Especial
Especial
Diz-se que ser ator é a profissão do sonho; o sonho de viver uma vida que não é sua; de viver várias personalidades. Ser ator é incorporar um ente real ou imaginário e incorporar seus hábitos, tornando a vida um grande laboratório. Ser ator é predestinação. O termo teatro deriva do grego theaomai (θε%u03ACομαι) e significa olhar com atenção, perceber, contemplar. Em uma leitura aprofundada, theaomai não significa ver no sentido comum, mas sim ter uma experiência intensa, envolvente, meditativa, inquiridora, a fim de descobrir o significado mais profundo; uma cuidadosa e deliberada visão que interpreta seu objeto.
Para nosso entrevistado, desta edição especial, a vida decidira (ainda no útero) que ele seria ator; viveria e seria vários. O pai, Arno Brichta, um dos grandes nomes da Esquerda brasileira, selava [sem saber] o destino do filho. Deu-lhe o nome de um de seus melhores amigos, o jornalista Vladimir Herzog, morto covardemente meses antes. “Por questões ideológicas, decidi isso quando Vladimir ainda estava na barriga da mãe. Quis homenagear a pessoa boa e honesta que foi Herzog”, declarou Arno Brichta em uma entevista há alguns anos. Arno e Herzog trabalharam juntos na TV Cultura, quando o segundo era diretor da emissora.
Nascido em Diamantina, MG, o pequeno Vladimir rapidamente ganhou o mundo: ainda criança foi para a Alemanha (onde o pai fez Doutorado em Geologia), e no retorno ao Brasil, mudou-se para Salvador, onde envolveu-se com o Teatro e, juntamente com os amigos Lázaro Ramos e Wagner Moura, foi revelado e conquistou público e crítica. O Brasil o conheceu na novela “Porto dos Milagres”, em 2001 e, desde então, coleciona um sucesso atrás do outro.
Após anos interpretando um galã cômico, no seriado “Entre Tapas e Beijos”, Armani, Brichta lançou-se em um desafio, por assim dizer, raro aos de sua geração: fazer um filme de época, recém-lançado. Em “Muitos homens num só”, ele contracena com Alice Braga. O longa, baseado na obra de João do Rio, arrebatou público e crítica no Cine PE 2014.
A seguir um papo com o ator, que confirmou minhas suspeitas: ele é um homem gentil e generoso, que ama a família e que vive intensamente.
Um filme de época! Como foi viver outros personagens e um personagem tão rico quanto o Dr. Antônio?
O fato de fazer um filme de época traz um desafio que é reproduzir aquela época através de seus personagens, seus gestos, vocabulário… No entanto, compor alguém que vive uma época diferente da sua, que portanto vive valores diferentes, tem um desafio a mais que é o risco de aprisionar você na forma. Portanto, o primeiro desafio foi fazer esse personagem de forma que ele fosse coerente com a época dele, mas crível para a nossa. O Dr. Antônio especificamente, um homem que existiu e se tornou célebre no início do século passado por se hospedar e roubar hotéis se fazendo passar por pessoas importantes, foi tão desafiador quanto prazeroso. Pra me aproximar desse personagem, tive que ler sua falsa autobiografia escrita pelo João do Rio, assim como me aprofundar na obra do mesmo, que retrata muito bem a vida mundana do início do século passado.
Tem uma frase que o Antônio menciona ("de onde eu tiro meu sustento? de uma extraordinária presença de espírito") que é sensacional e meio que resume/define o personagem. Ser ator não perpassa por aí também? Te identificas? Até porque ser ator é viver muitos personagens num só....
Sem dúvida alguma na profissão do ator, e desconfio que em muitas outras também, temos que ter essa capacidade de adaptação, da hipótese, da presença de espírito pra lidar com o inesperado, o novo. No caso do Dr. Antônio, essa frase é realmente bem significativa, tanto que ele se beneficiava do acaso, não roubando por encomenda. O acaso era seu aliado. E é também por trair esse princípio dele que acaba por pagar caro ao fim.
Como foi trabalhar com a Alice?
Sempre tive muita admiração por ela, pelo seu talento e pela trajetória única que vem traçando profissionalmente. Assumindo o risco de uma vida cigana, filmando, e consequentemente morando, pelo mundo a fora. Aliás, de alguma forma, ela é mais semelhante ao Dr. Antônio do que eu. Ela se permite ser levada pelas oportunidades que surgem em sua vida e experimenta essa liberdade de um jeito muito rico. Como temos alguns amigos queridos em comum, já havia um carinho mútuo mesmo antes de trabalharmos. E foi uma excelente parceira de cena e set.
Fiquei encantada que tenha sido baseado em um conto do João do Rio - que por si já valeria um filme inteiro. Como foi esse laboratório, esse período de estudos?
Foi realmente um grande plus um roteiro tão bonito e delicado ser inspirado na obra do João do Rio, trazendo seu universo e atmosfera tão peculiares. Eu que tinha um vago conhecimento sobre a obra dele, e mesmo sobre sua importância pra criação de uma identidade carioca urbana do início do século passado, ganhei esse presente do projeto, a oportunidade de me aprofundar e entender melhor sua obra e os impactos dela. Como o roteiro do filme não é uma única história do João, tentamos manter o seu universo em algo novo, mas onde fossem reconhecidos seus personagens e suas questões sociais.
Um baiano mineiro ou mineiro baiano? Com qual das tuas origens te identificas mais?
Como minhas primeiras referências pessoais, sociais e culturais são baianas, me identifico mais como baiano. Mas nasci em Diamantina, terra linda e histórica, num momento muito importante da vida dos meus pais, que por sua vez são paulistas, portanto tenho enorme orgulho de carregar Minas na minha bagagem.
O "Vladimir" foi escolhido pelo teu pai em homenagem ao Vladimir Herzog... mas ele teve de incluir "Paulo" [o nome do ator é Paulo Vladimir Brichta] por conta da ditadura... É isso mesmo? Qual memória desse tempo ficou marcada para ti? Como teu pai atenuava tamanha tensão?
De fato essa história é verdade. Mas ao contrário do que possa parecer, nunca achei, ou senti, que pudesse ser uma carga um nome associado a um homem que é um dos marcos de resistência ao regime totalitário que dominou o país. Quando me entendi como gente era época de redemocratização do país, rock’n’roll, praia… Enfim, um olhar otimista em relação ao futuro.
És casado com a Adriana Esteves, uma atriz fabulosa, e lembro de ter visto uma entrevista em que ela dizia que amava o grande ator com quem ela é casada. Admiração mútua é um ingrediente essencial a uma relação, sobretudo, entre dois atores tão intensos?
Sem dúvida a admiração mútua é crucial pra nós. Acredito que para qualquer relação. Nós nos amamos e vibramos muito com as conquistas que realizamos. E gostamos muito de nos surpreender profissionalmente com o outro. Além do prazer de aprender e nos permitir mudar de opinião. Eu particularmente a considero uma das melhores atrizes do país e com quem trabalhei. Além do enorme talento, um desejo constante de se provocar e trazer frescor pra criação.
Também ouvi a Fernanda Torres se desmanchando em elogios para ti, dizendo que és um ator incrível. E vocês dois, em cena, são sensacionais. Sentirás saudade do Armani?
Fernanda é uma grande colega, além de excepcional atriz e agora escritora, apesar de sua resistência a ser taxada como tal. Nós nos demos muito bem em cena e fora dela. Um convívio muito agradável e estimulante. E depois de cinco anos fazendo o programa será bom darmos fim às aventuras desses personagens. Deixará saudades da convivência, mas orgulho pelo que foi feito.
Quando não estás trabalhando e tens um tempinho livre, o que gostas de fazer?
Os filhos certamente vêm em primeiro lugar. Mas gosto de surfar, ler e ver tudo que não foi possível quando o trabalho estava mais intenso. E matar as saudades dos parentes mais distantes e mesmo dos amigos que foram pouco visitados por conta do trabalho.
Pouca gente sabe, mas o Vladimir ama....
Acho que nada seria surpreendente. Talvez meu amor seja óbvio e ele diz respeito à família mesmo. Estar vivo é bom.
Conheces Belém? O que mais gostaste daqui?
Não conhecia Belém até o ano passado. Queria muito conhecer e foi além das minhas expectativas. Fiquei em cartaz no lindo Teatro da Paz, tive uma recepção do público espetacular, presenciei na porta do teatro na véspera das apresentações um encontro de músicos tocando carimbó. Passeei de barco, comi muito peixe. Me chamou a atenção, o que já tinha ouvido falar, a vivência cultural que a cidade tem, com identidade própria. E voltei de lá com muitos CDs, vontade de voltar e saudades da Bahia! Talvez por reconhecer expressões culturais tão genuínas como as que vi ao crescer na Bahia.
A vida começa quando…?
Acho que começa mesmo quando damos o primeiro grito/choro ao sair da barriga da mãe. Mas acho que a vida recomeça toda vez que somos tocados por um livro, um poema, uma música, uma peça, um gesto, um pôr do sol, um beijo longo, uma abraço espontâneo…
Por fim, há algo sobre o qual você gostaria de falar, mas não perguntei?
Gostaria só de dizer que esse filme é da Mini Kerti, que o convite que ela me fez foi um presente que ela me deu e agradeço aqui, obrigado.
Televisão
Porto dos Milagres - 2001
Coração de Estudante - 2002
Sexo Frágil - 2003
Kubanacan - 2003
A Diarista - 2004
Começar de Novo - 2004
Casseta & Planeta, Urgente! - 2005
A História de Rosa - 2005
Belíssima - 2005
Sob Nova Direção - 2007
Faça Sua História - 2008
Separação?! - 2010
Amor em 4 Atos - 2011
Tapas e Beijos - 2011/2015
Cinema
Paisagem de Meninos - 2003
A Máquina - 2005
Fica Comigo Esta Noite - 2006
Romance - 2008
A Mulher Invisível - 2009
Quincas Berro D'Água - 2010
A Coleção Invisível - 2012
Muitos Homens Num Só - 2013
Minutos Atrás - 2014
Beleza - 2014
Teatro
Arte – 2012 – Direção de Emilio de Mello
Hamlet – 2011/2009 – Direção de André Paes Leme
Os Produtores – 2007 – Direção de Miguel Falabella
A Hora e Vez de Augusto Matraga – 2007 – Direção de André Paes Leme
Um Pelo Outro – 2003/2002 – Direção de André Paes Leme
Mamãe Não Pode Saber – 2002 – Direção de João Falcão
A Máquina – 2001/2000 – Direção de João Falcão
Calígula – 1999 – Direção de Fernando Guerreiro
A Ver Estrelas – 1999/1998 – Direção de João Falcão
Eu, Brecht – 1998 – Direção de Deolindo Checcucci
Equus – 1998 – Direção de Fernando Guerreiro
Baal – 1998 – Direção de Harildo Déda
A Megera Domada – 1998 – Direção de Tereza Costa Lima
Dona Maria, a Louca – 1997 – Direção de Deolindo Checcucci
Um Dia Um Sol – 1997 – Direção de Deolindo Checcucci
Acho Que Te Amava – 1997 – Direção de Paulo Henrique Alcântara
A Casa de Eros - 1996 – Direção de José Possi Neto
Dias 94 – 1996 – Direção de Tom Carneiro
Pontapé – 1996/1995 – Direção de Elísio Lopes Jr. e Fernando Guerreiro
Uma História Sem Fim – 1994 – Direção de Ricardo Invernon
O Inspetor Geral – 1993 – Direção de Paulo Cunha
Nada Será Como Antes – Direção de Claudio Simões
Prêmios
Ator coadjuvante do Ano (indicado) - Tapas & Beijos - Prêmio F5
Melhor Ator de cinema - Muitos Homens num só - Festival de Cinema de Recife - 2014
Melhor ator série/minissérie 2012 - Contigo
Melhor Ator de Humorísticos - Prêmio Qualidade Brasil - 2008
Melhor ator coadjuvante 2003 melhores do ano - Faustão
Ator revelação 2002 melhores do ano - Faustão
Melhor ator coadjuvante 2002 - Contigo
Melhor ator cômico 2002 - Contigo
Melhor Ator - Prêmio Copene – Calígula - 1999