Uma Belém para ocupar

Ney Messias Jr. acredita em soluções otimistas para a cidade às vésperas de seus 400 anos de fundação.

17/08/2015 15:47 / Por: Irna Cavalcante. Fotos: Dudu Maroja
Uma Belém para ocupar
 
Viver a cidade nos seus detalhes, ocupar espaços, reconhecer problemas, mas pensar em soluções com otimismo. É nesta perspectiva que o comunicador Ney Messias Jr., produtor cultural, ex-secretário de Comunicação do Estado e, em breve, feirante do mercado de carne Francisco Bolonha, prefere olhar para Belém às vésperas dos seus 400 anos. Em entrevista à Revista Leal Moreira, ele fala sobre a sua relação de amor com a cidade, sobre parcerias público-privadas e da necessidade de ocupar os casarios e espaços públicos que estão ociosos com arte e cultura para as pessoas. Confira a entrevista:
 
Como é a tua relação com Belém?
Cara, eu sou apaixonado por Belém, é uma coisa meio impressionante. Já recebi algumas propostas da Globo Recife (PE), algumas coisas no Rio (RJ), e assim, por muito pouco, não saí de Belém. Mas, todas as vezes que eu estava para sair de Belém, parecia que a cidade me puxava, alguma coisa acontecia e eu voltava. Eu sou um fã de Belém. Eu ando mesmo pela cidade, curto os espaços que a cidade tem, então assim, a minha relação é de extrema paixão porque eu acho Belém linda. Eu não concordo com a imagem que tentam vender de Belém. Belém é uma cidade que tem todos os problemas que uma grande metrópole tem, não existe metrópole no Brasil sem violência, não existe metrópole sem problema de lixo, sem problema de trânsito. Mas eu acho que no caos em que se transformaram todas as grandes metrópoles brasileiras, Belém é uma cidade que ainda resiste, que seu charme resiste. Você entra no Centro Histórico de Belém e é uma coisa absurdamente bonita. Belém é muito poética. Eu, recentemente, estive junto com um grupo de produtores culturais que produziram um evento lindo, emocionante, que foi o Boulevarte (ocupação artística e cultural ocorrida no último dia 7 de junho), na Praça dos Estivadores.
 
Pois é, mas como observas estas ocupações nos espaços públicos? Falta ainda isso? Belém ainda tem uma carência maior de uma melhor e mais intensa utilização dos seus espaços públicos?
Muita. O que não falta são espaços públicos a serem ocupados em Belém. Vamos começar a citar aqui: Passo da Ladeira, Feira do Açaí, Praça dos Estivadores, Waldemar Henrique, Solar da Beira, Mercado Bolonha, Mercado de São Braz, Palacete Pinho, Palacete Bolonha, só para citar alguns dos mais emblemáticos da cidade...
 
 
Mas qual seria o modelo ideal de ocupação?
Não acredito em um modelo ideal de ocupação. Eu acredito que existem vários caminhos para ocupar estes espaços, desde as ocupações sem regra nenhuma como aconteceu, em tese, com o Solar da Beira.  Se está desocupado, então ocupa. Agora eu acho que tem que ser ocupado com ordenamento, com segurança para que a população possa ir lá desfrutar, mas existem vários caminhos. Eu, por exemplo, vislumbro outro caminho que é uma organização social. Hoje o Poder Público não tem fôlego e nem pernas para ocupar todos estes espaços. E se o Poder Público não tem fôlego e nem pernas para ocupar estes espaços todos, chama a sociedade para o jogo. Por que não um edital de ocupação? Que se lance um edital de ocupação destes espaços, que as instituições do terceiro setor - e eu estou aqui falando de OS, falo de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), de Organizações Não-Governamentais (ONGs), de fundação -  apresentem seus projetos e abram estes espaços. E que a Prefeitura escolha os melhores projetos para ocupar estes melhores espaços, contanto que todo e qualquer projeto de ocupação destes espaços ociosos vise alguns eixos como, por exemplo, cultura; a cultura gerando emprego; a cultura gerando renda; a cultura gerando qualificação de mão de obra; a cultura gerando inclusão social. Julgo ser um caminho muito importante de parceria de Poder Público e sociedade.
 
Mas o que mais te irrita em Belém hoje?
Não é que me irrita, mas eu lamento muito. Eu acho que estamos em um momento de todo mundo unir forças e dizer para onde nós queremos levar esta cidade. Eu acho que os empresários têm que começar a se preocupar com o outro balanço, não só o seu balanço contábil de final de ano, mas o empresário tem que começar a se preocupar com seu balanço social. Eu tenho uma empresa, esta empresa está estabelecida nesta cidade, está usando esta cidade para ganhar dinheiro, para auferir lucros e o que é que esta empresa deixa para cidade? Rapidamente, eu estou falando aqui de empresários, mas se o Poder Público estivesse olhando na mesma direção, estaria disponibilizando estes espaços para um edital de ocupação pública  e assim mesmo com os produtores culturais e a sociedade civil organizada.
 
Mas, ao mesmo tempo em que se tem esta necessidade, não só o Pará, como o país, está atravessando uma crise econômica muito forte. E quando se fala em crise, um dos primeiros cortes é, justamente, no que eles chamam de “gordura” que seria o social e outras áreas que não a atividade-fim. Então como tu vês esta questão e como inverter este cenário?
Tua colocação é tão pertinente que agora mesmo o Ministério da Cultura anunciou um corte de 35%, se não me falha a memória, de menos verba para investir para cultura. Isso vai ser terrível. Mas, enfim, é isso que a gente está colocando. Existem áreas prioritárias, infelizmente, os nãos prioritários irão sofrer e a cultura já está sofrendo. Mas, olha só, falei do Boulevarte, colocamos 60 expositores em doze horas de programação dentro da Praça dos Estivadores, eles movimentaram R$ 350 mil em venda em um momento de crise. Então, o que quero dizer é que quando você consegue fazer rodar, girar a roda da economia criativa, o dinheiro aparece, as pessoas vão lá e compram. As pessoas têm outro tipo de relação com este tipo de bem que é produzido pelos empreendedores criativos. É mais do que uma grife, do que uma coisa que tu vais comprar aí fora, então, as pessoas vão lá e compram mesmo. O que eu tenho convicção absoluta é de que a união de atividades, de projetos culturais com empreendedores criativos, fará girar uma parte da roda da economia que não é girada e, para isso, eu não acredito em crise.
 
E como encaras o atual cenário cultural paraense? Tu acreditas que aqui é realmente uma máquina genuína de talentos ou falta profissionalismo?
Acho que faltam, sim, algumas coisas, como sobram em outras. Sabe, eu acho que nós temos belos atores, belos fotógrafos, belos músicos, temos muita representatividade artística cultural. Talvez esteja faltando para a cadeia produtiva uma qualificação. Ainda temos muitos produtores culturais bons, eficazes e honestos, mas que vacilam na sua prestação de contas, por exemplo. Ainda temos muitos produtores bons, eficazes e honestos que não dão muita atenção para o seu projeto de comunicação. Então, eu acho que tem que qualificar mesmo o setor, a cadeia produtiva da cultura. Eu acho que talento não nos falta. Mas, veja bem, não obstante esta crise, estamos vivendo; não obstante as queixas do setor da cadeia produtiva da cultura com relação à falta de editais, que a gente conhece muito bem, tem muita gente produzindo; à guiza de tudo isso, tem as pessoas que só reclamam, não adianta, paciência; mas tem pessoas que reclamam e fazem - e eu não digo nem reclamam - porque acho que reivindicam e fazem. 
 
Qual pedaço de Belém que tu dirias que é a tua cara?
Eu  vou interferir na tua pergunta. Se tu me perguntares qual o espaço de Belém que tu gostarias de tocar e que tu mais lamentas a vocação que está hoje, eu te diria que é o Mercado de São Braz.
 
Por quê?
Porque o Mercado de São Braz tem tudo para ser o nosso mercado principal, aos moldes dos grandes mercados municipais de grandes capitais, como o mercado municipal de São Paulo, como se tu fores para Barcelona, como o La Boqueria. A vocação daquele mercado é esta e, infelizmente, o Mercado de São Braz  está ocupado historicamente por 500 permissionários vendendo bugigangas chinesas, vendendo artigos para pote, para fogão, estas coisas todas. É uma vocação completamente equivocada e, quando falo isso, não falo em retirar as pessoas que estão lá, mas o Poder Público deveria ter a responsabilidade de revocacionar aquilo ali. Não é fácil de resolver, a gente fica apontando para o Poder Público, mas não é fácil. Teria que chegar para estes  permissionários  e dizer: nós não queremos que vocês saiam daqui, queremos que continuem operando este aparelho, só que vocês terão que passar por um processo de requalificação. Apresentaria um cardápio de atividades que serão permitidas aqui para que eles escolhessem no que querem trabalhar e aí garantiria um aparato melhor, um box melhor, bem acabado e reformula aquilo tudo. Eu estou abrindo agora três boxes no mercado de carne Francisco Bolonha. Eu vi 15 boxes vazios e eu não entendi por quê. Como pode  ter boxe vazio em um mercado tão lindo como este? Eu fui bater na Secretaria Municipal de Economia e me disseram que os caras desistiram de abrir seus negócios. Então eu me candidatei e peguei três boxes pra mim. Eu vou fazer uma experiência gastronômica artística cultural, vou servir comida paraense, vou servir comida internacional com insumos paraenses, gourmet mesmo, ao mesmo tempo em que vou vender o chopp nosso, a cerveja artesanal.
 
Como tu vês hoje a gastronomia paraense no cenário nacional?
Ela está indo por conta própria. Você vê o exemplo do Peru, que hoje é, talvez, a bola da vez. Vários restaurantes peruanos estão entre os melhores do mundo. Mas, por exemplo, no Peru, o Gaston,  inclusive, foi responsável por convencer o governo peruano a investir o que está investindo em políticas públicas gastronômicas. O Governo gastou, inclusive, cerca de R$ 1 bilhão para que a gastronomia peruana fosse reconhecida no mundo inteiro. Nós não precisamos de tudo isso porque a gastronomia brasileira, principalmente a amazônida, é a queridinha dos grandes chefs de cozinha, mas a gente  precisava de incentivo estatal. 
 
 
Como gestor, tu levaste o Terruá Pará para fora. Tu achas que ainda falta um olhar mais atento para a cultura paraense?
O que deveria ter tido continuidade eram os editais do Terruá, que fizemos no segundo ano, as mostras do Terruá Pará, porque aí tu movimentas anualmente, tu estimulas as pessoas a continuarem produzindo. Mas independentemente da mostra Terruá Pará, as pessoas continuam produzindo muita música. Estão faltando realmente mais editais, novas linhas de crédito, com dinheiro subsidiado, para os nossos artistas poderem comprar instrumentos novos, seus aparelhos de som, o pessoal do teatro comprar  sua iluminação, seu figurino. Nós temos aqui o Banco do Estado do Pará, que poderia abrir esta linha de crédito. Eu acho que o que falta, na verdade, é uma grande pesquisa sobre a cadeia produtiva da musica começando por Belém. Se você tem uma pesquisa sobre a cadeia produtiva da musica, você vai instrumentalizar os governos a investirem mais na cadeia  a partir destes números. Se eu provo para qualquer  governo que se eu investir R$ 1 em cultura, eu gero tantos empregos, já vamos ver a cultura de outra forma, não só como festa. Nós não temos isso, ninguém tem, nem governo, nem sociedade civil organizada. O que é a cadeia produtiva da música em Belém? Quantos empregos ela gera? Qual o impulso de dinheiro que é preciso colocar nela para gerar tantos empregos? É tudo intuitivo. 
 
E qual a tua expectativa em relação aos 400 anos?
Eu acho que as pessoas criam muitas expectativas com datas fechadas, redondas. Ninguém vai mudar uma cidade da noite para o dia, para que nos 400 anos ela esteja perfeita. Belém cresceu muito desordenadamente, temos problemas de trânsito, problemas de segurança como todas as cidades têm. As cidades, em todo o Brasil, estão muito doentes por conta de um pacto federativo ruim e é fácil de entender isso. Então a União, este ser que arrecada muito, precisa participar mais da vida, dos problemas das cidades e dos estados. Eu não acredito em grandes mudanças na situação de Belém. Agora, se tu me disseres se tu dormisses hoje e acordasses nos 400 anos, o que eu gostaria de ver? Eu diria que eu gostaria de ver esta cidade com arte e cultura, que é a sua grande vocação. Eu gostaria de acordar e ver este tripé Poder Público, elite e sociedade, andando pelo mesmo caminho. E, em segundo lugar, acordar com este monte de casario, de espaços públicos, ocupados de maneira bacana, com arte e cultura para que a gente possa sair de casa e viver a cidade. Por isso, a hashtag da Boulevarte foi #cidadeparaaspessoas. Foi uma grande provocação. A gente tem que parar com esta mania de viver dentro das nossas casas, de viver na cidade, e morar dentro dos nossos apartamentos. 
 
Você falou desta preocupação das pessoas viverem a cidade, mas existe, ao mesmo tempo, um temor das pessoas em relação à insegurança...
Belém tem, sim, uma violência grande, como as outras grandes capitais. É óbvio que tem, é um problema nacional. Fizemos o evento no Boulevarte, zero de ocorrência policial; participei de um evento no mercado Bolonha, zero de ocorrência policial; fui para Santa Terezinha, zero de ocorrência policial; cadê a violência da cidade? Quando a gente se mobiliza e faz as coisas acontecerem no âmbito da cidade, a gente acaba estimulando os órgãos de segurança a irem lá e fazerem a segurança para a gente. Se estou na rua, vou fazer um evento aqui, então, mando um ofício para Polícia Militar, um ofício para Guarda Municipal. E tem mais: o “mal”, e vamos colocar aqui com 29 aspas, acaba se estabelecendo em determinadas áreas da cidade porque ninguém faz nada. Então, se ninguém faz nada e o espaço está desocupado, o “mal” vai lá e ocupa. Eu acredito muito nisso. Quanto mais a cidade estiver ocupada, mais segurança nós teremos.

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