Perto dos olhos e do coração
Consciente de seu papel dentro e fora das telas, a atriz Bruna Linzmeyer vive um momento muito especial – está no ar, na novela “O Sétimo Guardião” e no longa “O Grande Circo Místico”, que concorre a uma indicação para o Oscar 2019.
Ser atriz não era a pretensão nem o sonho de Bruna Linzmeyer. A paixão pelo ofício de atuar foi algo que aconteceu, mas não ao acaso parece ter ido ao encontro de um desejo íntimo de viver infinitas possibilidades de existências numa só existência. Representar diversas personagens, desbravar novas realidades, criar outras lógicas de pensar transpassa a vivência da telinha; é sobretudo, a expressão da variedade das vontades e de tantas coisas possíveis que ela pode realizar numa única vida. É assim que Bruna habita o mundo, sob a perspectiva da não permanência das cenas, com a emoção das constantes mudanças e exercendo a liberdade de ser múltipla num corpo. Ela vive o que pensa, assume o protagonismo da própria voz, rompe os padrões e contraria as normas sendo naturalmente quem é. Desde que estreou na TV em 2010, na minissérie global “Afinal O que Querem as Mulheres?”, conquistou espaço e visibilidade com papéis de destaque na televisão e no cinema. Aos 25 anos já tem uma intensa carreira com 11 filmes brasileiros, 9 novelas, incluindo “O Sétimo Guardião”, no ar às 21h na Rede Globo, na qual encarna a ambiciosa Lourdes Maria. No telão está em "O Grande Circo Místico", dirigido por Cacá Diegues, que teve estreia mundial no Festival de Cannes este ano e foi escolhido para representar o Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019. Neste longa metragem o processo de preparação para interpretar a circense Beatriz foi um trabalho de imersão no corpo com aulas regulares de yoga, circo, contorção e dança do ventre durante seis meses, o que segundo Bruna, foi uma experiência de entrega profunda e importante para a construção da personagem. Atenta e consciente sobre os desafios de se trabalhar com arte no Brasil, a atriz reconhece o privilégio e a oportunidade de ter tido uma boa estrutura e preparo para as filmagens e diz ter ficado feliz com o resultado. Foi a primeira parceria de Bruna com o premiado cineasta Cacá Diegues, um dos fundadores do Cinema Novo e referência no cinema nacional. No elenco de “O Grande Circo Místico” está ao lado de nomes como Antonio Fagundes, Juliano Cazarré, Jesuíta Barbosa, Mariana Ximenes, o ator francês Vicent Cassel, entre outros, com toda trama embalada pela a trilha sonora de Edu Lobo e Chico Buarque.
A pouca idade não esconde a maturidade visível com que conversa sobre assuntos complexos e contemporâneos. Engajada nas causas sociais e políticas, principalmente quando relacionadas a mulher e ao movimento LGBTQIA (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexual), Bruna se posiciona com frequência e abertamente sobre os ativismos, especialmente em seus perfis nas redes sociais. No Instagram, com quase um milhão e meio de seguidores, sempre provoca seus seguidores e questiona-os sobre a pressão do padrão de beleza imposto às mulheres. No meio virtual também divulga seus projetos, o dia a dia nos sets de gravações, divide novos conhecimentos, posta retratos sem filtros e maquiagem e expressa sua maneira livre de ser. Ao compartilhar sua história de forma transparente e espontânea, Bruna foge ao modelo do artista idealizado e se mostra real, de carne e osso, como qualquer ser humano.
Nascida em Corupá, cidadezinha de 10 mil habitantes no interior de Santa Catarina, cresceu cercada por florestas e cachoeiras, e daí vem o grande amor pela natureza. No Norte do país se encantou com as belezas naturais de Alter do Chão, no Pará, e do Rio Negro, no Amazonas. Apaixonada pela diversidade do mundo e as muitas maneiras de nele existir, Bruna acolhe e abraça todas as suas vontades. Poderia ser arquiteta, historiadora, filósofa, jardineira, seria feliz como babá de cachorros. Mas, no momento, é atriz. E vive os caminhos abertos para as suas personagens e para os seus desejos que são infinitos. Com a revista Leal Moreira, Bruna Linzmeyer bateu um papo sobre a carreira artística, liberdade feminina, ativismos, planos futuros, Amazônia e o carinho que tem pelo Pará.
Você se descobriu meio que por acaso na profissão de atriz e logo conquistou espaço e visibilidade com papéis de destaque na televisão e cinema. O que te marca nessa descoberta? O que você aprende e gosta nessa carreira?
Gosto das infinitas possibilidades que o ofício de atuar traz. Conhecer outras realidades, criar outras lógicas de pensar, adentrar um outro ritmo de mundo, dependendo da personagem, da equipe com que se trabalha, do assunto que se resolve falar. Gosto da não-permanência, de que a cada ano, ou a cada seis meses o trabalho muda completamente, muda de jeito, muda de cidade, mudam as pessoas a minha volta. E de uma maneira mais íntima, gosto de ser atravessada pelas cenas, pelas personagens que faço, gosto de abrir meu peito meus poros e rir, me emocionar, ser atazanada por algo que não sou eu, mas que me permito ser. Quando faço novela, gosto de conversar com as pessoas, das conexões que se tornam possíveis, entre eu e pessoas que nunca vi na vida no meio da rua, por causa de uma novela.
"O Grande Circo Místico", filme no qual você atua, teve estreia mundial no Festival de Cannes este ano e foi escolhido para representar o Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2019. Como foi receber essa notícia e trabalhar com o Cacá Diegues? Conta um pouquinho sobre a experiência e preparação para o filme.
Foi uma experiência importante pra mim, o processo e as filmagens do circo. Tivemos o privilégio de ter meses de ensaio e isso é muito raro, pelas questões financeiras que nosso cinema nacional enfrenta. Mas tive essa oportunidade: de fazer aulas de circo, contorção, yoga e dança do ventre para viver essa contorcionista. Pude acessar, através de um trabalho profundo com meu corpo e descobrir nele quem era Beatriz. A personagem foi surgindo aos poucos, de uma maneira fluida, sem racionalizar o processo. Conseguimos até não usar dublê para as cenas, e aproveitar algumas coisas que consegui fazer. Fico, obviamente, feliz demais de ter conhecido e trabalhado com o Cacá, essa figura tão importante pra história do nosso país e do nosso cinema. E feliz também com a trajetória que o filme está tomando. Os festivais de cinema, desde os menores até os maiores, como Cannes, são essenciais para que o cinema continue existindo, para que novas conexões aconteçam, para que os filmes possam ser vistos de uma maneira diversa. É uma alegria enorme poder acompanhar esses festivais.
Você faz parte de uma nova geração de atrizes que questiona abertamente a pressão de beleza sobre as mulheres e artistas da televisão e cinema. Como você se vê sendo parte desse movimento de desconstrução de um padrão estabelecido e o que você percebe de mudança no seu próprio meio profissional?
Acho importante nos questionarmos sobre caixinhas de gênero, sexualidade, raça, classe e plasticidades. Por que essa necessidade de regularidade/ homogeneidade/ conformidade? Quantas coisas são compulsórias na nossa vida? Nossas diferenças e diversidades me encantam e tecem o mundo que eu acredito. Que cada uma e um possa ser o que quiser. É preciso uma pesquisa íntima em cada um de nós para que a gente descubra o que realmente quer, individualmente, sem obrigatoriedades. O que te deixa feliz? Onde você tem tesão? Em quem? De onde vem sua paixão? São perguntas que parecem clichês, mas a construção da nossa sociedade nos leva a não tocar nos nossos reais desejos.
Você é super ativista do feminismo e das questões LGBTQIA . Quais os seus desafios na representatividade dos personagens femininos? Como você nota as possibilidades para as mulheres trans artistas?
Acho e quero acreditar que estamos, aos poucos, caminhando. Na minha área de trabalho, com mais cotas em editais públicos, mostras, festivais, para que mais mulheres, pessoas LGBTQIA , pessoas negras, pessoas de outros pertencimentos geográficos e sociais tenham espaço, dinheiro, e oportunidade de serem autorxs de suas próprias histórias. Mas, para além das instituições, essa é uma tarefa diária e de cada um de nós. Quando você tem oportunidade de chamar alguém para trabalhar, pensar e tentar chamar mulheres, pessoas LGBTQIA , pessoas negras, de outras realidades geográficas e sociais. E entender que isso será produtivo e bom para o seu próprio trabalho. Que as diferenças e diversidades só tem a contribuir com o mundo. A torná-lo mais divertido e possível pratodxs.
Você já declarou que adoraria exercer outras profissões, estudar história, filosofia, morar fora do país e que talvez não seja atriz a vida inteira. Fala um pouco sobre isso. Tem a ver com a sua liberdade?
É, talvez tenha a ver com liberdade, com o tamanho e variedade das minhas vontades, tantas coisas são possíveis… mas nesse momento meu exercício é não fechar nenhuma caixinha, nem nenhuma porta, nem nenhuma janela. E seguir vivendo.
O Pará é muito falado pela sua cultura, especialmente a música e a gastronomia. O que você conhece e gosta na região?
Tenho muito carinho pelo Pará, alguns amigxs também. Estive em Belém com Aíla essa artista maravilhosa que vocês têm, e em Alter no Chão com amigxs que moram lá. Sou fãzona de Dona Onete, Gaby Amarantos, Jaloo, Aíla, Luê, Samliz. Também adoro a Marara Kelly, os pensamentos, alegrias e questionamentos que ela traz. O jambu, o sotaque… :)
Como pensa os próximos passos na carreira?
Bom, tô fazendo a novela até maio, [além de] e um filme esse mês da Yasmin Thayná e Lucício Jota, chamado Escândalo. Alguns outros filmes [estão] programados pra quando a novela acabar: “O Que Resta” de Fernanda Teixeira e “Partiu Paraguai”, de Daniel Lieff pra lançar... e os desejos são infinitos… :)
Como se imagina daqui a uns anos?
Amando e sorrindo :)