O sol por testemunha

Deserto do Saara: lugar de beleza inigualável, onde a temperatura pode chegar aos 52ºC durante o verão.

29/09/2011 15:14 / Por: Timóteo Lopes/ Fotos: Timóteo Lopes
O sol por testemunha

Salam aleikum! Você está no Marrocos, “a terra onde o Sol se põe”! Desembarcamos na segunda maior e mais famosa cidade marroquina, Marrakech, conhecida como a terra de Deus, parada obrigatória de quem pretende se aventurar em um dos destinos mais quentes do planeta: o Deserto do Saara. Marrakech é uma das mais exóticas cidades do mundo árabe e fascina pela arquitetura, gastronomia, sons, cores, aromas e contrastes da milenar cultura mulçumana. Por toda a cidade-vermelha, como também é conhecida pela cor de suas edificações, é possível ver a impressionante extensão da Cordilheira do Atlas: são 2,4 mil quilômetros de montanhas que cruzam o Marrocos, Argélia, Tunísia e Gibraltar, e separam o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico, do Deserto do Saara.

Brasileiros não precisam de visto para entrar no Marrocos e podem ficar por até 90 dias no país. Da Europa é possível chegar até Marrakech de avião ou carro. Os voos, em geral, de companhias low cost são bem baratinhos (cerca de R$ 150 a ida e volta, com saída de Portugal ou da Espanha. Outra alternativa é atravessar o estreito de Gibraltar, na Espanha, em um ferryboat que sai da cidade de Algeciras para Ceuta ou Tanger. Logo ao chegar à cidade-vermelha, você vai começar a notar as diferenças (e semelhanças) entre o Ocidente e Oriente: a começar pelo caótico trânsito! Motos, carros, táxis, ônibus, bicicletas, carroças e até carruagens dividem as ruas, sem qualquer direção ou sentido. Balak, balak, balak! Saia da frente!

O principal cartão-postal da cidade é a praça Jeema el Fna, localizada no centro da Medina de Marrakech, patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco). O nome do logradouro quer dizer “Assembleia dos Mortos”, pois muitos séculos atrás o lugar era usado para decapitar bandidos, que tinham as cabeças expostas ao público. Hoje, encantadores de serpentes, macacos adestrados, tatuadoras de henna, contadores de histórias, acrobatas, músicos, dançarinos e vendedores disputam a atenção dos cerca de dez milhões de turistas que todos os anos passam por Marrakech rumo ao Saara.

De qualquer ponto da cidade-vermelha é possível ver a Mesquita de Koutoubia, que chama a atenção por sua imponência. A torre, com 69 metros de altura, foi construída ainda no século XII e é o prédio mais alto de Marrakech. O curioso é que todas as outras construções estão proibidas de ultrapassar esta altura. O acesso interno ao templo religioso também não é permitido. No islamismo, as mesquitas são consideradas lugares sagrados e não estão abertas à visitação de não-mulçumanos.

Choque de culturas

Em Marrakech, o choque cultural é inevitável. A venda e o consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, é proibida por lei. Praticamente todas as pessoas usam a tradicional vestimenta marroquina: o djellaba, uma túnica larga que cobre o corpo até os pés. Os homens marroquinos se cumprimentam com dois beijos no rosto e andam de mãos dadas. É um hábito absolutamente normal para o islamismo, por mais estranho que isso possa parecer para a cultura ocidental. Aqui, as mulheres continuam submissas. Mesmo não seguindo todas as tradições mulçumanas, elas ainda têm o costume de cobrir a cabeça com um véu em respeito à lei islâmica, que não as permite mostrar os seus rostos a outros homens, a não ser, é claro, os seus próprios maridos. Algumas, inclusive, ainda usam burcas deixando apenas seus olhos à mostra.

Marrakech está dividida em duas: a cidade fortificada (chamada de Medina) e a cidade moderna (conhecida por Gueliz). Dois mundos completamente diferentes que se completam pela perfeita combinação entre a arquitetura tradicional e contemporânea. Na Medina de Marrakech está um dos maiores mercados a céu aberto da África: os famosos souks. É preciso ter muito cuidado para não se perder, pois o lugar é um verdadeiro labirinto, com ruas estreitas e misteriosas. Nas pequenas ruelas da Medina você encontra praticamente tudo o que possa imaginar: dos tradicionais tapetes produzidos pelos povos nômades do deserto – os berberes – a uma infinita diversidade de produtos à base de couro, principal matéria-prima do artesanato local. Ah, e claro: ouro! Muito ouro! Inshalá!  

No comércio marroquino, nada tem um preço fixo. Você é quem diz o quanto que pagar. A moeda local (o dirham) é bem desvalorizada em comparação ao real: R$ 1 equivale a cerca de 5 dirhans, mas nem por isso pense que tudo é tão barato assim. Os marroquinos são mestres na arte de negociar, não importa em que idioma, já que o árabe e o francês são as línguas oficiais em Marrakech. Não é necessário se preocupar, contudo, porque os vendedores falam em inglês, espanhol, italiano, português, japonês e praticamente todos os idiomas possíveis (e também impossíveis de se imaginar). Para vender, vale tudo, até mímica. Lembre-se, porém, de que a regra é sempre pechinchar.

Chá de menta e cuscuz

A culinária marroquina é bastante rica em legumes e vegetais. O uso de diversos temperos, ervas e especiarias dá um toque exótico à gastronomia. Os pratos mais típicos são o cuscuz marroquino e as tajines (cozidos de carnes de cordeiro ou frango), que custam em média 25 dirhans (cerca de R$ 5). As carnes de animais exóticos, de uma forma geral, são muito consumidas. Se você tiver estômago, não deixe de experimentar a pastilla marroquina – considerada um dos pratos mais sofisticados da região. A “deliciosa” torta folhada de carne de pombo selvagem com amêndoas é uma das mais pedidas nos restaurantes. Pode acreditar!

Os marroquinos têm o hábito de comer com a mão, como na maioria dos países orientais, mas só com a direita, pois a esquerda é considerada impura – é destinada apenas para a higiene pessoal. O milenar hábito de tomar chá também faz parte da cultura marroquina: o chá de menta é o mais típico do Marrocos. A bebida é sempre oferecida de graça como um gesto de hospitalidade pelo povo marroquino. É uma ofensa recursar.

Para tentar conhecer um pouco mais desse lado multicultural de Marrakech você vai precisar de, no mínimo, cinco dias. E depois, claro, não pode perder a oportunidade de encarar uma das aventuras, literalmente, mais “quentes” da sua vida: acampar no deserto do Saara! Nas ruas, praças, souks e hotéis da cidade, é comum encontrar pessoas oferecendo os mais variados e inesquecíveis pacotes de viagens por um preço “único”. Um dos destinos mais procurados por turistas de todo o mundo é a pequena aldeia de Merzouga, considerada a “porta do Deserto”. De Marrakech até lá são três dias e duas noites de percurso. Por essa aventura, você terá que pagar entre 750 e 1000 dirhans (algo entre R$ 185 e R$ 250). Lembre-se, no entanto, de que não há um preço fixo. Você precisa negociar.

Altas temperaturas

Deixando Marrakech, é hora de encarar altas temperaturas e fortes emoções no maior deserto quente do planeta, onde, no verão, os termômetros chegam à impressionante marca de 52°C. O calor é praticamente insuportável! A viagem começa bem cedo, por volta das 7 horas, com a certeza de que esta será uma aventura inesquecível. O trajeto dura 30 horas, tempo de estrada que será difícil esquecer. Para chegar até a pequena aldeia de Merzouga, a porta do Saara, é preciso subir, contornar e descer a Cordilheira do Atlas. Por toda a estrada, povos berberes vendem artefatos da cultura marroquina, como peças de madeira, de couro e essências naturais. Tudo produzido de forma artesanal.

A subida pela Cordilheira do Atlas leva horas e horas. A cada curva novos desenhos se formam nas altas montanhas da África Oriental. A primeira parada é para o café da manhã, em Quarzazate, a quase 200 quilômetros de Marrakech. De lá já é possível ver os picos do Atlas, que ficam cobertos de neve durante todo o ano. A estrada até Quarzazate parece boa, mas logo o asfalto começa a ceder e a pista se torna muitas vezes perigosa e com curvas estreitas de tirar o fôlego. Penhascos, abismos, precipícios e sensacionais cachoeiras podem ser vistos, ora bem distantes, ora bem próximas da janela do carro. Adrenalina pura!

Próximo da hora do almoço, a cerca de 30 quilômetros a noroeste de Quarzazate, uma deslumbrante e mítica arquitetura berbere surge no horizonte: o Kabash de Ait-Benhaddou. O imenso castelo de areia (patrimônio da humanidade da Unesco) já foi palco de grandes produções do cinema hollywoodiano, como “A Múmia”, “Gladiador” e “Alexandre”. No pequeno vilarejo vivem hoje quase 700 pessoas. Desse total, cerca de dez famílias berberes ainda moram dentro dos edifícios construídos com barro e cobertos com palha seca. Depois do almoço, a excursão rumo ao Saara continua pelo Vale de Dades, até o anoitecer. As doze primeiras horas de viagem de carro são bem cansativas. As montanhas ainda não lembram exatamente a visão do deserto que se espera, mas falta pouco. Depois de um bom banho e um típico jantar marroquino é hora de dormir, ou pelo menos tentar descansar um pouco. O trajeto ainda é longo.

O dia amanhece. A viagem até Mergouza ainda deve durar pelo menos dez horas. Pelo caminho, tempestades de areia dificultam a visibilidade na estrada. As poucas vilas povoadas parecem se tornar cada vez mais distantes da civilização. É quase uma volta ao passado. Em uma das poucas aldeias berberes ainda habitadas, mulheres de burcas trabalham nas plantações, enquanto as crianças brincam nas casas em ruínas. Os maridos, nômades, vivem nas montanhas e pelo deserto negociando tapetes, pratarias e camelos. É o retrato de um outro mundo que só existe na África.

Capitães de areia

Depois de mais um almoço na estrada, a viagem continua até o Vale de Todra Gorge, mais conhecido pelas monumentais e fantásticas Gargantas de Pedras que se formam no Atlas, com mais de 100 metros de altura. Uma visão difícil de se descrever em palavras. Aos poucos, a paisagem, enfim, começa a se tornar desértica. Dunas de areia e oásis aparecem e somem como miragens no interminável horizonte dos mais de nove milhões de quilômetros quadrados de terra sem nenhuma vegetação (uma área quase do tamanho de toda a Europa). Eis o Deserto do Saara!

A chegada na pequena aldeia de Merzouga acontece já no fim da tarde. É hora de colocar o turbante (um lenço amarrado em torno da cabeça) para a melhor parte da aventura no deserto. Até o acampamento localizado nas dunas de Erg-Chebbi é preciso percorrer mais uma hora e meia nas areias do Saara, em um tipo de transporte, no mínimo, inusitado: um dromedário. Na África, os camelos são extremamente úteis e valiosos. Cada animal vive em média 20 anos e pode chegar a custar até dois mil euros – algo em torno de R$ 6 mil. Subir nas costas de um bicho de quase dois metros de altura não é uma tarefa tão difícil. O complicado mesmo é aguentar o sobe e desce das dunas, que exige equilíbrio.

A sensação de estar sentado nas costas de um quadrúpede com uma corcova não é, claro, uma das melhores, mas chega até a ser divertida depois de algum tempo. Se preferir, uma outra opção (um pouco mais cara) é fazer um rally pelas dunas do deserto até o acampamento em uma caminhonete 4x4. A emoção também é garantida. A jornada na areia é um pouco cansativa, mas vale a pena. O calor, a desconfortável viagem de carro e a (insuportável) dor nas pernas provocada pelo andar do camelo passam assim que você olha para trás e se depara com a incrível imagem do pôr-do-sol, entre as dunas. É, sem dúvida, um momento único da viagem.

Descanso na tenda

Na chegada ao acampamento, adivinhe? Recepção com chá de menta e hortelã. Uma grande tenda ao ar livre com tapetes e uma fogueira, ao redor de imensas dunas de areia. Nada mais. O deserto do Saara se revela na sua totalidade: o silêncio ensurdecedor é quebrado pelos passos rápidos de insetos inofensivos que começam a surgir da areia: um besouro e uma formiga gigante são os mais “assustadores”. Nada de cobras, aranhas ou escorpiões. Segundo os berberes, que moram no acampamento, os tão temidos animais peçonhentos estão bem longe dali, por sorte. Há muita movimentação.

A noite chega devagar. A areia, aos poucos, começa a esfriar. No céu, as estrelas aparecem, uma a uma. Logo, todas as constelações estão formadas. Como uma miragem, a lua surge entre as dunas e ilumina a noite no Saara. Ao som de tambores, os berberes anunciam que o jantar está servido. O serviço é ao estilo marroquino, ou seja, nada de talheres! A saborosa tajine de frango, com cenoura, batata, ervilha e azeitona, com pães e frutas, deve ser comida com a mão direita. A música árabe anima o restante da noite. Um vento frio indica que a hora de dormir se aproxima mais uma vez. No entanto, é quase impossível adormecer vendo estrelas cadentes e até cometas cruzando o céu do Saara a todo instante.

Depois de apenas uma noite no deserto do Saara, a aventura pela África vai chegando ao fim. Por volta das 5 horas, é hora de acordar para não perder o nascer do sol – a última lembrança do maior deserto quente do planeta, para quem ainda precisará encarar mais doze horas de viagem de volta até Marrakech, “a terra de Deus”!

Curiosidades

Os marroquinos são muito simpáticos. Se você não sabe como chegar a um determinado local e pedir informação, eles levam até onde você pretende ir, mas terá que pagar pela “ajuda”.

No período do Ramadã, em que os mulçumanos fazem jejum desde o nascer do sol até o seu poente, não é aconselhável comer ou beber na frente de todos. É uma ofensa à religião islâmica!

Ao ser convidado para entrar na casa de um marroquino, entre sempre descalço. É um hábito da cultural oriental.

Nunca, mas nunca mesmo, tire fotografias de pessoas nas ruas (principalmente mulheres) sem autorização. Você vai precisar pagar ou será obrigado a apagar a foto.

A expressão “Salam Aleikum” é uma saudação árabe cujo significado é “A paz de Deus esteja com você”. A resposta é “Aleikum Essalam”, que significa “Esteja ela (a paz de Deus) com você também”.

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