Fernanda Montenegro. Chico Anysio. Nelson Pereira dos Santos. Ferreira Gullar. Maria Bethânia. Gilberto Gil. Ziraldo. Eduardo Coutinho. Amora Mautner. Chico Buarque. Dominguinhos. Esses são apenas alguns dos nomes que integram o portfólio do fotógrafo Daryan Dornelles, que, ao longo de quase duas décadas, vem se dedicando a fotografar personalidades de destaque no mundo artístico em sua forma mais concisa: a dos retratos. Dornelles é autor de mais de uma centena de imagens de capas de discos. E há nada menos que mil retratos feitos por ele, de artistas e personalidades, que estamparam diversos jornais, sites e revistas de circulação no Brasil e no exterior. Em 2011, foi convidado a participar do livro Unlimited Grain Portraits com dois de seus registros: os retratos do ator Alexandre Borges e o da líder da banda nova-iorquina Yeah Yeah Yeahs, Karen O.
Nada mau para quem começou na fotografia quase por acaso. Ele tinha pouco mais de 20 anos quando fez as primeiras imagens "profissionais", ainda que sua escolha para a função tenha se dado em um momento de improviso. "Eu era nadador e estava em Santiago, no Chile, para uma competição. Só que perdi o voo e meu técnico, irritadíssimo, comentou, em tom de bronca: %u2018estamos atrasados, e agora, além de tudo, ainda tenho de providenciar urgentemente um fotógrafo para registrar a prova%u2019". Como não estava disposto a nadar - preferindo se poupar do frio chileno -, Dornelles se ofereceu para fazer as fotos. Foi o seu primeiro contato direto com o ofício e, daquele instante em diante, não iria mais deixar a fotografia. À época, era estudante do curso de Jornalismo e Cinema, na Universidade Federal Fluminense (UFF) e já tinha algum domínio técnico e intimidade com as câmeras, que manipulava em seu estágio como foquista (profissional de cinema que trabalha para garantir o foco do objeto filmado pelo operador de câmera).
Dornelles já havia passado pelos cursos de Geografia e Psicologia, sem conseguir se identificar muito. "Me encontrei mais no curso de Comunicação, com um grupo que gostava de imagem e curtia conversar sobre diversos assuntos relacionados ao mundo cultural". Este momento foi determinante para que ele encontrasse seu próprio caminho e delimitasse um estilo particular. "Quando comecei, o retrato foi o que imediatamente mais me interessou na fotografia. Sempre gostei dessa etapa de falar antes com o personagem, de poder montar a imagem, aplicar a minha luz, fazer a minha foto", pontua.
Agora que construiu um portfólio com retratos de artistas de diferentes núcleos, da literatura ao cinema, artes plásticas, teatro e televisão, decidiu que a música seria o tema de seu mais acalentado trabalho: um livro apenas com retratos de personagens da música brasileira, incluindo cantores, compositores e produtores. O lançamento de "Retratos de músicos do Brasil", título ainda provisório, está previsto para o início de 2014, pela Sonora Editora. E por que a música, afinal? "Porque eu gosto mais de música, sou muito apaixonado. Até tentei tocar algum instrumento, só que não levo jeito. Não nasci para ser músico, mas para consumir música e fotografar quem faz música", responde ele, segurando entre os dedos a sacola com os discos que acabara de comprar na feira de vinis do bairro vizinho ao local que ele sugeriu - estrategicamente - para a nossa conversa. Entre as novas aquisições, que vão se juntar aos outros cinco mil vinis de sua coleção, estavam os discos "A Divina Comédia"; dos Mutantes, "Metal Metal", do Metá Metá; e "Maria Fumaça", da banda Black Rio.
Os diferentes gostos, interesses e preferências musicais de Dornelles se juntam, em alguns momentos, às suas referências visuais, de forma intencional - ou não necessariamente. No final do ano passado, ele produziu uma série de fotografias do cantor e compositor Gilberto Gil, para a matéria de capa da (extinta) revista Bravo! (edição 184). Como na reportagem fala-se da influência de Luiz Gonzaga na trajetória do músico baiano, a pauta de Dornelles indicava apenas que ele deixasse Gil à vontade o suficiente para encarnar seu mestre, empunhando uma sanfona. Gil posou com o instrumento tal qual Gonzagão, mas foi além. "Durante o ensaio, ele começou a levar as mãos ao rosto. Eu achei que estava ficando bom, incentivei a continuar fazendo os gestos e saiu uma sequência dessas fotos", detalha. Só na pós-produção, já com os editores da revista, percebeu que fizera uma releitura da foto icônica de Miles Davis, capturada pelas lentes de Anton Corbijn, para o álbum Tutu, de 1986. "Aquilo foi totalmente involuntário, mas achamos superválido fazer essa referência. Os editores gostaram tanto da força dessa imagem que a escolheram na hora", lembra-se Dornelles, que nos seus tempos de leitor da (também extinta) revista Bizz, especializada em música, admirava as fotos assinadas pelo fotógrafo paulistano Rui Mendes, responsável pela maioria das capas de discos mais importantes do rock nacional da década de 1980.
Devido à sua própria natureza, o retrato é uma imagem que estabelece proximidade imediata entre o fotografado e quem vê. Inevitavelmente, essa proximidade precisa ser conquistada antes, por quem fotografa. "O retrato transmite a confiança do personagem retratado no fotógrafo. Por isso não é fácil fazer um retrato; não é só chegar, colocar a câmera e dar um clique" defende ele, que diferencia seu trabalho do de um fotógrafo de imagens factuais: "Um retrato não é um flagrante. É uma imagem composta, montada. Você tem o comando das coisas, é a sua ideia, a sua luz, o que você imagina. É como eu vejo aquela pessoa e é daquela forma que eu gostaria que os outros a vissem também".
A proximidade é tamanha que, não por acaso, Dornelles costuma ouvir dos retratados indicações do tipo "prioriza o close nesse lado do meu rosto, porque esse lado eu acho mais bonito", às quais ele contrapõe: "Ok, vamos fazer desse lado", mas acaba fotografando o outro lado também - "só por garantia", brinca. Vaidades à parte, as frases mais recorrentes que ele ouve após a sessão são "Nossa! Mas já acabou?", "Puxa, que rápido!", "Ufa! Que bom!!!". De cinco a, no máximo, dez minutos. Esse tempo é mais do que suficiente para que Dornelles faça um retrato. "Vou tão focado para a sessão, com tanta certeza do que quero fazer, que não consigo ficar muito tempo. É como se eu criasse uma pré-imagem na minha cabeça".
Mas se o tempo que ele leva para fazer o trabalho é tão curto, é justamente porque antes do encontro com o artista a ser retratado, Dornelles executa um processo de pesquisa sobre sua vida e obra, estuda minuciosamente a personalidade, os gostos e características físicas que possam ser relevantes para a composição do retrato. Por fim, utiliza todo esse referencial a seu favor no momento em que aperta o botão e finaliza o registro. "Pesquiso sobre o que ele gosta, vejo imagens anteriores dele, procuro referências de pessoas que têm trabalhos similares ou por quem ele tem admiração, analiso seu perfil e características estéticas que indiquem com o que aquela pessoa combina mais: roupa, luz etc. Na hora, converso com o fotografado e faço sugestões: %u2018acho que essa roupa pode ser boa para a foto. O que você acha?%u2019... Enfim, tento mostrar que ele fica bem daquele jeito", detalha.
Apesar da dedicação à fotografia, o tema raramente está no centro de suas conversas com amigos. "Eu falo muito mais sobre música e futebol do que qualquer outro assunto", resume o carioca, que é torcedor do Vasco da Gama. Dornelles diz ainda ter pouquíssimos amigos no meio fotográfico - com exceção dos sócios Edu Monteiro e Andrea Marques, com quem montou, há 10 anos, o Estúdio Fotonauta. "Ao longo desse tempo todo, nunca brigamos por nada", garante. Atualmente, a empresa funciona em Santa Tereza, bairro famoso por suas ladeiras, clima ameno e a notória capacidade de atrair artistas de diferentes segmentos. Mas o grupo está de mudança. Dentro em breve, eles ocuparão um dos espaços da antiga fábrica Bhering, na região portuária do Rio de Janeiro, onde se juntarão a artistas plásticos, designers, estilistas, desenhistas e editores independentes, entre outros criativos.