Ver-o-Peso das descobertas

A décima edição do "Ver-O-Peso da Cozinha Paraense" - maior festival gastronômico do Norte - deixa saudades e um legado inestimável de intercâmbio cultural entre os quatro cantos do país.

25/06/2012 09:43 / Por: Tainá Aires / Fotos: Dudu Maroja
Ver-o-Peso das descobertas

Era manhã de sábado, palestra do Alex Atala. Todos concentrados, atentos aos conselhos de um dos grandes chefs da culinária mundial. Quando  um homem que estava na plateia pediu a vez para falar. O nome dele: Wendel Ribamar. Emocionado, disse que estava em “êxtase”. Essa era a primeira vez que ele ficava frente a frente com um profissional da cozinha. Filho de família pobre, de Irituia, no nordeste do Estado, foi dependente de álcool por muito tempo. E encontrou na culinária, mesmo sem ter se especializado para isso, uma válvula de escape para o cura e uma forma de dar uma vida melhor para a  esposa. Hoje, dono de um restaurante em São Miguel do Guamá que, segundo ele, é o melhor do pequeno município com pouco mais de 50 mil habitantes. Wendel se sente um vencedor. E a motivação dessa conquista – contou – tem nome e sobrenome: Paulo Martins.

A cena aconteceu no Ver-o-Peso da Cozinha Paraense-2012. O chef Paulo Martins, a inspiração de Wendel, foi o criador do evento há mais de uma década (já que, por dois anos, o festival não ocorreu). Mesmo após o seu falecimento, em 2010, o festival continuou, tamanha a importância para a cozinha brasileira. Tudo funciona da seguinte forma: chefs de vários lugares do país são convidados para fazer uma espécie de intercâmbio. Eles vêm aqui para o estado do Pará, conhecem os sabores e aromas locais e ainda têm a oportunidade de fazer um jantar com todos os ingredientes regionais, ou seja, deixam um pouquinho deles aqui e levam um pouco da gente para seus estados de origem.

Terra de novidades
As descobertas começam logo no primeiro dia de evento, com uma visita ao mercado do Ver-o-Peso, um dos cartões postais da capital paraense. O encantamento é geral. Os chefs parecem crianças, ávidas por descobertas – nesse caso, de coisas que eles encontram por aqui. Carlos Bertolazzi, de São Paulo, ficou impressionado com a castanha-do-Pará. Com tantos anos de culinária, nem passava pela cabeça dele que a castanha é extraída de um ouriço. A chef Mara Salles não conseguia largar as ervas. Para ela, o buquê feito com chicória, pimentinha, coentro e alfavaca é o cheiro da Amazônia. Mas não só quem vem de fora se surpreende. Joanna Martins, filha do saudoso chef Paulo Marins e uma das coordenadoras do evento, confessa que, às vezes, se sente meio “leiga” ao andar pelos corredores da feira. “É sempre uma visita muito interessante. Cada vez que a gente vai lá, descobre algo novo junto com os chefs de outros estados. É um momento lúdico”, disse.


Jantares beneficentes
É natural que todas essas descobertas no mercado do Ver-o-Peso sejam extremamente enriquecedoras. Aqui, o que se pesquisa tem de ser colocado em prática, e da forma que eles sabem fazer melhor: na cozinha. O primeiro jantar do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense foi feito pelas mulheres. As chefs Helena Rizzo, Mara Salles, Mônica Rangel, Bel Coelho e a paraense Daniela Martins cumpriram muito bem a missão.

Nos bastidores, tudo funcionava na maior perfeição: pratos alinhados e cada chef cuidando das suas tarefas. Tudo fluía muito bem.

O cardápio: bolinho de piracuí com molho de castanha, filhote, costela de porco, sobremesa com bacuri e cupuaçu. De encher os olhos. Mas, sem dúvida, um prato acabou chamando mais atenção do que os outros: já imaginou comer uxi quente? Pois é, a fruta foi a matéria-prima do prato desenvolvido pela chef Daniela Martins (também filha do chef Paulo Martins) para o evento. Como uma das coordenadoras do evento, Daniela quis desafiar a si própria. E deu muito certo. Os convidados adoraram a novidade e eram só elogios a tudo que foi oferecido no jantar. Parte da renda arrecadada foi doada para o Instituto Criança Vida.

Muito mais que um desafio, a troca de experiências foi o que mais agradou as chefs. “Sempre é muito enriquecedor. Eu não tenho curso técnico algum, nem formação de gastronomia. Sei o método rústico de cozinhar. Então, presto muita atenção ao que os outros chefs fazem. A costelinha da Mônica Rangel, por exemplo, é feita em baixa temperatura. Aí eu fiquei babando, observando tudo, que nem criança com bolo de aniversário”, comentou Daniela.

Os homens pilotam o fogão
No dia seguinte, foi a vez de os homens invadirem a cozinha. Alex Atala, José Barattino, André Saburó, Almir da Fonseca, Arnor Porto e o filho da terra, Thiago Castanho, comandaram o segundo jantar beneficente do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense-2012. No menu, mandioquinha com chicória, creme de cariru, pirarucu, filhote com camarão, rabada com macaxeira defumada e ainda chocolate com bacuri.

Durante a preparação do jantar, os homens conversaram muito. José Barattino, que aprendeu a cozinhar com o bisavô descendente de italianos, queria tirar proveito de cada segundo com os chefs. “Coisa mais rica é conversar com esses profissionais e ter contato com todos os ingredientes. Os sabores novos são fantásticos. O problema é o calor, né?”, divertia-se.     

“Aqui se conhece um outro Brasil”. Pela segunda vez no Pará, o chef José Barattino dividia sua opinião com os chefs . Opinião, aliás, bem parecida com a do chef Almir da Fonseca [confira entrevista com ele no Goumert], brasileiro radicado nos Estados Unidos e muito elogiado internacionalmente (com uma simpatia inigualável). Para ele, além da convivência com os chefs, o relacionamento com os estudantes do Senac, que os ajudaram na empreitada, também foi muito interessante.

Almir da Fonseca também ressaltou a diversidade dos ingredientes do estado, principalmente o jambu e o tucupi, pelos quais ele nutre uma paixão especial. Gosta tanto que fez até um pesto com os dois sabores característicos da Amazônia. Uma homenagem ao chef Paulo Martins, que, segundo Almir, criou um prato parecido com esse.

Já o paraense Thiago Castanho preferiu lembrar da infância e desconstruir um dos pratos que ele comia bastante quando moleque: a rabada. Não uma rabada qualquer; uma rabada mais sofisticada. Em vez de um panelão, um prato pequeno, guarnecido com farofa de açaí e ainda mandioca defumada. A ideia veio do contato com os chefs. Castanho define o Ver-o-Peso da Cozinha Paraense como uma forma de abrir a mente dos profissionais. “Os chefs que vêm pra cá trazem um modo diferente de olhar nossos ingredientes, já que nós temos certas limitações em relação a isso. Por exemplo, eu não consigo ver a maniçoba de outro jeito a não ser o tradicional. Aí o chef chega, usa esses ingredientes de outras formas e os resultados são formidáveis”, explicou ele.

Adenauer Goés, Secretário de Estado de Turismo do Pará, foi um dos que prestigiou o jantar e estava muito satisfeito com a organização. Enquanto os chefs cozinhavam, os convidados podiam ficar por perto, sentindo o cheirinho do que estava sendo preparado. Ansioso para provar os pratos, Adenauer falou do que mais o encantava com o evento: o intercâmbio de ideias. “Os chefs escolhem seus insumos e criam seus pratos. E, além de agradarem as pessoas, levam um pouco dessa cultura gastronômica. Isso não apenas no olfato, no sentimento e na visão, mas na capacidade de colocar isso nos seus restaurantes que ficam fora do Pará”, explicou. Após o jantar, quando perguntado se havia gostado, ele foi enfático. “Quero isso de novo ano que vem!”

Bate-papo
Outros momentos importantes do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense-2012 foram o ciclo de palestras e cursos com os chefs. Entre eles, Bel Coelho, Alex Atala, Mara Salles e Ariane Malouf.

Com o tema “Pará Clandestino”, a chef Bel Coelho falou sobre um projeto semanal – de mesmo nome – de gastronomia de seu restaurante, o Dui. Na palestra, ela lembrou quando veio a Belém pela primeira vez e teve contato com o chef Paulo Martins, que a levou para conhecer os diversos ingredientes do Pará. “Foi uma Disneylândia”, recordou.

O público foi bastante participativo e aprendeu um pouco sobre o significado das “desconstruções”, que são uma espécie de adaptações dos pratos tradicionais. Ou seja, dos mesmos ingredientes podem surgir novas criações.
O tema também foi discutido durante a palestra do chef Alex Atala. Foi durante esse debate com o público que surgiu o Wendel Ribamar, do início deste texto.  O encantamento da plateia com o chef era visível. E Atala fez questão de retribuir com muito carinho e descontração.

Atala também falou, assim como Bel Coelho, da relação dele com o chef Paulo Martins. Para ele, é impossível comentar a cozinha paraense sem ao menos citar do grande embaixador da Cozinha Paraense. Uma história de amizade que começou com uma ligação. “Liguei pra ele e disse: ‘Sou o Alex, trabalho num restaurante e queria ingredientes do Pará’. Desliguei o telefone e falei ‘poxa, que cara legal’, mas nunca imaginei que ele realmente fosse mandar alguma coisa. Uma semana depois, chegou um isopor com muito mais coisas do que eu tinha pedido e isso mudou a minha vida”, lembrou Atala.

Desde então, o chef passou a incorporar os ingredientes paraenses no cardápio dos dois restaurantes que ele mantém em São Paulo. “Eu fiquei viciado”, brincou.
 

Hora da “boia”
O auge do Ver-o-Peso da Cozinha Paraense foi o jantar de encerramentos das boieiras. Afinal, não dá para imaginar a feira do Ver-O-Peso sem essas mulheres que todos os dias cozinham, ou melhor, preparam a boia de trabalhadores, turistas e quem quer que frequente a feira. Elas chegam cedo, por volta de cinco horas da manhã, e tem disposição de sobra para enfrentar uma maratona de trabalho que dura quase um dia inteiro.

Preparam refeições completas, mingau, pão com queijo, ovo, presunto e – claro – açaí com peixe frito. A maioria delas não tem estudo na área, não se especializou em gastronomia, mas tem conhecimento de vida. E isso foi o suficiente para que elas provocassem toda a população de uma cidade com cheiros e sabores sensacionais. “Este é um jantar que mostra porque o Ver-o-Peso é uma meca da cozinha brasileira. Aqui está a nossa identidade, a nossa regionalidade!”, vibrava a chef Daniela Martins.

O jantar das boieiras reuniu, além de 16 trabalhadoras do mercado, vários chefs do país, como os já citados Almir da Fonseca, José Barattino, Mara Salles, Mônica Rangel, André Saburó, Wanderson Medeiros, Ariani Maluf, dentre tantos,. “Foi uma experiência incrível. Essa é a essência da cozinha. Fiquei muito feliz de poder ensinar e aprender com essas mulheres”, afirmou Ariani.

Dona Osvaldina Ferreia, de 63 anos (sendo mais de 40 dedicados ao Ver-o-Peso), considera o evento a escola de culinária que não teve. Aprendeu novas técnicas e retribuiu mostrando os ingredientes da terra. E ela diz que presta atenção em tudo e vai colocar em prática os ensinamentos dos grandes chefs brasileiros.

Como diz Alex Atala, para ser um bom cozinheiro não é preciso necessariamente estudar, fazer uma faculdade, visitar outros países. Para isso não há regra, basta cozinhar!

A Leal Moreira apoia a Gastronomia Paraense e acredita que nossos cheiros e gostos podem harmonizar com outras culturas.

2008
O lançamento do “Torres Ekoara” foi celebrado com um jantar à francesa, comandado pelo celebrado chef Claude Troigros. Quatrocentos convidados, entre clientes e parceiros, se deliciaram com um menu feito à base de ingredientes típicos, especialmente para a ocasião.

2011
Os irmãos [e chefs] catalães Javier e Sergio Torres assinaram o jantar de lançamento do Torre Breeze. Entre ingredientes espanhóis, o tucupi e a mandioquinha ganharam destaques. Clientes e convidados ficaram encantados.

2012
“Jovens chefs paraenses e suas criações gastronômicas”. As páginas da Agenda 2012 da Leal Moreira foram recheadas com receitas da terra e as histórias dos chefs Daniela Martins, Ilca Carmo, Solange Saboia, Sophia Honda, Enzo Luzzi e Felipe Gemaque.

2012
Leal Moreira é a patrocinadora do “Ver-O-Peso da Cozinha Paraense-2012”. O maior e mais tradicional festival gastronômico do Norte do país comemora dez edições e a Leal Moreira apresenta o evento.
 

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