Aristocrático, que nada

Dácio Campos defende que, ao contrário do que diz o senso comum, tênis é o esporte que mais promove a inclusão social

30/11/2010 12:22 / Por: Alan Bordallo / Fotos Luiza Cavalcante
Aristocrático, que nada
Dácio Campos diz que o tênis é subestimado pela falta de conhecimento

 

 

Quando se viu dividindo uma casa em Londres com mais 20 tenistas brasileiros, Dácio Campos deixou, quase acidentalmente, aflorar seu lado empreendedor. Com faro de produtor jornalístico, consultou a lista telefônica inglesa e encontrou o endereço da TV Globo no país. Não teve dúvidas: bateu à porta da emissora, onde encontrou os então repórteres Carlos Dorneles e Pedro Bial, e seu futuro sócio, Armando Augusto Nogueira. O objetivo era vender uma pauta: como viviam 20 tenistas brasileiros que não conseguiam nem treinar às vésperas do tradicional torneio de Wimbledon? A matéria ganhou incríveis sete minutos no Fantástico, e Dácio, além de contatos, ganhou 100 libras de um incrédulo tenista, que apostou duvidando que tenistas em Londres “vendessem jornal”.

Dácio, que se diz um apaixonado por “falar, tênis e televisão”, alinhavou o que seria sua vida após o tênis: em sociedade
com Nogueira, foi co-fundador do canal TopSports, hoje SporTV, onde comenta os principais torneios do aristocrático - mas “principal esporte no que diz respeito à inserção social” - esporte. Para ele, Guga foi um fenômeno, e dificilmente o Brasil voltará a ter um atleta no seu nível, assim como Roger Federer está para Suíça. Campos esteve em Belém para ministrar uma clínica de tênis na Assembleia Paraense, e, entre uma instrução e outra para os participantes, recebeu a reportagem da revista Leal Moreira.

Como começou sua paixão pelo tênis?

Filho de tenista... Meu pai desde muito cedo me levava para o clube e me apaixonei logo. Desde que me lembro como gente, lembro da quadra. Venho de uma família de tenistas.

Quanto tempo levou sua carreira e quais foram suas grandes realizações no esporte?

Joguei até os 29 ou 30 anos como profissional. Cheguei a ser número 1 do Brasil, estive entre os 100 melhores do mundo em simples e duplas, joguei Copa Davis três anos pelo Brasil, joguei seis anos Wimbledon, seis anos Roland Garros, sete anos o US Open... Joguei profissionalmente na Alemanha, nos Estados Unidos, joguei tênis universitário, três anos e meio. Acho que tive uma carreira que durou o tempo suficiente para o meu desempenho ter sido compatível com a minha vontade. Quando perdi a vontade, naturalmente parei de me interessar por competir e viajar.

O que falta para o tênis nacional voltar para o topo como já esteve?

Eu acho que o tênis brasileiro nunca foi melhor do que é hoje. Ele teve um jogador que excedeu qualquer expectativa de qualquer nação. Então se você avaliar que o maior tenista de todos os tempos é o (Roger) Federer, comparando Suíça com Brasil, pode chegar à conclusão de que o Federer, parando, vai demorar muito tempo pra que a Suíça tenha outro do mesmo nível. Uma coisa é você ter uma escola de um país em determinada modalidade, outra é ter um fenômeno que nasceu naquele país. O Brasil teve um fenômeno e sempre teve uma escola compatível com o que temos hoje. E o Guga acabou sendo muito maior que a escola, apesar de que a escola brasileira vem melhorando muito, porque atualmente os órgãos têm mais credibilidade, a gente trabalha com mais dinheiro e tem mais condições de melhorar no tênis. Mas o Guga ficou muito grande para o Brasil.

Ainda neste ano, em uma visita à favela do Pavão-Pavãozinho, no Rio de janeiro, o presidente Lula e o governador fluminense Sérgio Cabral respondem a um garoto que queria uma quadra de tênis na favela que “tênis é esporte de burguês”. O pensamento preconceituoso ainda existe e atrapalha a evolução do esporte?

Pior que o preconceito é a falta completa de conhecimento do esporte. O presidente Lula tem sido um excelente presidente. Ele foi o presidente que mais fez pelo esporte brasileiro, trazendo Olimpíadas, aprovando a Lei de Incentivo ao Esporte, mas o forte do nosso presidente nunca foi falar, né? Então eu dou esse desconto pra ele. E só para poder dar um suporte ao que eu estou dizendo: o tênis é o esporte que mais insere socialmente no Brasil. Por quê? Porque 90% dos nossos professores eram pegadores de bola. E esses pegadores de bola são filhos de pais que ganham R$ 500 por mês. E eles, por sua vez, sem muita instrução, apenas por estarem vivendo dentro do mundo do tênis, ganham 10 vezes mais que seus pais. No entanto, se você pegar a natação, que foi o esporte que ele disse que o garoto deveria praticar, eu te pergunto: quantos brasileiros foram inseridos de uma classe social menos privilegiada na natação? Nenhum. O basquete não insere ninguém. Por quê? Porque o cidadão pra ser técnico de basquete tem que ser formado, pós-graduado, tem que ter um conhecimento muito grande. No entanto, se você olhar aqui, em volta de nós mesmos (aponta para as quadras de tênis e mostra os boleiros trabalhando ao redor), 90% desses garotos que estão me ajudando na clínica, vieram das camadas menos favorecidas da sociedade. Então, se o presidente Lula olhasse ao redor dele, veria que o tênis é o esporte que mais insere pessoas desfavorecidas dentro de todos os esportes.

Como foi para você trabalhar na imprensa fazendo comentários especializados sobre tênis?

Eu sempre gostei muito de falar, de tênis e de televisão. Sou apaixonado por essas três modalidades. Quando tinha 24 anos, a gente jogava Wimbledon - os brasileiros - e ficava em Londres cinco semanas numa casa que era mantida pela embaixada, chamada Casa do Brasil. Nós éramos 20 tenistas que ficavam o dia inteiro juntos, e um já começava a tirar com as diferenças dos outros etc. E chegou um dia, eu olhei e percebi: “Pô, isso aqui é uma matéria. Esse monte de malucos aqui, querendo treinar e não dá”. Aí eu peguei a lista telefônica e vi lá: TV Globo, Londres. Cheguei pra um amigo meu e disse que iria lá e que aquilo iria virar uma matéria. Ele falou: “Você tá maluco, cara, não vai dar nada”. Aí eu falei: “Pô, não tenho nada pra fazer mesmo, ‘vamo’ apostar 100 pounds?”. Ele topou. Aí peguei o metrô, cheguei na TV Globo, toquei a campainha e o cara abriu a porta e disse: “Fala aí”. E me apresentei: “Meu nome é Dácio, somos do Brasil, estamos jogando Wimbledon, blá blá blá”, e o cara disse para eu entrar. Me levou numa sala, na época o Cílio Bocanera era o diretor geral da Globo lá e ele falou “Cílio, o Bial está ali jogando dominó com o Dorneles, não tem nada acontecendo aqui. Vamos fazer uma matéria de tênis?”, e o Cílio “‘Vambora’!”. Peguei o Dorneles e o Orlando, cinegrafista da Globo lá há muitos anos, fizemos a matéria e pusemos sete minutos no Fantástico. Foi a minha estreia. Esse cara que abriu a porta virou um grande amigo meu. Nos cinco anos subsequentes, eu ficava na casa dele em Londres e ele ficava em Paris comigo durante Roland Garros. Alguns anos depois o Collor entrou de presidente e o pai desse meu amigo era diretor geral da Globo, o Armando Nogueira. Ele, em solidariedade ao pai, saiu, voltou para o Brasil e montou um canal chamado Top Sport. Eu tinha acabado de parar de jogar e ele me ligava dizendo para eu ir para o Rio, pra gente fazer umas matérias. Ia para o Rio no fim de semana, pegava umas fitas, a gente fazia umas edições malucas e inauguramos o canal, Top Sport, que dois anos depois virou SporTV e isso já faz 18 anos. Foi assim que entrei. Fui bater na porta e... acabei me dando bem.

E o que conhece do tênis do Pará?

Pra ser sincero conhecia pouco do tênis do Pará, nunca tinha vindo aqui, mas nesses dois, três dias que cheguei, percebi que o paraense é extremamente político, competitivo, e a atenção das pessoas ao treinamento é muito grande porque todos têm essa capacidade monstruosa de competir. Têm suas diferenças e essas diferenças fazem com que sejam extremamente aplicados nos treinamentos. Para depois o cara jogar com o cunhado, com a mulher e poder dar aquela sacaneada tradicional. Ouvi muito pouco se falar de dinheiro, o que nós, paulistas, estamos acostumados. Em São Paulo fala-se pouco de política e muito de grana. Aqui é muito político e competitivo. E o tênis nada mais é que um esporte político e competitivo. Então acho que está no sangue do paraense poder fazer com que a modalidade se expanda. E pelas pessoas que conheci aqui, que são grandes empresários, acho que onde puder ajudar pra fazermos projetos, provavelmente com captação de incentivo fiscal do governo federal pra que empresas possam destinar parte dos seus impostos de renda na organização desse grande mundo do tênis aqui. Acho que a lei de incentivo ao esporte vai ser o grande carro-chefe pra trazer cada vez mais grandes professores motivacionais, para que o tênis possa crescer e ter cada vez mais uma prestação de serviço adequada aos praticantes e interessados.

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