Ele nasceu Jorge Fernando Pinheiro de Jesus, em Amadora, 1954, nos arredores de Lisboa. Mas Jorge Jesus foi rebatizado na Gávea. Cabelos grisalhos e desalinhados, Jorge Jesus atende por muitos nomes: ídolo, santo, salvador, gênio ou, simplesmente, como a nação rubro-negra gosta de chamar: o Mister.
O grito ficou famoso nos estádios. “Olê, Mister!”, “Olê, Mister!”. Entoavam os torcedores do Flamengo, encantados com o desempenho do time em campo. Seja com qual nome, os torcedores se apaixonaram pelo técnico de futebol português, que deu ao clube duas conquistas históricas: campeão nacional e continental em um mesmo fim de semana.
Em novembro de 2019 , o Flamengo sagrou- se campeão da Copa Libertadores da América num sábado, em Lima, no Peru, enfrentando e batendo o forte rival argentino River Plate por 2 a 1. E não só venceu. Venceu historicamente, inacreditavelmente, quase que milagrosamente, fazendo dois gols em dois minutos e virando o placar da partida no fim do jogo. Enquanto os torcedores ainda gritavam, meio incrédulos, em comemoração ao título, no dia seguinte, domingo, uma combinação de resultados deu ao Flamengo o Campeonato Brasileiro. A dupla conquista na mesma temporada só tinha sido igualada pelo Santos de Pelé, em 1963, há 56 anos. E mesmo assim não num prazo tão curto. Em 24 horas, o Flamengo era bicampeão da Taça Libertadores da América e hepta campeão do Campeonato Brasileiro. A famosa “nação” rubro-negra, que já estava apaixonada, jogou-se aos pés de Jorge Jesus.
Idolatrado pela torcida portuguesa, principalmente pela do Benfica, um dos maiores times de Portugal, Jorge Jesus nunca conquistou grandes títulos europeus. Tinha uma carreira vitoriosa, mas não tinha renome mundial. Ex-jogador, vestiu a camisa de 12 clubes portugueses, até se tornar técnico em 1990. Levou o Amora Futebol Clube à Segunda Liga, chegou à final da Taça de Portugal como técnico do Belenenses, venceu a Taça Intertoto como treinador do Braga e, no Benfica, ganhou dez títulos e alcançou duas finais da Liga Europa.
Mas, no Flamengo, Jorge Jesus virou Deus. Levou o incerto Flamengo do início do ano para uma conquista que já é histórica e mais: vai disputar o Mundial Interclubes em dezembro. “É um título também muito importante para o Brasil. É preciso agora ter fé para conquistar, e pra isso eu conto com toda a estrutura atrás de mim, ninguém ganha nada sozinho”, diz. Logo depois da conquista, Jorge Jesus, depois de desfilar em carro aberto pelas ruas do Rio de Janeiro, ser adorado pela torcida, ainda recebeu o título de cidadão carioca da Câmara dos Vereadores do Rio. Na cerimônia, falou com a imprensa brasileira e internacional sobre a excelente fase que vive. Fica no Flamengo? “Se depender do coração, sim, mas vamos decidir na hora certa”. O que espera deixar de herança? “Meu legado será para as crianças”. Emocionado, voz embargada, olhos lacrimejando, Jorge Jesus agradeceu o título e confirmou que está apaixonado pelo Flamengo. Se depender da torcida, esse sonho não vai terminar.
Como o senhor se sente sendo
agora cidadão carioca?
Jorge - É uma mistura de sentimentos, não é só desportiva, mas também sentimental. Antes de ser cidadão carioca eu já era cidadão brasileiro. Estou num país que fala a mesma língua, e até nós portugueses sabemos melhor, porque nossa história nos obriga a conhecer muito do Brasil, tudo isso está ligado. Portugal está ligado ao Brasil desde 1500. Antes de ser carioca eu já era cidadão brasileiro. Sempre aprendi que Brasil e Portugal são países irmãos. Sinto grande orgulho, tem um grande significado. Um dos motivos disso é o Flamengo. Não vou me cansar de dizer que o Flamengo é o maior clube do mundo. As conquistas desportivas do Flamengo, nesses últimos meses, têm sido das mais importantes da minha vida.
O senhor pretende continuar no Brasil?
Jorge - Vou continuar, tenho contrato com o Flamengo até maio. O importante neste momento é que estamos numa competição muito importante para o Flamengo, para o povo brasileiro, para todos os jogadores, para os torcedores do Flamengo, que é o campeonato do mundo. Esse é o nosso foco. Outras coisas naturalmente vão ser resolvidas pela força das circunstâncias.
Depois de todos esses meses, a equipe já está jogando como o senhor quer, ou ainda há alguma coisa a melhorar?
Jorge - Bom, eu não queria entrar muito em questões sobre a equipe do Flamengo, eu hoje estou aqui, como treinador do Flamengo, é verdade... mas também estou aqui como cidadão português, e agora também como cidadão carioca e também brasileiro. Essa minha homenagem hoje aqui tem um significado muito sentimental pra mim. É verdade que, dos troféus da minha carreira, esses foram os mais importantes, mas eu também já ganhei muitas coisas importantes em Portugal. Mas isso mexeu comigo. Por isso, já agradeci, nessa casa bonita, não só aos brasileiros, mas também a todos os vereadores. Por terem lembrado e reconhecido que eu, por ser treinador do Flamengo, fiz coisas importantes, mas há muitas outras coisas importantes a fazer no Brasil. Pretendo lançar um livro e um percentual das vendas desse livro eu pretendo doar para uma instituição do Rio de Janeiro.
O que o senhor acha desse feito, de ter sido campeão Continental e nacional em tão pouco tempo, um feito que só tinha sido alcançado pelo épico time do Pelé, o Santos?
Jorge - Isso faz parte da vida de um treinador, mas eu estou tão emocionado (a voz fica embargada), que não tenho falado muito, falo mais em nome do Flamengo. Mas eu estou aqui hoje, diante de tanta gente do Flamengo, também de sua diretoria, que soube transformar as ideias que nós tínhamos pro time. Foi o casamento perfeito. O que vai dentro de mim é um sentimento bom, é a forma carinhosa, profissional, a maneira como eu fui recebido pelo Flamengo. Pra mim, isso teve o significado especial de ter me transformado numa pessoa que pode ser tomada como referência, não só para os jogadores do Flamengo mas... Eu sempre mexo com as crianças. Em Portugal eu já trabalhava com crianças. E eu espero deixar boas lembranças para os jovens do Brasil e principalmente do Rio de Janeiro.
Quais são as próximas estratégias agora? Como estão os preparativos para o mundial?
Jorge - Bom, agora vamos ter um tempo para pensar no mundial. É um título também muito importante para o Brasil. É preciso agora ter fé para conquistar, e pra isso eu conto com toda a estrutura atrás de mim, ninguém ganha nada sozinho. Por isso ganhamos esses dois títulos importantes, aqui no país e fora do Brasil. Agora temos mais um título para ganhar fora do Brasil, e temos todas as condições como equipe e como estrutura para chegarmos a ele. Eu aprendi muita coisa no Brasil, e tenho aprendido. E tenho aprendido com um povo que é maravilhoso. Na Europa, não somos muito bons em expressar nosso sentimento, mas eu tenho aprendido. Nesse momento não passa mais nada na minha cabeça que não seja trabalhar pelo Flamengo. O que eu sei hoje, com muita certeza, é que temos um objetivo pra conquistar para a “nação”.
O senhor já se admitiu um apaixonado pelo Flamengo, se tiver um convite pro senhor permanecer, qual é a sua vontade? Quais são os planos pra depois do fim do contrato?
Jorge - Não é fácil pra mim responder
essa pergunta diretamente. Se for
pelo coração, claro que eu gostaria
de ficar no Flamengo. Mas para além
disso há outros fatores que são importantes, que devem ser levados
em conta na vida de um treinador.
Mas vamos passo a passo, todos,
pensando no que é melhor para o
Flamengo, o que é melhor pra mim.
E quando tivermos que decidir, vamos levar em conta não só as decisões profissionais, mas também as
afetivas, porque as afetivas já estão
no meu coração. Nós vamos decidir
da melhor maneira.