Especial
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Um apaixonado pela arquitetura de Belém. Inicialmente, essa é a primeira ideia que se tem do empresário e sócio-proprietário da Galvão Comunicação, Pedro Galvão, cuja história com Belém se divide em duas partes: uma que vai do seu nascimento até a década de 70, quando se mudou para o Rio de Janeiro e deu início à sua carreira de publicitário, e outra de 1983 para cá, quando volta e funda o que viria a ser uma das mais premiadas e reconhecidas agências de publicidade do Estado. Mas à medida que a conversa vai fluindo, o que se percebe é uma ligação que vai além do saudosismo de espaços como o Grande Hotel – demolido para dar lugar ao Hotel Hilton, hoje Princesa Louçã, e que posteriormente lhe inspiraria até mesmo a fazer um poema – e a Fábrica Palmeira, muito mais enraizada com a cidade, suas histórias e memórias, e simultaneamente, um pesar pelas mazelas enfrentadas pela capital paraense. "A falta de cultura, em primeiro lugar, para perceber que estão fazendo besteira. Em segundo, a falta de amor pela cidade para se tocar, saber quando não devem mexer erradamente na cidade", cita ele, ao falar sobre onde moram as origens dos problemas de Belém, que afetam desde sua estrutura arquitetônica à sua – frágil – estrutura econômica.
As críticas, ainda que duras – ao mesmo tempo em que chama de "terra dos homens sem profissão" também reconhece que é a "terra dos que sabem curtir a noite" –, no entanto, não o fazem ignorar tudo que há de bom nessa terra que ele mesmo admite não ter mais como deixar. Ao destacar a beleza das nossas praças, das ligações entre bairros que transformaram locais intrafegáveis em áreas onde boa parte da população adoraria morar, ele defende o seu criticar como necessário, nunca como corrosivo. "Isso tudo o que eu falo é porque estou do lado da minha cidade, estou com ela, sofro com ela. E sou pró-Belém". Confira a entrevista:
A Belém que você gosta ainda existe ou hoje está mais presente na sua memória do que em pontos físicos da cidade?
Belém é uma cidade encantadora, que periga perder muito do seu encanto. Exatamente porque está perdendo mesmo, progressivamente, os seus encantos: seus prédios históricos, como o Grande Hotel, a Fábrica Palmeira, suas rocinhas, seus maravilhosos sobradões e até os sobradinhos, que o [poeta] Manuel Bandeira [falecido em 1968] viu, ajoelhado, diante da Igreja da Sé…
Você pediu, antes mesmo de a entrevista começar, para falar sobre o Grande Hotel, tema até de um de seus poemas, por que essa ligação tão forte com o local?
No caso do Grande Hotel, foi um absoluto erro de visão do que poderia ser um hotel em Belém do Pará. Era um dos prédios bonitos de Belém, que retratavam o estilo que acho que se chama neoclássico. Lembra os Ritz, na Europa, ou o Carlton em Cannes, na França. Um tipo de hotel branco, com telhado de ardósia e arquitetura realmente marcante, impressionante, que marca uma cidade. O plano de aproveitamento podia ser absolutamente racional, de modernização interna, como é feito por todo o canto. Você pega hotéis de arquitetura antiga e renova internamente.
Não precisava ter “arrasado” com ele…
Não, você conserva as coisas que são fundamentais da arquitetura e promove uma modernização interna sem deformar o estilo, mas promove no que é essencial: banheiros, quartos… O Copacabana Palace podia ter sido derrubado para aproveitamento melhor; para um hotel com mais andares, por exemplo, já que é um prédio de uns dez andares, talvez… E no entanto, ninguém derrubou, tem anexos, mas se manteve. O Grande Hotel poderia ter ganhado anexos, tinha espaço, tranquilamente.
Então em Belém mais se derruba, mais se arrasa do que se tenta aproveitar…?
Exatamente. Em vez de se fazer o aproveitamento inteligente, em defesa da cidade, em defesa da memória, da beleza da cidade, em defesa, sabe, dos prédios, que são essenciais! Uma cidade não existiria sem prédios! E a natureza, a qualidade, a beleza, a estética desses prédios é fundamental para própria alma da cidade, então isso tinha que ser preservado. E o nosso empresariado tem de ter inteligência para essa percepção, e isso não houve no Grande Hotel. Poderiam ter aproveitado, modernizado, até mesmo para valorizar o prédio.
Nesses 400 Anos o senhor acha que Belém poderia ter muito mais a comemorar fosse essa inteligência, esse planejamento inteligente?
O Grande Hotel ocorreu [referindo-se à demolição] possivelmente em 1965. Esse episódio que vou relatar agora é de 1977: a demolição da [Fábrica] Palmeira, que não foi só a demolição da Palmeira, foi uma operação arrasa-quarteirão. Foi uma quadra inteira em uma área já problemática, por ser ao lado de uma igreja desenhada por Giuseppe Landi, que foi a Igreja de Santana. Tudo o que havia naquela quadra foi ao chão, desde a esquina com a Travessa Padre Prudêncio, e a Rua Manoel Barata com a Padre Prudêncio, que é exatamente a pracinha da igreja, a Praça Maranhão, desde a esquina da Padre Prudêncio até a esquina com a Rua 1º de Março, eles demoliram tudo aquilo. Também em ‘65, a pretexto de que estava arruinada, já haviam demolido a caixa d’água de ferro que existia ali… Foi tudo arrasado, a meu ver, por falta de inteligência no trato da coisa pública. Esse trato não se exerce apenas pelo Governo, os cidadãos de uma cidade exercem essa função também…
Mas ainda estamos sob a mercê de uma passividade muito grande por parte da sociedade, que ainda transfere a responsabilidade total para o Poder Executivo, Legislativo…
Exatamente, e não é isso? Cada cidadão de uma cidade possui responsabilidade sobre ela! E sobretudo cidadãos que têm empresas, empresários, portanto, que têm mais poder, têm mais dinheiro, que têm mais condições de interferir para a preservação da cidade podiam, sim, ter feito algo… Se as demolições dessem lugar a um prédio magnífico seria sensacional, teria enriquecido a cidade, mesmo se tratando de um prédio tão bonito, como era a Fábrica Palmeira. Ali não tinha apenas o prédio da padaria, da confeitaria. Existia toda uma fábrica ali por trás, e foi tudo posto embaixo. E tinha salvação se saísse como resultado um prédio ainda mais bonito, mas o que fizeram? A falta de planejamento, de visão, de saber realizar as coisas, do ponto de vista rigorosamente empresarial, levou a que fizessem, em vez de um prédio comercial, como era a ideia, construírem um buraco. Que a cidade, ironicamente, passou a chamar de “Buraco da Palmeira”. Que toda a cidade sabe onde é! Há uma ironia e uma crítica em cima disso, e é a crítica mais mordaz que pode existir, contundente ao ato da demolição. E foi feita por uma empresa, que eu vou nominar aqui nessa entrevista porque ela já desapareceu, chamada Enel. E talvez, não tenho certeza, a empresa tenha terminado por ter sido capaz, em vez de construir um edifício, fazer um buraco. Isso é que tem prejudicado essa cidade. Falta cultura, falta amor pela cidade, mas falta sobretudo cultura. Compreensão do que é a arquitetura. Porque a quantidade de prédios bonitos que já foram demolidos para dar lugar a outros é impressionante. Várias ‘rocinhas’ já foram derrubadas em Belém por falta de visão. Ao lado do Colégio Nazaré tinha uma ‘rocinha’ magnífica, e foi derrubada para dar lugar a um ginásio. Na Avenida Governador José Malcher, bem em frente à Rua Joaquim Nabuco tinha uma ‘rocinha’ maravilhosa, toda rodeada por uma varanda lindíssima e grades fantásticas. Foram anos e anos, décadas, desde a demolição sem que nada fosse construído no lugar. Agora estão construindo um prédio comercial, em fase avançada, e que eu espero que seja um prédio bonito, para substituir algo que, aparentemente foi demolido sem qualquer motivo! Para fazer nada no lugar! Foram décadas, no mínimo duas, como um terreno baldio. E assim outros casarões e construções têm sido abandonados. Vou dar mais dois exemplos: Avenida Nazaré, da esquina da Travessa Benjamim Constant até a Travessa Rui Barbosa. Ali tem um conjunto de casas, casarões lindíssimos, alguns em ruínas. O próprio Palacete Faciola é outro. Por vezes as famílias donas dos terrenos deixam cair, já que não podem usar o terreno, não podem vender por serem construções tombadas pelo Patrimônio Histórico. Se alguém comprasse todo aquele conjunto ali, com uma reforma você poderia ter um pequeno shopping center, térreo mesmo, com passagens internas interligando as casas. Dá para fazer projetos diversos, são casas que têm quintais onde é possível ter anexos. O Faciola está sustentado por tijolos para não cair.
Mas é só falta de visão? Ou o senhor citaria outros motivos…?
Falta dinheiro a esta cidade, Belém é uma cidade pobre. Pobre e com uma classe política sem força.
Pobre por que? É falta de repasse? Arrecadação baixa?
Porque a economia é frágil. Belém não contou com um projeto como o de Manaus, que é metade de Belém e conseguiu crescer. Hoje em dia é até maior do que a gente. E porque recebeu um polo industrial, incentivos fiscais para que as indústrias entrassem. O Pará não teve isso e foi empobrecendo. Na esquina em frente ao Faciola, na Avenida Nazaré com a Travessa Dr. Moraes, há um prédio azul que incendiou. Era, se não me engano, do INSS [Instituto Nacional de Seguridade Social], e até hoje não se previu uma verba para reconstrução, continua queimado, até se transformar numa ruína e não haver mais possibilidade de recuperação, quando o certo é recuperá-lo. Um prédio moderno, alto.
Tal e qual o prédio do Ministério da Fazenda, na Avenida Presidente Vargas, também incendiado em 2012 e até hoje abandonado…
Então não deviam tê-lo construído! Você entende que aquilo não podia ter sido feito ali, daquele jeito? Foi um crime! Não se deveria fazer um prédio ali, tão perto da orla! Você quer ver outro crime semelhante? A demolição de quatro ou cinco casarões que existiam, em sequência, ali no Boulevard Castilhos França, em frente à Estação das Docas. Ali no meio se demoliu para a construção da sede do Banco Central em Belém. É o Poder Público fazendo o que não deve fazer! É o BC, organização federal destruindo algo precioso da cidade… Aquilo ali é um cartão-postal e eles interferiram. Imagina se não existisse, que beleza que seria! Não é que o prédio seja feio, é que é indevido! O chato é que Belém tinha mil e um lugares que poderiam servir de local para a construção da sede do BC! Mil e um lugares, a cidade inteira à disposição para escolher um espaço, e escolhem onde não devia. Mexeram com duas avenidas e uma rua, o Boulevard e a Gaspar Viana. Porque a parte traseira daqueles prédios dava para a Gaspar Viana. Você vê que é falta de cultura das pessoas que têm poder para decidir sobre a construção ou não de prédios em Belém. A falta de cultura, em primeiro lugar, para perceber que estão fazendo besteira. Em segundo, a falta de amor pela cidade para se tocar, saber quando não devem mexer erradamente na paisagem.
O senhor menciona fatos que já ocorreram há alguns bons anos. É possível, no seu entendimento, ver o “prejuízo”?
Belém tem sofrido muito com isso. É uma cidade bonita, que ainda tem lugares no Centro Histórico que merecem ser preservados. Mas não são só essas pessoas, a população de Belém é destrutiva. Criminosamente destrutiva. Assassina. Ela devasta, mata, como um assassino, a memória dessa cidade. A população destroi o centro comercial de Belém. Administrações municipais levaram à destruição do próprio piso de ruas como a João Alfredo e a Santo Antônio fazendo pisos errados onde o piso era de paralelepípedo. Você mexe com aquilo, você mexe com a cidade. Quando a população se instala ali no meio, inviabilizando completamente a passagem naquelas ruas, colocando suas tendas para vender seus produtos… Claro que, lógico, a gente tem que dar a importância para a necessidade de sobrevivência da população. Diversas vezes, sejam prefeitos ou governadores, tentaram criar espaços para comercialização, deslocando os camelôs daqueles locais. Então a população que eu faço, porque é uma parte substancial da população que faz isso. Que vai vender coisas no meio da rua. É falta de cultura, falta de educação no sentido de ser mal educada e falta de educação no sentido de ter educação escolar. Belém é tragicamente a “cidade dos homens sem profissão”. Eu vou repetir a expressão: Belém é tragicamente a “cidade dos homens sem profissão”. Quem vai para o meio da rua vender como ambulante não tem uma profissão, aquilo é um ganha-pão, uma atividade que existe decorrente da falta de estudo, da falta de educação básica, de escola. É falta de dinheiro também das famílias.
Esse poema sobre o Grande Hotel mostra bem a tua relação com a cidade e pelo que não existe mais. Você já quis ir embora?
Largar Belém? Os primeiros catorze, quinze anos da minha profissão eu vivi no Rio de Janeiro. Sou nascido aqui mas toda a década de 70 eu passei no Rio. Voltei em 1983, já casado com uma carioca, com todas as três filhas nascidas lá, voltei para montar a Galvão. E me doi muito, no coração da gente, ver como está hoje. E a gente vê Belém num plano inclinado. Esses dias eu li nos jornais uma denúncia feita pelo senador Jader Barbalho (PMDB-PA) sobre a instalação da Siderúrgica do Pecém, no Ceará, por parte da Vale. Isso é um crime! Uma sacanagem imensa que se faz contra o Pará e um contra-senso absurdo porque somos produtores de minério de ferro. Bem ali na cara… Se projetou fazer a [Aços Laminados do Pará] Alpa, em Marabá, e não se fez. É problema da Vale, que já foi uma grande empresa estatal, com o Governo Federal, que decidem sobre esse assunto. É situação que merece uma mobilização total do Estado contra isso. Total. Tenho um especial apreço pela Vale, mas é preciso que se denuncie porque isso é a nossa história, do Estado, de Belém, a gente tem que ter essa percepção para a importância desse problema.
Mas você não respondeu sobre já ter tido vontade de sair de Belém...
Não.
Nunca?
Não. Não. Quer dizer, pensar, eu pensei. A essa altura não estou mais tão jovem para recomeçar a vida, tenho uma empresa, que tem importância histórica para o Estado dentro do segmento em que se propõe a atuar, como outras agências também têm. A Galvão tem uma história respeitável, é agência premiada, que prestou serviços para a publicidade paraense… Isso tudo o que eu falo é porque estou do lado da minha cidade, estou com ela, sofro com ela.
Você é “pró-Belem”!
Sou. Não é uma crítica corrosiva, mas sim uma crítica necessária. Acho importante que isso seja dito.
Pedro, na sua opinião, sobre o que a geração de hoje vai se lembrar no futuro da mesma forma como você lembra do Grande Hotel, da Fábrica Palmeira…? O que está sendo feito hoje pelo legado de amanhã?
A gente não deve se queixar irracionalmente de tudo. A Praça da República e a Praça Batista Campos nem sempre foram como são hoje. Quando voltei para Belém, em 83, aquele calçadão da Presidente Vargas era uma coisa pavorosa, feita de cimento e cheia de buracos. Aí na administração do ex-governador Almir Gabriel (falecido em 2013, governador entre 1995 e 2003), foi feita a restauração por um cidadão chamado Paulo Chaves Fernandes (secretário de Cultura de vários mandatos do PSDB-PA à frente do Governo do Estado, incluindo o do atual governador, Simão Jatene). Passou a ser bonita de uma forma como nunca havia sido antes, nem mesmo na Belle Èpoque, mesmo no começo do século XX. Não foi só um restauro, ela foi melhorada, refundida. Me lembro que o [empresário] Romulo Maiorana [criador das Organizações Romulo Maiorana e falecido em 1986] uma vez me disse exatamente isso: que a Praça da República havia ficado mais bonita do que jamais havia sido. Então a gente tem que ter a medida da nossa crítica, até para perceber que há, sim, coisas sendo feitas. Batista Campos, por exemplo, na minha infância tinha muito mais árvores, mas não era bonita como é hoje. Mas por exemplo, se você pega fotos antigas da Avenida 16 de Novembro, vai perceber que ela era cheia de palmeiras, e isso é algo que se podia fazer, alguém podia tomar essa iniciativa.
Se te chamassem para compor um comitê gestor para pensar a cidade a partir dos 400 Anos, tu aceitarias?
Eu não sei se sou competente para isso, acho que talvez seja para dar essas opiniões que estou dando agora, de peru! Estou dando uma peruada! [risos]
Quais obras ou empreendimentos tu classificarias como “marcos” recentes para a cidade?
A Doca não existia. Você não passava por ali, era um charco. Era impossível passar. Foi feito na época da revolução, do Golpe de 64, na prefeitura do Nélio Lobato [1971-1974]. Ruas como a Boaventura da Silva, Domingos Marreiros e Antônio Barreto, descendo a Avenida Generalíssimo Deodoro, só chegava até um pouquinho depois da Avenida Dom Romualdo de Seixas. Era capinzal. Dali em diante, não tinha como descer mais.
Para a longevidade, o que mais Belém tem a celebrar em 12 de janeiro de 2016?
Olha, claro que tem! Belém não é só essa “desgraceira” toda que eu estou falando… É uma cidade charmosa, não é? Que pega mesmo. A própria noite de Belém… Já disse que é a terra das pessoas sem profissão, mas também é a terra das pessoas que sabem curtir a noite. É uma cidade fascinante, por vários aspectos. É bonita – mas podia ser mais bonita. Mas Belém, veja só, já foi restaurada. Nem sempre a ligação entre o Marco e a Pedreira foi do jeito que é hoje. Toda essa parte de Belém, assim como Umarizal e Doca, já foi intransitável um dia. E hoje são locais aprazíveis, gostosos, bonitos, dá gosto de morar. A Travessa Lomas Valentinas sempre fez a ligação entre os bairros, mas as outras transversais tinham igarapés cortando que impediam o trânsito. Isso tudo foi melhorado. O Bosque Rodrigues Alves é algo precioso. O plano que o Paulo Chaves tem para o Parque do Utinga é magnífico. Belém precisa de recursos para isso. A pobreza da cidade é reflexo da pobreza da economia do Estado, que carece de um plano industrial. Insisto: você já viu o quanto a população de Manaus mudou? Com a imigração? Vem gente de São Paulo, do Rio Grande do Sul… Muda até o tipo humano. Belém é charmosa e também se transformou positivamente… No começo do século, até a década de 30, de 40, Belém era uma cidade mais fácil de organizar, hoje em dia temos quase dois milhões e meio de habitantes. Veja por exemplo o [Bus Rapid Transit] BRT, aquilo é uma monstruosidade. É só passar ali para ver que foi feita uma desgraça. É necessário? Claro que é. Mas que fosse feito direito! Ninguém me vai fazer crer que está certo aumentar em altura uma pista em 10, 15 centímetros impunemente. Você tem ali uma pista que era de concreto, e de repente você “cresce” essa pista? Aí o que acontece: nos cruzamentos foi preciso criar pequenas rampas! E que foi feito como gambiarra, porque não houve planejamento! Aquilo ali foi obra para ganhar dinheiro. Aquilo é uma imbecilidade. BRT é outra coisa, e não é isso.
Grande Hotel
Foi preciso coragem para entrar
(era a última vez e nem sabias)
no lobby suntuoso desse hotel
já condenado à morte e à saudade.
Foi preciso coragem, terno cinza
e gravata bordô, tolo disfarce
para evitar suspeitas nessa noite
de outra noite incivil, de fogo e uivo,
cadeias, cadeados.
E a conjura:
“Suba direto a escada, sem perguntas.
Reunião no apartamento 105”.
A porta se abre e duas mãos te agarram,
te arrastam, te sufocam e nunca mais
verás um riso assim te iluminando.
Ela é fuga, ela é medo e subversiva
atravessa o país buscando o amor.
E o Grande Hotel por quê? Para iludir
os lobos que a perseguem.
Lobos, lobos
no rastro de sua presa. E vão prendê-la?
Não certamente aqui entre as alfaias
e os cristais da suíte neoclássica.
E seria preciso um céu inteiro
para voar e amar, voar, voar
até não haver mais céu. Ouve o rangido
do amor no quarto ao lado. Nessun dorma,
quem canta? Beniamino? Taças tinem.
Scotch e rum, zum-zum no Amazon Bar.
O poeta, alinhado, em linho branco
HJ, degusta a charlottine
na terrace. Enfim, paz. Estamos salvos.
E voltamos a amar como quem volta
à vida, arfantes, jovens. Outra vez,
mais uma vez, não pare. Essas batidas
– tum, tum – é o coração. É o coração
do hotel ruindo.
Fim.
Tudo é memória.
Marretas se abatendo sobre a ardósia,
cornijas, arquitraves, vidros, tálamos
e o tempo a agonizar em nossos braços.
Pedro Galvão