Com humor, com afeto

Simples e consciente de seu papel na música, Jay Vaquer faz show em Belém e fala de sua relação com os fãs

30/03/2012 14:48 / Por: Camila Barbalho/ Fotos: Dudu Maroja
Com humor, com afeto

Ouça Paul McCartney, Peter Gabriel, Legião Urbana, Caetano Veloso. Junte tudo com literatura, com influência de outras artes. Embora ele esteja ali, não estará nessa ou em outras misturas o som do carioca Jay Vaquer. Estará no código genético privilegiado, talvez: filho de Jay Anthony Vaquer - o prestigiado e eterno guitarrista-parceiro de Raul Seixas – com a cantora paraense Jane Duboc, o cantor e compositor é um daqueles que proporcionam certa sensação de reconhecimento em seu trabalho, mas de muito pouca associação. Pop, rock, MPB? Nada disso. E tudo isso, também.

A peculiaridade do som é provável reflexo da peculiar e forte personalidade: Jay não faz média ou eufemiza opiniões. Assim como sua música, não é do perfil dele encaixar-se em um estereótipo – há dureza nos posicionamentos, mas há humor e afeto, principalmente com os fãs. Espelho do seu próprio trabalho, a figura do compositor é complexa e cheia de variáveis, mas nem por isso difícil. A naturalidade das posturas rendeu ao artista certo distanciamento da grande mídia. Por outro lado, rendeu também uma horda de fãs ansiosos pela oportunidade de ver seu ídolo driblar as dificuldades e trazer sua banda a Belém.

Estavam todos lá, em uma livraria, aguardando um bate-papo com ele, quando Jay recebeu a redação do site Leal Moreira para uma breve e exclusiva entrevista. Extremamente simples e consciente do seu papel, ele falou sobre início, meio e os muitos fins de seu trabalho com a retórica que lhe é característica. Tudo rapidinho, porque além da conversa no auditório da loja, ainda tinha o futebol combinado com os fãs pelo twitter.

Seu pai era guitarrista do Raul Seixas. Sua mãe, embora tenha ficado mais conhecida como cantora de MPB, teve uma das bandas mais interessantes do rock nacional, o Bacamarte. Como crescer cercado de rock influenciou você, e em que momento você decidiu que viveria disso?

A verdade é que minha lembrança dessa fase é remota, porque eu era bem pequeno quando meus pais se separaram. O que me influenciou mesmo foi a questão do habitat. A minha mãe me levou muito pra estúdio, bastidores... Cansei de amanhecer debaixo da mesa de mixagem, de fazer lição de casa no estúdio. Aí eu lembro que com dez anos minha mãe me colocou pra gravar porque precisavam de uma voz de criança para um jingle, e foi quando eu percebi que podia viver daquilo. Quando eu entrei na adolescência, eu fugi um pouco, porque eu imaginei que eu fosse ter uma cobrança que era muito mais uma fantasia minha. Mas hoje dá pra ver que era bobagem. Minha mãe nunca falou “você tem que cantar que nem eu”. Aí fui fazer uma faculdade de comunicação, e como eu era muito tímido, fiz um curso profissionalizante de artes cênicas, e foi tudo muito importante pra mim.

E o que impediu você de tentar a sorte em Projacland? (referência à música “Estrela de um Céu Nublado”, de Jay)

A paixão pela música. A resposta, para ser franca, periga ser arrogante: eu percebi que se eu enveredasse por aí, mesmo adorando teatro, eu seria no máximo mais um. Eu sei que, como cantor, também sou mais um. Mas acho – e é aí que vem a parte da arrogância – que eu tenho uma relevância, e pode ser que as pessoas deem esse valor daqui a vinte anos, talvez postumamente (risos)... Eu acho que isso é o que me justifica como artista, e justifica também o formato dos meus shows, só com músicas minhas. Eu não toco violão no palco, por exemplo, porque esse violão seria mais um. Cantar, não tem jeito, é como dá pra expressar o que eu preciso. Se você procurar no American Idol, vai encontrar um milhão de cantores melhores que eu. Mas eu sei que posso compor bem, e faço isso com muita verdade e vontade. O ofício de compositor prevalece, e acho que isso explica porque eu não fui para Projacland (risos).

Como o Jay compositor é influenciado pelo publicitário e pelo ator?

Eu acabo tentando respeitar esses ofícios. Eu sou formado, mas não posso dizer que sou um publicitário porque eu não estou nesse mercado. Me formei há um tempo, e o cenário já mudou. E ator eu também não sou. Mas claro que, com isso, eu li coisas que não teria lido, experimentei coisas que não teria experimentado... Aí na hora de falar sobre o meu trabalho, eu posso falar melhor, na hora de desempenhar meu papel com o público, eu consigo fazer isso melhor. Na relação com o palco, isso foi muito importante.

Muita gente, entre crítica e público, compara você ao Renato Russo. Você poderia tentar explicar o porquê disso?

Inicialmente, eu não vejo muita semelhança, mas pra mim isso é uma honra. Embora o trabalho dele seja eterno, ele faz uma falta imensa. Como eu gostaria de falar “o que o Renato Russo vai lançar esse ano?” ou “que ideias ele propõe?”... Agora, o porquê da associação pode vir pela melodia bem trabalhada, com letras que não são baboseiras, do tipo “meu amor, volte pra mim que eu estou com saudade”. Ele tinha uma coisa que eu também tenho, que é a faceta romântica e a faceta rebelde, contestadora, crônica social, dedo na cara. A parte romântica ele até exacerbava, essa coisa Laura Pausini (cantarola Strani Amori)... Eu não chego a tanto, mas adoro o Renato Russo. Tanto que participei da homenagem a ele no Som Brasil (da rede Globo), pude fazer versões de grandes músicas dele... Cresci ouvindo esse cara.

Os jornalistas não conhecem seu trabalho, e isso gera a necessidade de sempre ter que se apresentar do zero em entrevistas, principalmente porque precisa dessa divulgação. Depois de doze anos, essa relação com a mídia é exaustiva? Avaliando de um modo geral, existe alguma carga de frustração ou esse é o preço a pagar pela sua sinceridade excessiva?

 Não tem nenhuma frustração, pelo contrário. Eu tenho muita convicção do que eu quero fazer. Por exemplo, eu jogo futebol no Rio com um amigo que está sempre nas revistas. Ele me convidou para um sarau de artistas em uma ilha, que teria uma cobertura enorme. Eu falei “pô, meu irmão, tô fora”. Não pensei dez segundos. Porque eu não me vejo em colunas sociais. Por que eu vou ser falso? Então eu pago o preço que for, mas não quero estar nessas publicações. Não quero estar tomando vinho em um castelo cafona. Meu trabalho é outra coisa. Meu lance não é a busca pela fama, é levar adiante um trabalho. E eu tenho o resto da minha vida pra fazer isso. Eu quero que os trabalhos sejam relevantes e perdurem. Esse CD (“Umbigobunker?!”, o trabalho mais recente) eu lancei em agosto do ano passado, mas eu pretendo que algo nele ainda seja relevante daqui a dez anos. Essa é a minha ambição. Eu não sou imediatista. É difícil pra caramba, mas eu consigo sobreviver. Consigo vir fazer um show em Belém com a banda. Isso é muito gratificante. Sobretudo porque eu não estou desesperado. A gente se vira, né? Aí vou fazer música pra peça, fazer outras coisas pra pagar as contas. E assim a gente vai. Conserva a dignidade e vai convicto.

SERVIÇO:

Jay Vaquer - show "Alive in Belém"

Sexta-feira, 30 de março, 21h

Gold Mar Hotel - Rua Professor Nelson Ribeiro, 132, próximo à Fundação Curro Velho

Outras atrações: Banda Open Bar e DJ Marcus Ayres

Ingressos: R$40 inteira, R$20 meia

Classificação: 18 anos.

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