Pequenos fragmentos de um todo

A agenda Leal Moreira 2014 convida às pequenas reflexões e mudanças que podem mudar o mundo em que vivemos.

18/12/2013 16:26 / Por: Camila Barbalho/ Fotos: Dudu Maroja
Pequenos fragmentos de um todo

Há quem diria, não sem grande parcela de acerto, que o motor da humanidade é feito de grandes ideias. Foi graças a elas que até aqui chegamos, afinal; e serão elas os sinais de luz em direção ao que seremos adiante. Falta à afirmação, porém, alguma exatidão. Mais: falta início e fim, visto que ideias – sem em nada perder seu valor – são apenas o meio. É das pessoas que vêm os grandes insights, e é só no encontro com o outro que elas ganham razão de ser.

Mudar é ideia recorrente entre as grandes mentes, trocando a vestimenta de acordo com o seu tempo. Nem seria tão arriscado dizer que cada grande mudança foi precedida de um estalo de alguém: “e se fizéssemos isso ao invés disso?”. Mas também não surtiria efeito se em si se encerrasse tal pensamento. Parafraseando Mário Quintana, ideias não mudam o mundo – ideias mudam pessoas, e essas mudam o mundo. Mudar é importante. Motivar a mudança, então, é essencial. Para tal, é preciso dar vida às boas ideias. É necessário sermos cada um, e juntos, a força motora de cada novo giro do planeta. E que momento seria melhor para fazê-lo que este, em que fazemos um balanço do ano que parte e saudamos esperançosos aquele que se aproxima?  É o que propõe a agenda 2014 da Leal Moreira. Nela, sugerimos pequenas (e boas) ideias para revoluções pessoais – que, somadas, possuem aquele potencial mágico de transformação.

Ao todo, são dez temas, dez planos plenamente possíveis, para serem postos em prática no ano-novo, que já se aproxima. E como uma ideia só possibilita uma grande mudança quando ganha vida, convidamos cinco inspirados ilustradores – que emprestaram seu talento e criatividade para este projeto – a nos contar como eles viam essas sugestões, tornando palavras e sua compreensão tão racional em sensibilidade pura. Aline Folha, Leandro Bender, Ricardo Maroja, Rodrigo Cantalício e Talitha Lobato criaram, dentro de suas peculiaridades e referências pessoais, um instigante arcabouço visual que convida não só à reflexão, mas à prática efetiva dessas ações. A Revista Leal Moreira conversou com os artistas sobre seu processo criativo, além de carreira e votos para a virada do calendário.

A primeira artista a ser visitada por nossa equipe foi Talitha Lobato. Ela nos recebeu com um sorriso largo, senso de humor apurado... E uma curiosa tiara, que a deixava com pequenas orelhas de felino. Pois é, Talitha disse se sentir bem com elas. “Elas me fazem perder a vergonha de falar”. Assim como sua personalidade, sua história e seu traço também são extremamente lúdicos. Como todo talento natural, ela começou a desenhar na infância. “Comecei na parede de casa, a tela universal de todas as crianças. Meu pai, que é professor, costumava me levar para a universidade e me dar uma pilha de papéis para que eu me distraísse enquanto ele trabalhava. Eu passava um tempão desenhando histórias em quadrinhos, criando personagens...”, rememora. O tempo foi passando, e sua relação com o desenho foi ficando mais estreita. Outras técnicas foram sendo apresentadas a ela, assim como novos incentivos para seguir carreira entre rabiscos e cores. A profissionalização veio mais tarde, com o convite para integrar a equipe de uma agência de publicidade.

Dos dois temas ilustrados por Talitha para a agenda 2014 da Leal Moreira, o primeiro foi “Plante uma árvore. O planeta agradece. As gerações que virão depois de você, também”. Para tal, a desenhista decidiu fazer uma referência ao planeta Terra, representado pelo globo de vidro onde uma muda está plantada. Em contraponto à metáfora, ela desenhou uma colorida e menina. “Busquei inovar nas cores e no estilo da menina. Queria para ela algo menos convencional, menos realista. O desenho foi feito no grafite e ilustrado digitalmente”, explica. A segunda ideia representada por ela foi “Eduque seu filho para ser feliz; assim ele saberá o valor das coisas e não o seu preço” – segundo a artista, um desafio. “Fiquei um bom tempo pensando a respeito. Concluí que o mais importante para ter um filho bacana, feliz e criativo é estimular a vivência da infância, por meio da música, de histórias, desenhos, levando para brincar...”, analisa. Assim, ela optou por retratar um avô brincando com os netos como se também fosse pequeno. “É o tipo de memória que fica pra sempre, e que faz toda a diferença. A criança que cresce com essa construção é uma criança bem diferente da que cresce criada pela televisão”, argumenta. Para o ano que vem, o desejo de Talitha se resume em um verbo: “viajar”.

Em seguida, fomos ao encontro de Aline Folha. Ela nos contou que em seu processo criativo, alimentado também desde a infância, há um tema recorrente. “Sempre gostei de ilustrar mulheres. Cada mulher que desenho tem uma história, é uma personagem. Enquanto eu desenho, converso com elas, ouço suas histórias”, revela. Formada em Direito, a imaginativa ilustradora sempre soube que não trabalharia em sua área de estudo. Quando terminou a faculdade, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde fez cursos de moda – seu verdadeiro interesse. Em seguida, São Paulo foi sua casa durante uma pós-graduação. Foi nesse momento que Aline assumiu de vez o que sempre quis fazer. “Comecei a trabalhar como assistente de estilo. Como tínhamos que desenhar as roupas para serem produzidas, acabei percebendo que o que eu gostava mesmo de fazer era desenhar. Eu dava muita importância para aqueles desenhos – e nem podia dar, já que tudo ali tinha que ser rápido”. Aproveitou a estada na cidade para aprender mais sobre a carreira de ilustrador. Não parou mais: fez desde projeto de ilustração para decoração até ministrar aulas de estamparia. Hoje, Aline abraçou a profissão com braços, unhas e muito talento.

A artista também ilustrou dois temas para a agenda. O primeiro deles foi “Seja gentil: ‘gentileza gera gentileza’, dizia o poeta Gentileza, que deixou sob os viadutos mensagens sobre cortesia, educação, boas maneiras, gentileza e amor”. Refletindo sobre essa ideia, ela optou por enfatizar gestos cotidianos de carinho, que permitem o surgimento de ciclos de energia positiva por meio de sua propagação. “Para falar de gentileza, eu optei por me afastar um pouco do profeta, para não ficar tão óbvio. Por isso, na minha ilustração é possível ver uma pessoa recebendo um sorvete de flores, e as flores acabam percorrendo a vida de todas as pessoas que fazem parte dessa cadeia”. O tema seguinte, “Pague suas contas... e reserve sempre um dinheirinho para pequenos sonhos de consumo: um sorvete em uma tarde calorenta; uma viagem para Reykjavik (capital da Islândia), um fim de tarde em Icoaraci”, encontrou amparo criativo em uma das grandes paixões de Aline: viajar. “É uma coisa que eu gosto muito de fazer. E se você cumpre com seus compromissos, paga suas contas e se planeja direitinho, pode se permitir realizar esse tipo de sonho; desde os menores até os mais absurdos, como uma viagem para a Islândia”, explica, entre risos. O desenho feito pela ilustradora reflete sua própria filosofia. Nele, é possível ver um cofre-porquinho alado, voando acima das nuvens – trazendo a característica onírica que lhe é peculiar.

O terceiro a receber a equipe da RLM foi Ricardo Maroja. Apaixonado pela arte dos traços desde a infância, ele conta que desenha “desde que me entendo por gente”. Embora não consiga precisar o momento em que a relação com as ilustrações começou, ele consegue vislumbrar um vínculo entre seu talento e o interesse que toda criança tem pela tevê. “Quando eu era pequeno, eu gostava muito de ver televisão... E teve uma época que, aqui em Belém, tinham umas exposições que ficavam exibindo comerciais do mundo inteiro. Lembro que, vendo essas coisas, comecei a me interessar por publicidade e propaganda. E é uma coisa que está muito relacionada com desenho”, considera. Hoje, aos 33 anos, Ricardo trabalha com publicidade – embora nunca deixe de rascunhar alguma coisa, mesmo sem compromisso profissional. “A parte artística é um hobby pra mim. Quando eu tenho um papel perto, estou sempre rabiscando. Mas não me considero um artista”.

Para ilustrar o tópico “Ensine a pescar. Diz o velho ditado...”, seu primeiro tema, o desenhista representou um ser humano dividido em dois – uma metade fraca, outra forte. Ele explica: “metade está bem alimentada, simbolizando o que vem depois do conhecimento. O outro lado está passando fome, porque se alimentou numa única ocasião em vez de desenvolver o aprendizado necessário para se alimentar sempre”. Ricardo defende a relevância da ideia ilustrada, por se tratar de “ensinamentos e aprendizado. Se a pessoa não aprender o essencial para sobreviver e para lidar com a própria vida, a existência dela fica limitada”. A segunda ideia que recebeu os traços do artista foi “Respeite os idosos... as crianças... animais... respeito é a chave para uma sociedade viver em harmonia e civilizadamente”. Ricardo nos revela que sua grande inspiração para este desenho foi a relevância da convivência com nossos antecedentes para que nos tornemos quem somos. “Eu ilustrei um idoso representado como um casulo e um jovem saindo de dentro dele. Sem as gerações ancestrais, não tem como as gerações mais novas evoluírem. Foi isso que eu quis sugerir”.

Vivendo em Buenos Aires, graças a seu talento e poderosa imaginação, Rodrigo Cantalício não pôde ser visitado por nossa equipe. O desenhista conversou conosco por e-mail, e contou que sua primeira lembrança do contato com as ilustrações vem da mãe. “Ela costumava desenhar croquis de roupa para costurar depois. Foi quando percebi que era possível alguém criar um desenho, como os que eu passava a manhã inteira assistindo”. Rodrigo também percebeu que dominava os lápis muito bem, e – graças a pessoas especiais e caminhos inesperados que o empurraram para a profissão – percebeu que não havia caminho mais acertado para si. Ocasionalmente, ele ilustra matérias para a Revista Leal Moreira. O ilustrador conta que a maior dificuldade da profissão é permanecer fiel à própria linguagem. “É difícil entender que aqueles desenhos guardados na gaveta de casa agora fazem parte de um mundo bem maior, onde as pessoas veem, comentam, criticam, elogiam... E mesmo depois de toda essa informação, manter uma sinceridade no estilo”.

Cantalício fez a arte que retrata o tema “Recicle, reutilize, reuse. O planeta tem sete bilhões de pessoas com necessidades ilimitadas e recursos limitados. Torne seu consumo responsável, correto e viável”. Ele utilizou como referência o ícone da reciclagem. “Imaginei uns pássaros, que sempre me deram essa ideia de liberdade e vida, fazendo um movimento parecido com aquelas três setinhas”. Sobre a ideia, ele aproveitou para reforçar que o esforço pela sustentabilidade deve começar dentro de casa. “Ainda se fala muito sobre essas atitudes sustentáveis, mas nem sempre as pessoas levam a sério esse tipo de coisa, como dividir o lixo em casa ou economizar água. Acho sempre importante relembrar esses conselhos até que eles se tornem atos naturais da sociedade”. Rodrigo também desenhou a representação do conselho “Troque e-mails, sms, chats por abraços apertados, beijos e mãos entrelaçadas”. Pensando a respeito, o artista optou por retratar a energia que só existe em contatos cara a cara. “Imaginei um abraço bem apertado, como o de um reencontro. Um abraço que só pode ser dado quando as pessoas se veem de verdade”. 

Também foi por e-mail que Leandro Bender, hoje residente em São Paulo, conversou com a redação da RLM. O artista, que também desenha pra a revista de quando em quando, não é uma pessoa de muitas palavras quando o assunto é ele mesmo – embora seja extremamente simpático, solícito e bem-humorado. Seu grande meio de expressão, sem dúvida, é seu fluido e sofisticado traço. Leandro é mais um caso de talento descoberto ainda em tenra idade, e aprimorado na vida adulta. Em seu caso, foi na faculdade de publicidade que desenhar virou profissão. Ele conta que seu processo criativo é alternado de acordo com o motivo pelo qual desenha. “Quando é algo pra mim, deixo minha cabeça tão vazia quanto for possível. Quando estou realizando um trabalho, fico focado no tema a ser ilustrado”.

 

Para a agenda Leal Moreira 2014, Bender desenhou por primeiro o tema “Entenda: todos somos iguais, logo – indistintamente – merecemos o mesmo tratamento, e as mesmas oportunidades. Trate seu próximo como você gostaria de ser tratado – com respeito, com zelo”. Para refletir tal ideia, o ilustrador valeu-se do afeto como representação máxima do cuidado entre duas pessoas. “Pensei no abraço como símbolo de entendimento entre duas pessoas que caminham juntas para o mesmo sentido”. Segundo ele, o conselho é “necessário para se entender melhor a vida”. Já sua segunda sugestão foi “Doe: tempo, carinho, objetos. Doação é um gesto lindo, se feito com vontade, de coração”. O artista decidiu retratar o assunto simbolizando o benefício que o doador também colhe a partir do próprio gesto. “Quis mostrar que a doação, independente do que seja, é um ato de troca de energia, onde os dois envolvidos saem ganhando”, explica. 

Pessoas diferentes em histórias, linguagens, tons e talentos já mostraram o caminho, tornando mais palpáveis nossas dicas. Dar vida a essas boas ideias no seu dia a dia só depende de você.

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