“Quando a minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é a casa do Oscar.” A famosa declaração de Chico Buarque faz referência a um presente que a família dele recebeu de Oscar Niemeyer: o anteprojeto de uma casa, a ser construída no Rio de Janeiro. A obra nunca saiu do papel, mas foi como a representação, na infância de Chico, de um lugar ideal para viver. Mas, que lugar seria esse? Sabe-se, pois, que a música, da mesma forma que a arquitetura, é pura matemática. No entanto, pelas mãos de Oscar e Tom, ambas foram capazes de alcançar uma dimensão possível, entre a racionalidade, a técnica e a emoção.
A respeito de Oscar Niemeyer, o mundo conhece primeiro o grande arquiteto, autor de mais de 500 projetos, que se tornaram cartões-postais. Poucos conhecem, porém, o homem sensível, ligado à família, humanista e solidário. A respeito do segundo, o fotógrafo Kadu Niemeyer sabe bastante. O ‘dindo’, como ele o chama, foi quem o ensinou, desde muito cedo, a apurar o olhar sobre o mundo e as pessoas. “Meu avó foi o mesmo que um pai. Ele me criou, me ensinou tudo”, conta.
Kadu Niemeyer entrou em contato com o fazer artístico no ambiente familiar. “Aos 14, 15 anos, eu fui induzido à arte pelo meu avô”, recorda. Para incentivar a leitura do neto, Oscar o presenteou com toda a coleção de Monteiro Lobato. “Ele me pagava por página lida. Para receber, eu tinha que fazer um resumo dos textos”, conta aos risos.
Profissionalmente, a fotografia se impôs a partir da arquitetura. “Ganhei uma máquina e o meu avô me encarregou de fotografar as maquetes dele”, lembra Kadu, salientando que dessa experiência ficou a lição: “Você deve estar o mais próximo possível da realidade. Uma maquete não se trata de um produto. A imagem deve traduzir a obra com apuro e fidelidade”.
O começo em Paris
Durante a década de 1960, Oscar Niemeyer deixou o Brasil, em protesto à política universitária implantada pelo governo militar. Impedido de trabalhar por aqui fixou residência em Paris. Na Europa, dentre os projetos que realizou, estão: a sede do Partido Comunista Francês; a Editora Mondadori, na Itália; e a Universidade de Constantine, na Argélia. Em 1971, a convite do próprio, Kadu foi morar com o avô.
A experiência em Paris foi muito significativa para ele, então com 17 anos. “Meu avô me incentivou a sair às ruas para fotografar. Foi assim que tomei gosto”, revela. Kadu trabalhou no escritório de Oscar Niemeyer, na Avenida Champs-Élysées, e aprimorou a sua técnica. Ao mesmo tempo, é claro, em que assistiu ao desenvolvimento de projetos que mais tarde se tornariam clássicos da arquitetura moderna internacional.
A primeira exposição fotográfica de Kadu Niemeyer, no entanto, não foi voltada à arquitetura. Ele estreou em 1974, na Maison de France, com imagens sobre o cotidiano de Paris. Em seguida, no Rio de Janeiro, desenvolveu trabalhos publicitários. Ainda assim, jamais se desligou do avô. “Eu sempre fui muito preso a ele. Sempre que precisava de um fotógrafo, era a mim que ele recorria”, lembra.
Curvas
Em homenagem a Oscar Niemeyer, Kadu se prepara para lançar um livro. Intitulado “Curvas”, o projeto faz um apanhado da carreira do arquiteto, com ênfase na fotografia. A edição reúne cerca de 100 imagens, incluindo trabalhos inéditos de Kadu. Uma iniciativa, garante o fotógrafo, baseada em admiração e carinho. “Quero retribuir todo o amor que recebi desde sempre”, diz.
O livro tem como ponto de partida um poema de Oscar Niemeyer, onde ele declara não se atrair pelo ângulo reto, criação do homem, mas pelas curvas que estão na natureza. Formas presentes nas montanhas do país, no curso sinuoso dos rios, “nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida”.
O livro levou dois anos para ficar pronto. Na primeira parte, Kadu expõe o ensaio fotográfico baseado em desenhos do avô sobre a figura feminina. Personalidades como Isabeli Fontana, Ana Furtado, Angélica, Letícia Sabatella, Glória Maria, Luana Piovani, Deborah Secco, Giovanna Antonelli, Letícia Spiller e Ingrid Guimarães aceitaram o desafio de dar vida às mulheres de Niemeyer.
“Apresentei uma gama de desenhos para cada uma. Elas escolheram quais gostariam de representar”, conta Kadu. As fotos foram feitas na residência de Oscar, no bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro. “Foi muito gratificante ver o carinho que todas elas têm pelo meu avô. Não tivemos nenhum patrocínio, todas toparam sem cachê”, orgulha-se.
Responsável pelas exposições de Oscar Niemeyer ao redor do mundo, Kadu também incluiu no livro “Curvas” uma seção voltada à arquitetura, com o registro de obras importantes, incluindo desenhos originais do arquiteto. “Para escolher as obras que entraram, segui o critério do meu avô nas exposições. As coisas que ele gosta mais”, conta. O fotógrafo garante que Oscar Niemeyer faz questão de definir pessoalmente os textos e as fotos de todas as mostras sobre o seu trabalho.
Em “Curvas”, há também letras de músicas pouco conhecidas, compostas por Oscar. “Meu avô tocava cavaquinho”, revela Kadu. Textos de personalidades a respeito da obra do arquiteto também compõem o livro. Há depoimentos de Chico Buarque, Pablo Neruda, José Saramago, Darcy Ribeiro, entre outros. De Fidel Castro, a publicação estampa a seguinte frase: “Penso como Niemeyer que se deve ser consequente até o final”.
Hoje com 104 anos, o mito Oscar Niemeyer ainda se mantém interessado no trabalho e na família. “Ele quer saber se o meu filho está estudando, se foi à academia, se emagreceu, se engordou. Tem, também, o interesse em aprender coisas novas todos os dias”, conta Kadu. O fotógrafo revela que o avô faz questão de manter a família e os amigos o mais próximo possível. “Quando você conhece a grandiosidade do ser humano Oscar Niemeyer, o arquiteto deixa de existir”, garante. Será possível?