Palhaçada é coisa séria

Os Palhaços Trovadores são os pioneiros no Estado na arte do clown e arrancam risos reflexivos

17/03/2011 18:58 / Por: Luiza Cabral/ Fotos Lucélia Bassalo/Marcelo Seabra
Palhaçada é coisa séria

Cambalhotas, caretas, piadas e uma paixão por trás da maquiagem e das roupas coloridas. É o amor a arte que move as estripulias dos Palhaços Trovadores, que apesar de serem profissionais, e agirem como tal, pintam a cara há 13 anos por acreditarem em uma causa. Entre tantas brincadeiras, o trabalho foi tomando proporções consideráveis e hoje eles são conhecidos por serem uma das maiores referências em artes circenses no Estado, com direito a um QG próprio, uma casa movida a fantasia. Conheça a história da trupe que arranca risos por onde passa e leva a sério o que faz.

Em 1998, Marton Maués, estudioso do teatro, conheceu a arte do clown – uma expressão que designa um conceito bem parecido com o de palhaço, mas que se refere especificamente ao olhar cômico sobre algo trágico. Após ter conhecido esta vertente durante um curso que fez na cidade de Betim, em Minas Gerais, ele mergulhou de cabeça em um universo muito conhecido, porém, normalmente, mal compreendido. “No ano anterior a fundação dos Palhaços Trovadores, participei de um festival de teatro em Minas Gerais, onde conheci a arte do clown. Ao voltar para Belém, misturei algumas coisas que aprendi com minha experiência e repassei tudo em uma oficina na Escola de Teatro da UFPA, da qual sou professor. O resultado desta primeira oficina foi o embrião do primeiro trabalho do que viria a ser depois o grupo Palhaços Trovadores. Desde então, mergulhei em uma pesquisa sobre a arte circense e a arte do palhaço”, conta.

A preparação para iniciar um espetáculo é momento importante no processo de criação do grupo

 

O primeiro espetáculo apresentado, "Sem Peconha eu não Trepo nesse Açaizeiro",  estreou no dia 08 de novembro de 1998, no teatro Margarida Schiwasappa, como  parte da programação da Feira Pan-Amazônica do Livro. O grupo reunia participantes das oficinas ministradas por Marton, além de outros colegas de trabalho dele. Ali nascia os Palhaços Trovadores.

A diferença está na criação

O teatro dispõe de um leque extenso de possibilidades na hora de criar. Imagine esta liberdade aplicada a um espetáculo com palhaços. Como trata-se de uma encenação que nada deve as limitações de um personagem real, a brincadeira pode ganhar rumos inimagináveis. Ainda mais se o processo que culmina na arte final, vem de um trabalho de base. “Trabalhamos de maneiras diferentes em cada processo. Primeiro, quando não estamos criando espetáculos, fazemos treinamento de manutenção do ‘Palhaços’, com exercícios físicos, vocais e criativos, dentro das técnicas específicas para esta arte”.

Nos Palhaços Trovadores a ideia de um espetáculo pode surgir a qualquer hora e nos momentos mais oportunos – ou não. Por isso, o improviso e a coletividade na criação das peças teatrais mostram-se importantes na construção dos espetáculos. Outro ponto interessante no trabalho do grupo está na mistura de referências, que se apresentam por meio da interlocução de linguagens e de técnicas.

“Um tema, um texto, um exercício de improvisação, geram a possibilidade de um espetáculo. Temos roteiros que foram escritos por amigos, criados coletivamente e também só por mim ou por outra pessoa do grupo. Nosso último espetáculo, por exemplo, nasceu a partir da vontade de parte do grupo estudar técnicas de manipulação de bonecos.  Organizou-se uma turma para um mergulho com Aníbal Pacha, da In Bust, que é a principal referência nesta linguagem em Belém. A empolgação com o trabalho fez nascer a ideia de se fazer um espetáculo unindo as duas linguagens: palhaço e bonecos”, conta Marton referindo-se ao 'O Menor Espetáculo da Terra' , produção do grupo que é dirigida por Aníbal Pacha.

 

Com o espetáculo "Hipocondríaco", os Palhaços Trovadores rodam o nordeste em 2011

 

Uma casa de sonhos

Lugar de palhaço é na rua, no circo, no palco, no espaço público. Os Palhaços Trovadores entendem e seguem a risca esta ideia, fazendo apresentações por todos os lugares possíveis – principalmente as famosas palhaçadas que animam a Praça da República aos finais de semana. E eles foram além. Uma casa antiga, porém muito simpática, localizada na Rua Piedade, no bairro do Reduto, foi transformada em um espaço de artes pelo grupo. A Casa dos Palhaços foi cedida a companhia pela Santa Casa de Misericórdia do Pará, através de um sistema de comodato. Estava quase no chão e foi reformada com investimentos próprios. Ao contrário do que muitos podem imaginar, a realização deste projeto não foi tão difícil, pois contou com o apoio da sociedade civil, dos colegas de trabalho e de entidades.

“Levantamos a Casa dos Palhaços sem muitas dificuldades. Tivemos todo o apoio da direção da Santa Casa, que quando soube de nossa demanda acatou nosso pedido com o maior carinho, interesse e presteza. E com muita objetividade. Acredito que esta deva ser a postura de muitos outros dirigentes e acho que os grupos de teatro e de outras áreas, comprometidos com um trabalho de criação e pesquisa, devem fazer o mesmo que fizemos: ir em busca desses espaços ociosos e solicitá-los dos responsáveis. Tem muito espaço sem uso, deteriorando, que poderia estar habitado e vivo, possibilitando o crescimento e aprimoramento destes grupos, e oferecendo atividades culturais ricas para a população”.

A casa dos Palhaços abriga os ensaios do grupo, as oficinas que são ministradas pelos integrantes e algumas apresentações menores.

Projetos Futuros

Os Palhaços Trovadores, muito atentos as possibilidades provenientes do fato de ter um espaço próprio, estão trabalhando na dinamização da Casa dos Palhaços. Uma variedade de oficinas e um projeto, o “Palhaçadas de Quinta” - que reúne palhaços da cidade na última quinta-feira de cada mês para apresentar, junto com o grupo, cenas curtas de palhaços – são as atividades já fechadas para 2011. Sobre as novidades que vem por aí, duas ideias começam a tomar forma: um espetáculo sobre a relação do belenense com a chuva, chamado “Chuva de clown” ou “Cantando no Toró”; e uma adaptação do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que em função do filme, pouca gente sabe que é todo ambientado em um circo.

 

A arte do Clown, base de estudos da companhia, faz rir ao contrariar com o trágico

 

Os espetáculos que já estão encaminhados e aqueles ainda em construção quando apresentados na Casa dos Palhaços têm entrada gratuita, com o público definindo ao final o valor que quer pagar pela peça. Esta forma de trabalhar não desmerece a atuação dos Palhaços Trovadores como um trabalho. Na verdade, assim o sentido se expande ainda mais.

“Não temos grande retorno financeiro. Cada integrante tem um trabalho paralelo que o mantém financeiramente. Mas é preciso que se diga que não é um trabalho filantrópico, nem um hobby. Cobramos pelo nosso trabalho, como qualquer profissional, pois assim nos consideramos. Temos uma rotina de trabalho técnico e criativo. Mantemos um espaço hoje, com uma programação aberta à comunidade, sempre renovada. Mas o que nos move, acima de tudo, é a paixão pelo teatro e pela figura emblemática do palhaço e suas artes e manhas. Essa é a nossa arte e, para mim, arte só se justifica, sobretudo neste país, pela paixão. Mas arte é ofício, trabalho, labor”.

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