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Exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, apresenta obras de Frida Kahlo e outros expoentes do surrealismo mexicano
É a própria Frida quem nos recepciona. Sentada em uma cadeira de madeira, com olhar compenetrado, parece convidar para uma marcante viagem à sua tumultuada intimidade, revelada nas 20 telas e 13 obras sobre papel que compõem a mostra Frida Kahlo: conexões entre mulheres surrealistas no México, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, até 16 de janeiro de 2016.
Frida é o fio condutor da exposição que abriga outras 100 obras de 16 artistas, com recorte especial em mulheres nascidas e radicadas no México, protagonistas de marcantes produções. Mesmo sem conhecer a história de cada uma, através das paredes da galeria, é possível perceber suas conexões, seja no estilo surrealista que as une – com cores fortes, seres míticos, figuras exacerbadas e uma forte representação plástica do subconsciente –, seja nos dramas emocionais e dores físicas.
São mulheres que viveram no México ou passaram temporadas produzindo na região. “Nem todas são mexicanas. Entre elas estão mulheres exiladas que chegaram da Europa e conheceram Frida em sua exposição em Paris (1939), como a francesa Alice Rahon, a espanhola Remedios Varo e a inglesa Leonora Carrington. “Jaqueline Lamba, por exemplo, se encontrou com Frida quando viajou com André Breton ao México”, conta a pesquisadora e historiadora Tereza Arq, curadora da exposição.
Remedios Varo, por exemplo, apresenta o sofrimento e o isolamento causados por uma enfermidade na tela intitulada ‘Dor reumática 1’. A obra claramente nos remete à história de vida de Frida, marcada pela poliomielite contraída na infância e pelo acidente de bonde sofrido aos 18 anos, causador de múltiplas fraturas e um longo período acamada.
“No México, Remedios é tão admirada quanto Frida. É uma artista extraordinária, assim como Leonora Carrington e suas telas misteriosas com um sincretismo de influências que vão desde a magia, a alquimia, a cabala, o tarô, a astrologia e a mitologia das civilizações ancestrais”, ressalta a curadora.
Também engrandecem a mostra as fotografias de Lola Álvarez Bravo, Lucienne Bloch e Kati Horna. Imagens de Frida estão impregnadas ainda nas lentes de Nickolas Muray, Bernard Silberstein, Hector Garcia e Martim Munkácsi. Sem esquecer, é claro, de um vídeo e reproduções de uma série de vestimentas iconográficas da artista.
Sofrimento e inspiração
Foram justamente os dolorosos acontecimentos da vida que inspiraram grande parte do trabalho de Frida Kahlo. Logo após o acidente da juventude, começou a pintar freneticamente para preencher o vazio da solidão e extravasar seus sentimentos.
Sua fascinação pelo autorretrato (55 das 143 obras produzidas em sua carreira) começou quando sua mãe pendurou um espelho em seu quarto e ela passou a representar-se nas telas, revelando detalhes de seu corpo e pensamentos. ‘Eu pinto-me porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor’, disse em certa ocasião.
Seis desses autorretratos da artista estão na exposição, entre eles, o que aparece cercada de macacos (Autorretrato con mono. 1938.) logo na entrada da galeria principal, e uma das mais famosas telas da pintora (Diego en mi pensamiento. 1943.), em que mostra o amor e devoção por Diego Riviera, com quem viveu um conturbado casamento.
Riviera, aliás, é tema recorrente nas pinturas da artista, fosse numa pintura simples ou em uma representação surrealista e “sagrada” da relação, como na tela ‘El abrazo de amor del Universo’(1949). Na obra, vemos representações mexicanas do dia e da noite, da lua e do sol, da vida e da morte, cercando Frida que abraça Diego nu em seu colo, o que para muitos estudiosos da obra da artista retrata a multiplicidade do sentimento por Diego: um amor de esposa, mãe, filha e irmã.
Em uma das paredes da galeria, sem o destaque do fundo verde, está a representação de um dos maiores sofrimentos da vida da artista: os abortos sofridos em decorrência de sequelas do acidente de bonde. Na litografia ‘Frida y el aborto’ (1932), ela representa a si mesma logo após a perda de um de seus filhos com Diego.
“Frida era um personagem único. Ela rompeu pela primeira vez a linha divisora entre o âmbito privado e público ao representar a si mesma, explorando seu corpo em seu nascimento ou durante um aborto”, explica Teresa Arq, ressaltando ser este também um traço de sua renúncia à fragilidade feminina. “Naquela época, o México era um país muito conservador e majoritariamente católico. Frida era uma mulher sumariamente livre”.
Surrealista ou realista?
Apesar do surrealismo ser evidente na obra de Frida, a artista não considerava seu trabalho surreal. “Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade”.
Para a curadora, a relação da artista com o estilo é controverso. “Frida era uma artista culta e conhecia o surrealismo através de publicações e de suas amizades que viajavam à Europa. A relação é ambígua porque todos os artistas assimilam coisas em nível consciente e inconsciente e os integram a sua própria visão do mundo”, comenta a curadora.
“O que é indiscutível é que Breton (escritor francês, poeta e teórico do surrealismo) foi a figura fundamental para lançar Frida a uma carreira internacional. Ele escreveu o prólogo de sua exposição na galeria Julien Levy, que só mostrava obras surrealistas, organizou sua primeira exposição em Paris e a integrou ao grupo surrealista parisiense”, completa, informando que quando foi organizada a exposição Internacional do Surrealismo no México, “Frida escreveu que todos estavam se convertendo em surrealistas para participar dela”.