camila vai te tratar (risos), vai engordar”. A Carol (personagem em Insensato Coração) é minha salvação (gargalhadas).
Qual tua expectativa para o lançamento do filme?
Assisti recentemente a uma versão da montagem final do filme e fiquei muito emocionada com o que vi. Espero que as pessoas que assistam ao filme se deixem levar ao mundo de Andara (nome da cidade fictícia do filme). A história, as personagens são envolventes e acho fundamental o Brasil entrar em contato com uma região do nosso país que possui uma história e identidade pouco conhecida, mas muito valorosa e rica.
A atriz tem uma carreira vitoriosa na TV e no cinema, e pretender dedicar-se mais ao teatro em 2012 |
Tens no currículo, tanto no cinema como na televisão e teatro, uma vastidão de personagens. Como é o teu processo de construção de uma personagem?
Costumo trabalhar me fechando numa sala e improvisando situações que tenham a ver com o universo da personagem. Gosto de pesquisar e as fontes variam. Pode vir do cinema, da fotografia (tenho muitos livros de fotografias), mas a real é que eu quando tenho um novo desafio fico com a escuta aberta, quase como uma antena parabólica, captando tudo o que possa servir como referência.
Esses últimos anos, o que não tem faltado são convites de trabalho. Além do longa-metragem que acabaste de protagonizar, estás na nova novela da Globo das 21h, e estás preparando um espetáculo com Gero Camilo para este ano ainda. Como defines esse momento da tua carreira?
Por um lado de abertura, pois o que vivi abriu novas conexões, novos amigos, novos projetos, mas também de consolidar escolhas que eu já havia feito lá atrás, mas que agora a vida está concretizando.
Sobre o que trata o espetáculo?
A peça é de uma família que está presa em sua casa, pois houve o degelo das calotas polares e, por sorte, a casa deles foi construída em cima de um cemitério de automóveis. A peça tem um tom bem crítico, eu acho, as relações são colocadas à prova o tempo todo pelo desejo que todos na família têm de sobreviver e traçar sua visão de mundo... Ainda existem muitas camadas para eu entender a peça, tenho certeza que no ensaio vou descobrir bem mais...
Já tem data para estrear?
Queremos estrear ainda este ano, começamos a elaborar o projeto não tem nem um mês.
Há chances da peça vir para Belém?
Sim, vou adorar reencontrar o Pará!
Com tantos degraus galgados em tua carreira de atriz, o que mais falta fazer? Alimentas algum sonho/plano na carreira?
Abrir novos caminhos, trilhar novos desafios. Se tudo der certo ano que vem será um ano dedicado ao teatro!
Você é considerada um símbolo sexual dessa geração. Até que ponto isso te ajuda ou atrapalha? É difícil para uma mulher bonita mostrar que tem talento, ou não te preocupas com isso?
O trabalho e o tempo foram o grande remédio para eu desconsiderar a beleza e tudo o mais um problema. Me aceito como sou, sabendo que tenho um chão pela frente. Ter bons amigos, sentir o respeito do público também ajuda muito.
Tu és filha de atores, devias respirar teatro e cinema desde muito cedo. Seguir a carreira de atriz foi um caminho inevitável? Tu sempre quiseste isso, ou foi aparecendo?
Sempre fico na maior dúvida de afirmar categoricamente que o caminho era inevitável, pois é bem verdade que quando era pequena nunca pensei em ser atriz, mas acho que ter convivido no meio deve ter ajudado sim.
A tua participação na minissérie Invenção do Brasil, de Guel Arraes, (que no cinema se tornou Caramuru), certamente deu um impulso na tua carreira como atriz. Ele foi mesmo um divisor de águas para ti? Ou houve outros trabalhos mais significativos?
Acho que foi uma virada sim, pois me fez rever conceitos que tinha sobre a própria televisão. O contato com o Guel e toda a sua equipe criativa (incluo aí: Marlene Moura – maquiagem, Lia Renha – cenografia, Cao Albuquerque – figurino) me fizeram vibrar com seu engajamento e desejo de se reinventar. A televisão muitas vezes leva esses profissionais a burocratizarem e congelarem o ímpeto criativo. “Invenção” era o oposto disso.