A sensibilidade do abstrato

Entrevistar Dina Oliveira é reviver o passado da artista

07/08/2022 09:00 / Por: Marza Mendonça / Fotos: Dudu Maroja
A sensibilidade do abstrato

“Eu gosto de pintar onde eu moro”.  Com essa revelação, a pintora Dina Oliveira explica que a casa, onde ela estava nos recebendo não era a casa onde ela morava, e sim foi a casa da família, lugar onde viveu boa parte da sua vida com os pais e os cinco irmãos. A casa da família Oliveira, localizada na Rua dos Mundurucus, no tradicional bairro do Jurunas, em Belém do Pará, foi projetada pelo pai da artista e tem estilo próprio da década de 50. “Quando meus pais morreram, a casa ficou muito tempo vazia, ninguém da família quis morar aqui e nem vender. Foi aí que eu senti vontade de “ajeitar” a casa e transformá-la em um espaço para abrigar o meu acervo, uma espécie de exposição permanente. Ela não é um ateliê e nem uma galeria, mas sim um espaço para preservar meu acervo e receber pessoas interessadas pelo meu trabalho”, revela Dina Oliveira. 


A fachada da casa dos pais da pintora, hoje Ateliê Mundurucus, que abriga o cervo da artista

No quintal da casa, a artista fez uma homenagem aos pais, o engenheiro Alírio César e a professora de piano Orlandina (Dina) de Oliveira. Ela criou um mural/mosaico, onde desenhou o “Sol e a Lua” formando um painel contemporâneo com sobras de materiais que a acompanharam durante muitos anos. A casa, rebatizada de Atelier Mundurucus, é a herança deixada pelo casal para os seis filhos, sendo Dina a terceira. O pai da artista possuía um senso estético muito apurado, como podemos perceber no piso de taco, desenhado por ele, todo em madeira de acapu e pau amarelo, um clássico das residências daquela época que uniam beleza, estética e funcionalidade.


A escada também foi projeto do pai e fruto de muita matemática e estudo. A obra tem uma grande viga e seus degraus são de concreto revestidos de madeira acapu. A mãe da artista tocava piano e levou a música para dentro da casa, propiciando um ambiente artístico, rico e criativo. “Eu tive a sorte também de ter convivido com verdadeiros mestres, entre eles o ceramista, desenhista, pintor e professor Ruy Meira (que era meu padrinho), Benedito Nunes, Maria Sylvia, professor Paulo Mendes  e Professor La Roque. Foram anjos na minha vida”, relembra com saudosismo Dina. 

A personagem desta matéria poderia estar sendo entrevistada por qualquer outro veículo de comunicação no mundo, tamanha é a grandiosidade da sua obra e seu acervo. Dina Oliveira é a pintora paraense mais admirada e premiada; Ela é graduada em arquitetura pela UFPA - Universidade Federal do Pará, mestre pela FAU na USP - Universidade de São Paulo. É educadora e professora da UFPA. A arte da pintora é atemporal e de uma sensibilidade única. Convido você a discorrer por essas linhas e parágrafos e se apaixonar pela vida e obra de Dina Oliveira. 

De todo o processo artístico da sua vida, qual foi o grande divisor de águas na sua carreira?

Eu considero a minha mudança de Belém para São Paulo um evento muito importante. Eu devia ter uns 26 anos e o Zoca, meu filho estava com 4. Fui para São Paulo para fazer mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas /Programação Visual - FAU, na USP. E ao mesmo tempo eu consegui abrir muitas portas, conheci uma vida cultural, fiz relações profissionais importantes com galerias, artistas e críticos. Eu vivi um frenesi artístico, produzia muito. Uma certa vez eu cheguei a fazer trinta desenhos em quinze dias. Desenvolvi uma úlcera quando terminei. Isso é o que eu chamo de teimosia.  

E essa teimosia, de onde vem? 

Teimosia ou angústia criativa (risos), uma forma de querer falar (risos).

A casa em que nós estamos foi a casa em que você viveu? 

Sim. Essa casa foi construída e projetada pela nossa família. Quando meus pais partiram, eu encarei o desafio de manter a casa. Aqui a gente tem um histórico de vida e memória. Nós tivemos muita sorte, somos 6 irmãos e tínhamos uma vida agradável e rica em termos de produção artística. Sem contar a presença constante em minha vida, de pessoas, como tio Ruy Meira, Bené (Benedito Nunes), professor Paulo Mendes, Maria Sylvia e muitos outros. Essas pessoas tinham uma consistência intelectual, sabedoria e de conhecimento muito grande e sinto uma pena que eles não estejam mais entre nós. Se a gente tiver que dar continuidade no trabalho de todos esses “anjos”, eu não me vejo com bagagem para passar o bastão para as futuras gerações. Eles eram muito bons.

Qual o seu momento, hoje?

Hoje estou dando aula de desenho e de pintura na Universidade e além disso, continuo pintando. Por isso meu tempo é dividido com a Ufpa, mas logo, logo terei mais espaço para quem sabe iniciar um projeto com crianças e jovens. Antes da pandemia eu estive anos à frente da gestão cultural, o que nos ensina muito, porém nos desgasta também. Então, quando iniciou a pandemia eu me permiti ser complacente comigo mesma, passei a exigir menos de mim, mas não deixei de produzir. Estou trabalhando para expor. 


Preparando-se para expor?

Na verdade, para mim o ideal é não ter uma agenda. O interessante é estar no desenvolvimento de um processo porque uma exposição é como se fosse um livro, tem os capítulos, mas as partes têm que compor um todo, tem que ter unidade, identidade. Elas têm que passar uma mensagem. De alguma forma elas têm que induzir o caminho do desenvolvimento do olhar e do pensar.  Então eu prefiro produzir 25 ou 30 trabalhos e fazer uma coleção de 20 que entre eles haja unidade, uma certa conversa.

Então, tem exposição vindo por aí?

Sim. A minha última individual foi na Academia Clementina, em Bolonha, na Itália, uma exposição que recebeu investimentos da Alubar e da Casa Rosada. Depois de  2010, expus em coletivas e como convidada em alguns eventos. Nunca parei de pintar e por isso tenho muitos materiais inéditos. Estou trabalhando e com muita vontade de expor. Quero encontrar os parceiros certos e o lugar que comporte o tamanho do meu voo. 

Uma lembrança da infância?

Um dia, meu pai foi me pegar no colégio, com uma maletinha cheia de tintas e pincéis. Eu fiquei encantada com toda aquela beleza e ele me disse: matriculei você num curso de desenho. Eu quis ir na hora. Parece mentira, mas o curso era com o Balone, tio Ruy Meira, Bené Melo. Eu não poderia fazer o curso pela pouca idade, mas meu pai  disse a eles que eu iria me comportar e assim fiquei. Foi uma experiência e tanto.

Um DNA Criativo

Dizem que fruto só cai perto do pé. Assim é arte no DNA da família Oliveira. Dina também tem irmãos talentosos e criativos. Os dois filhos, Zoca e Ana Celi, já iniciaram carreira. Ele, acrílica sobre tela, e ela, aquarela.


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