Bob Harris está sonolento no banco de trás de um carro. A dificuldade em manter os olhos abertos é diretamente proporcional à quantidade de horas que ele voou para chegar até o Japão. De repente, fortes luzes despertam a visão. O carro que leva Bob passa pelo centro de Tóquio, repleto de painéis gigantes de neon, com cores fortes e frases no complicado alfabeto japonês. Fica difícil esconder o encantamento. Bob esfrega os olhos, como quem tenta se certificar de que está acordado e não consegue evitar que o queixo caia com tamanho deslumbre.
Assistir a esta cena do filme “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola, leva o espectador a se sentir dentro do carro ao lado de Bob, personagem interpretado por Bill Murray. O impacto das imagens na tela grande e o caos colorido da capital japonesa enfeitiçam e provocam a curiosidade, o desejo de conhecer de perto aquele lugar filmado. Como toda arte visual, o cinema é inspirador. Ele dita tendências de beleza, de moda, de estética e de comportamento. Com o turismo não poderia ser diferente. Ver um filme nos traz a vontade do viver a história no local onde ela acontece, de passear por onde os protagonistas estiveram, seja para sentir a atmosfera pensada pelo diretor ou simplesmente para tirar uma foto e publicá-la em uma rede social. “O cinema desperta a paixão, o poder da imagem é extraordinário. Não tem como não ter curiosidade de conhecer os lugares que vemos na telona”, opina o crítico cinematográfico Marco Antônio Moreira.
Todo esse frisson turístico gerado pelo cinema se deve a cineastas que souberam aproveitar do potencial de uma câmera para extrair a mais bela essência de cada locação. À Tóquio de Sofia Coppola, podem se juntar a Paris de Godard, a Roma de Fellini e tantas outras. Não faltam exemplos de diretores que fizeram de seus filmes verdadeiros tratados romantizados sobre cidades. E ainda há aqueles que fazem de sua filmografia recente um passeio pelos mais diversos lugares.
O caso de Woody Allen é o mais emblemático. Nascido em Nova York, o cineasta sempre utilizou sua cidade natal como sua locação preferida. Clássicos como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, “Manhattan” e “Tiros na Broadway” são apenas alguns dos filmes de Allen rodados na Big Apple e que teletransportaram muitos espectadores para a cidade. Mas desde 2005, o cultuado diretor não parou num local só. “Match Point” e “Scoop” foram rodados na Inglaterra. “Vicky Cristina Barcelona”, na Espanha. “Meia Noite em Paris”, na França. “Para Roma Com Amor”, na Itália. Em comum, os filmes têm o fato de mostrar imagens encantadoras e inspirar viagens para as cidades que funcionaram como locações.
“Esse caminho que Woody Allen seguiu não foi intencional. Ele começou a ter dificuldade para arrumar financiamento para seus filmes e acabou conseguindo longe dos Estados Unidos. E então ele adaptou roteiros que já havia escrito para os lugares que o acolheram”, explica Marco Antônio Moreira. A repercussão dessa mudança foi tão grande que o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, chegou a declarar que faria tudo o que fosse possível para que Woody Allen fizesse um filme na Cidade Maravilhosa. Uma possibilidade que Moreira acredita ser difícil de imaginar. “Do jeito que o Woody Allen é, não dá pra pensar nele filmando no Rio. Ele reclamaria do calor o tempo inteiro”, brinca.
Mas nem toda viagem inspirada por filmes leva os turistas/cinéfilos a capitais populosas e grandes metrópoles. O caso vivido pelo produtor cultural Marcelo Damaso é um bom exemplo disso. Depois de largar um emprego de repórter num grande jornal de Belém, Damaso resolveu tirar um período sabático para escrever um livro. Escolheu o Uruguai, onde passou três meses produzindo o romance “Iracundo”, recentemente contemplado pelo Prêmio IAP de Artes Literárias. Um dia, Damaso resolveu sair de Montevidéu para fazer um passeio pelo interior. Ao ver as opções na rodoviária, a escolha foi Piriápolis, motivada pelo filme uruguaio “Whisky”. Filmado em 2003, “Whisky” conta a história de três pessoas que mal se conhecem e precisam ter uma convivência familiar durante três dias, ainda que forçada. Mas não foi a trama sobre solidão que inspirou Damaso a visitar a pequena cidade no litoral uruguaio.
“Escolhi este destino porque lembrei das cenas no belíssimo Hotel Argentino, um dos mais bonitos que já vi. Como não tinha dinheiro para me hospedar nele, fiquei num hotel mais barato e jantei no Argentino. O filme foi minha referência imediata já nas primeiras horas em que estive na cidade. Senti muito a atmosfera de ‘Whisky’ e conheci não só a beleza do hotel, mas também a simplicidade de uma cidade que abriga praianos mais pobres que a vizinha Punta Del Este”, explica.
Assistir filmes e procurar as referências deles em locais visitados sempre foi um hobby do editor e escritor Vicente Frare. Um dia, ele resolveu compilar num livro todas as informações que tinha. Escreveu, então, o guia “Europa de Cinema: roteiros e dicas de viagem inspirados em grandes filmes”. Nele, Frare utiliza filmes como “O fabuloso destino de Amélie Poulain”, “Corra, Lola, corra” e “Closer – perto demais” para fazer um passeio por cinco capitais europeias: Paris, Londres, Berlim, Roma e Madri.
“Antes de começar a viajar, quando era menino, assistia a filmes para conhecer as grandes cidades. Muitas vezes pouco importava a história, desde que fosse rodada em uma cidade bonita, com cenas externas bacanas. Quando passei a visitar as cidades, vi que muitas vezes tinha aquela sensação de já ter estado ali antes e percebi que era muito por causa de cenas antológicas que ficaram na minha memória”, explica Vicente. Para reunir as dicas publicadas no livro, Vicente contou não apenas com a própria vivência, mas também com colaboradores externos. “Conheço as cinco cidades muito bem, mas pedi ajuda a amigos que vivem nelas. Nem todas as dicas são de lugares onde estive. O critério era: se aparece no filme, entra no livro”, conta. “Europa de Cinema” vai além das informações dos locais, pois conta um pouco da história do cinema, filmografias de diretores ligados às cinco cidades e prêmios recebidos por filmes realizados nelas. “Viagens e filmes estão intimamente ligados. Por isso, o livro serve tanto para viajantes inveterados quanto para cinéfilos”, explica.
O crescimento do turismo cinematográfico como filão ainda tem outro exemplo. Em Curitiba, surgiu uma agência de viagens especializada em roteiros inspirados por filmes, que organiza pacotes e oferece passeios e opções de receptivo baseadas nas obras preferidas do viajante. Entre os principais roteiros vendidos, estão os sets de filmagem de “Star Wars” na Tunísia, as praias da Tailândia mostradas em “A Praia” e “Se beber não case 2” e as locações da saga de Harry Potter na Inglaterra. “A equipe da agência foi especialmente selecionada e treinada, não só para o atendimento, mas também para a experiência cultural, para criar o melhor roteiro”, conta o diretor da Fnac Curitiba, Claydson Oliveira.
Viagens e filmes são experiências enriquecedoras e complementares. Rever na telona um lugar que se conheceu pessoalmente aproxima o espectador da história, assim como viajar motivado por uma película marcante. “O cinema é uma das melhores inspirações para viagens pois ao assistirmos a um filme, vivemos durante algumas horas dentro do enredo e das cenas. É como se estivéssemos participando da história como testemunhas”, opina Vicente Frare.
“São conexões emocionais que a gente cria no cinema. Os filmes tocam a gente nesse sentido e as locações têm muito a ver com isso”, conta Marco Antônio Moreira.