Um ambiente pode ser decorado, construído e até reformado com vários tipos de objetos e matérias-primas. Dentre essa variedade, a madeira tem um encanto particular: remete a algo mais rústico, pacato e até familiar. Contudo, quem já teve peças de madeira, sabe que o material necessita de cuidado constante para que suas características físicas sejam preservadas. Sabe também que chega o momento em que ela parece não ter mais salvação. É aí que você encontra uma nova categoria de móveis: os de demolição.
Como diz o próprio nome, são peças de madeira que seriam descartadas, destruídas, mas acabam ganhando utilidade novamente e dando um toque diferenciado no ambiente. Além do reaproveitamento - que já é ótimo, justamente por não esgotar mais uma árvore para a construção de um novo móvel - as marcas de prego, o verniz desgastado e a ação do tempo dão à peça [charmosas] particularidades essenciais para quem tem uma visão ecológica mais aguçada.
Normalmente as madeiras usadas na confecção desses móveis são nobres e maciças – algumas centenárias e até extintas. Já foram pontes, barrotes de fazendas ou até mesmo dormentes de estradas de ferro. E, além de anos de história, a peça restaurada concentra ainda certa naturalidade, deixando os espaços de convivência (como varandas, casas de praia e até ambientes urbanos) mais íntimos e sofisticados.
Além de proporcionar aconchego ao lugar - o que por si só já é ótimo - esses objetos também casam bem com o conceito de sustentabilidade. Sabemos que o mundo precisa de pessoas mais conscientes ecologicamente, portanto as ações que preservam o meio ambiente são – sem dúvida – o único caminho para que os recursos naturais não esgotem tão rapidamente. E por que não incluir, nesse meio, o reaproveitamento de madeiras que seriam descartadas? Qualquer atitude é bem-vinda.
A designer de interiores Fátima Rego, 56, explica que em qualquer área de atuação é possível fazer algo que preserve o meio ambiente; prolongar a vida útil da mobília - sem abrir mão do charme. “Acredito que os móveis de demolição, como aparadores, mesas, balcões, além de trazer para dentro de casa o conforto que a madeira natural traz, ainda dão uma personalizada na composição de cada projeto. E isso é algo intransferível”, defende.
Formada pela Universidade da Amazônia (Unama), a designer tem uma história especial: ela decidiu fazer faculdade com mais de 50 anos - ou seja, relativamente, tem pouco tempo de mercado profissional. Mas, por conta de seu empenho e do que ela chama “sorte”, seu trabalho é reconhecido e premiado.
Antes da graduação, ela já tinha apreço por coisas do lar. Gostava tanto de decoração que sempre fazia algo diferenciado para a sua casa, pois tem imenso apreço por morar bem. “Conforto e aconchego eram palavras que eu sempre escutava quando as pessoas entravam pela primeira vez em uma de minhas casas. Hoje, digo que ambas traduzem meus trabalhos, pois, ao visitar meus projetos, escuto dos meus clientes, antes de tudo, que o local está super aconchegante”, justifica.
A designer afirma ainda que até seus projetos comerciais - a exemplo de escritórios, empresas, lojas ou restaurantes - acabam transmitindo esse conforto que ela tanto aprecia. “É o que eu busco sempre passar. Ao ter um feedback positivo do cliente, tenho a certeza de que o trabalho foi bem desempenhado. Para isso, respeitamos desde a paleta de cores, até a iluminação – seja ela natural ou não. O resultado é um espaço funcional, harmônico e, claro, confortável e aconchegante”, avalia.
Ecoeficência e Ecodesign
Além dos móveis de demolição fazerem parte desse processo sustentável, eles ainda podem ser encaixados em dois excelentes conceitos: o da ecoeficiência e do ecodesign. O que retoma o tema de que não apenas pessoas, mas também empresas precisam adotar medidas ecologicamente sustentáveis.
Dentro desse parâmetro, a ecoeficiência consiste na procura de melhorias ambientais que respeitem a natureza no processo de confecção de produtos para consumo. Dessa forma, espera-se reduzir o uso de materiais e energia com bens e serviços; reduzir também a emissão ou dispersão de substâncias tóxicas; intensificar a reciclagem de materiais; maximizar o uso sustentável de recursos renováveis; prolongar a durabilidade dos produtos.
O ecodesign, por sua vez, significa um menor consumo de energia, água e matéria-prima para a mesma quantidade de produto, gerando menos emissões e menos resíduos, implicando mudanças nos padrões de produção e também nos de consumo, além de enfatizar a compreensão dos impactos ambientais associados ao ciclo de vida dos produtos e a adoção de novas formas de gestão empresarial.
Antes de tratarmos a madeira de demolição dentro desses dois contextos, vale lembrar que, no passado, a consciência ambiental não era tão presente como nos dias atuais. Logo, quando alguém procurava um móvel, nem sempre o escolhia pela sua beleza, mas sim pela sua resistência ao tempo, aos fungos e bichos, tais como cupim e outros. As madeiras mais resistentes e com esse tipo de característica são chamadas de madeiras nobres ou de lei.
O interessante no processo de ecodesign e ecoefiência é justamente a capacidade de empresas perceberem uma nova usabilidade para coisas que seriam descartadas e agregarem a isso um valor socioambiental. “Muitas das madeiras nobres e bonitas dos móveis de demolição vêm da Europa, e uma das funções que elas tinham era reproduzir móveis ingleses. Com sorte, é possível encontrar móveis até da raríssima braúna. Mas qualquer madeira que resistiu ao tempo pode ser reaproveitada e se enquadra como móvel de demolição”, explica Fátima.
Quando se fala em criar um ambiente com esse móvel, é essencial pontuar que não existe um projeto de madeira de demolição, mas sim o uso de um móvel, um painel ou uma peça de adorno em um projeto de design ou arquitetura. “Em cada projeto que eu trabalho, um novo desafio é lançado e a ansiedade em satisfazer os gostos de cada cliente ou de cada membro da família é recompensada com o resultado. Quando o trabalho comporta, sempre sugiro um móvel ou o uso de peças de origem consciente. O importante é cada um fazer a sua parte”, lembra Fátima Rego.
Hoje, há arquitetos, designers e até artesãos mundialmente conhecidos pelo trabalho com madeiras nobres de demolição ou simplesmente com aproveitamento dessas madeiras. Em Belém, a loja Jardim Secreto_ fundada em setembro de 2001 pelos sócios Eduardo Salame, 46, e Sergio Braga, 52 anos_ é uma empresa que adota os conceitos sustentáveis e trabalha com móveis de demolição.
Os sócios trabalham com essa categoria de móveis há mais de oito anos. São armários de duas portas, guarda-comida, aparadores, louceiros, espelhos, mesas de jantar, laterais de cama, bandejas e oratório. “Temos uma grande variedade de peças e até móveis que foram usados a partir do século XVIII na Região Francesa de Lion, para a realeza francesa”, afirma Salame.
Segundo ele, a demolição no Brasil nasceu nas fazendas de Minas Gerais com o reaproveitamento de assoalhos de peroba, que ganharam vida nova graças a aparadores ou armários de guardar comida. “Os móveis de demolição na decoração dão personalidade a casas e até um ar de fazenda e de acolhimento. Para mim, elas são ainda um antídoto pra toda decoração pasteurizada dos dias de hoje”, destaca.
No Jardim Secreto, o público que escolhe essas peças é bem eclético - vai desde o jovem casal que está de casa nova, mas quer algo que lembre as fazendas da infância; até casais estrangeiros que buscam algo original e com a cara do Brasil. “Eu vendo, mas também sou um consumidor. Em minha casa, tenho um aparador mineiro com detalhamento em ferro lindíssimo”, revela Eduardo Salame.
A loja, além de oferecer móveis de demolição, trabalha também com peças em ferro, aromas, alpacas indianas, entre outros.
Consciência a dois
A médica Lorena do Prado, 32, é casada há nove anos com o jornalista Raphael Polito, 28 e os dois adoram o estilo dos móveis de demolição. Lorena confessa que, na verdade, Polito é o responsável por ela gostar tanto desse tipo de peça. “Ele foi uma grande influência nas compras e decisões relacionadas à aquisição de produtos ecologicamente corretos e o móvel de demolição é um deles. Aprendi tanto com ele que hoje tenho sido até mais chata na hora de comprar”, brinca.
A verdade é que não é de uma hora para a outra que uma pessoa adquire consciência ambiental. Para isso, é preciso se educar nesse sentido. A médica explica que optar por móveis e medidas que colaboram com a natureza faz parte da educação dela e do marido. “Sabíamos que, ao comprar esse tipo de mobiliário, estaríamos também ajudando de alguma forma, já que nenhuma árvore precisaria ser derrubada para a produção”, defende.
Hoje, ela aprendeu muito com o marido sobre os móveis e afirma que, antes de comprar uma peça, procura se informar bastante, chegando ao posto de consumidora extremamente exigente. “Acho que, quando o assunto é meio ambiente, precisamos mesmo é ser cada vez mais chatos, afinal, é o futuro das próximas gerações que está em jogo. Não custa nada mudar um pouco os hábitos pra fazer muita diferença”, justifica.
Além da consciência ambiental, a escolha do casal pelos móveis se dá devido à beleza e versatilidade, já que apenas uma peça consegue transformar um ambiente inteiro. Outro ponto positivo é que eles são fáceis de transportar e possuem grande durabilidade. Os móveis que o casal tem em casa foram todos comprados em São Paulo. “Lá, existe uma infinita variedade. Passamos por lojas especializadas da zona sul da capital paulista até acharmos o que melhor se adequava ao nosso pequeno apartamento na época. O bom disso tudo é exatamente essa questão: independente de onde você more ou do tamanho do imóvel, os móveis parecem estar sempre prontos para qualquer ambiente. Comprei um aparador que já esteve na cozinha, na sala e talvez algum dia dê uma ‘passadinha’ pelo quarto”, conta, dizendo que não se desfaz da peça de jeito nenhum.
Além do inseparável aparador, eles também têm um bar, uma mesa de jantar de demolição com quatro cadeiras de reflorestamento, e uma cristaleira de madeira sustentável.
O interessante, ao observar o casal, é poder levantar a questão da sustentabilidade não só no que tange aos móveis de demolição, mas sim à preservação do meio ambiente de forma geral. “As pessoas têm, infelizmente, a ideia errada de que um ato mínimo não significa nada para a defesa ambiental. Aí é que está nosso problema hoje. Caso cada um contribuísse um pouco no dia a dia, não jogando lixo na rua, reciclando, poluindo menos com seu carro, usando meios de transporte alternativos, lutando nos condomínios para a destinação correta do esgoto e, claro, comprando madeira de reflorestamento ou de demolição que evita o uso contínuo de madeira ilegal ou não certificada, tudo seria melhor”, destaca a médica.
Nesse sentido, todo esforço é válido, não só de pessoas, mas também dos governos e empresas. As madeiras de demolição, por exemplo, têm durabilidade superior porque são restos de madeira de lei. “As características das peças são únicas, já que um móvel nunca é igual ao outro, o que foge ao modismo. E empresas que trabalham com isso são cada vez mais valorizadas por mim, já que ajudam e ao mesmo tempo se reinventam”, arremata Prado.
O mais importante de todo esse processo é saber que pequenas atitudes são capazes de mudar todo um ciclo de consumo. E ele começa com as suas decisões. Saber que a escolha do seu móvel pode tornar o mundo um lugar melhor, além de mais agradável, deixará você com a satisfação de papel cumprido. Então, faça a diferença. Opte por medidas sustentáveis, não jogue lixo na rua, racione sua água, não polua o meio ambiente e dê uma chance aos móveis de demolição que, além de lindos, têm muita história para contar - e, sem dúvida, vão dar um charme inigualável para a sua casa.