Quinto espetáculo do grupo pernambucano Magiluth, "Aquilo que meu olhar guardou para você" é fruto de uma investigação a partir de imagens trocadas com a equipe do Teatro do Concreto, do Distrito Federal, no Programa Rumos Itaú Cultural, abordando o comportamento do homem contemporâneo na urbanidade. Lançando mão de diversos recursos teatrais, destinos individuais, de transformações e desvios são postos em cena sempre com um olhar afetuoso. Composto por cenas fragmentadas, a montagem traz no elenco os atores Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Pedro Wagner e Pedro Vilela.
O projeto inicial previa a construção de micro cenas no período de seis meses, tendo como mote inicial imagens de suas respectivas cidades (Recife e Distrito Federal) trocadas entre os coletivos, cujo objetivo era o de investigar o homem inserido na urbanidade e seus desdobramentos. “AQUILO QUE MEU OLHAR GUARDOU PARA VOCÊ integra a trilogia de ‘seres humanos tentativos’, composto também pelos espetáculos UM TORTO e O CANTO DE GREGÓRIO”.
Um olhar estrangeiro sobre as cidades
A oportunidade de amadurecer o processo gerou o encontro entre o grupo e o diretor paulista, Luiz Fernando Marques, integrante do Grupo XIX, de peças com forte presença interativa como HYSTERIA, HYGIENE e ARRUFOS. Com diversas técnicas de improvisação cênicas, corporais e dramatúrgicas, o Magiluth criou um espetáculo no qual plateia e artistas comungam de uma experiência sobre um olhar de fora para as cidades que muitas vezes ficam soterradas pelo ordinário. “Vale dizer que o ponto de vista do grupo vai bem além de cartões postais, dos estereótipos e lugares comuns. Paradoxalmente o grupo tenta capturar o humano, o universal dos sentimentos, brincando de certa forma com a ideia que a paisagem muda, mas a ‘dor’ é a mesma, claro sem perder de vista os ‘cenários’, os ritmos, as cores e texturas que compõe, e obviamente contaminam estes ‘dramas’”, conta Luiz Fernando Marques, que divide a direção do espetáculo com o grupo.
Com uma dramaturgia que adota a postura de “testemunho imparcial”, contando relatos que poderiam ser objeto de vários contos, AQUILO QUE MEU OLHAR GUARDOU PARA VOCÊ mostra uma visão mais aprofundada das cidades com foco nas figuras, histórias e fluxos de todo o tecido social. “Nosso objetivo era pensar no próximo de uma maneira bem aberta e curiosa. Os relatos provêm dos próprios atores e exprimem a intimidade oculta dos mesmos. São histórias inteiramente criadas e apresentadas por eles”, afirma o diretor.
Os atores do Magiluth investigaram a relação de personagens com o entorno urbano, processando esses materiais com vários tipos de articulação cênica. “Foi um salto no vazio. A alteridade (a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro em uma relação) é sempre um campo vasto”, explica o ator Giordano Castro.
Espetáculo totalmente aberto ao público
Ao invés de trabalhar com antigas ideologias teatrais engessadas muitas vezes em um texto previamente estabelecido e uma encenação rígida, o Magiluth apresenta uma montagem totalmente aberta ao publico e a cidade na qual a peça acontece. Primeiro por meio de um processo de observação e pesquisa de elementos específicos da cidade, onde a peça esta sendo apresentada, acabando por modificar parte significativa da dramaturgia. Segundo por que a peça dividida em três atos tem um crescente de interatividade. Ao ponto que no terceiro ato a plateia é convidada, literalmente, a subir ao palco e compartilhar as cenas finas, transformando e ressignificando a obra ali apresentada.
“AQUILO QUE MEU OLHAR GUARDOU PARA VOCÊ é um espetáculo vivo e a cada apresentação, amplia o estado de jogo dos atores envolvidos e que pretende estabelecer uma ligação com o público a partir de uma humanidade comum, compartilhada e assumida. Neste sentido, a montagem radicaliza a experiência teatral, dando a plateia não mais um papel passivo e protegido em sua penumbra e sim um papel ativo e propositivo mediante aquilo que ela encontra”, adianta Giordano.
Para o diretor Luiz Fernando Marques, o espetáculo levanta uma reflexão mais que oportuna sobre a cidade em que vivemos. “Só assim poderemos nos enxergar a partir do ponto de vista de um estrangeiro e nos reconhecermos, nos estranharmos, nos surpreendermos para enfim nos revelarmos.”
FICHA TÉCNICA
DIREÇÃO Grupo Magiluth e Luiz Fernando Marques (SP)
DRAMATURGIA Giordano Castro
ELENCO Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Pedro
Wagner e Pedro Vilela
DIREÇÃO DE ARTE Guilherme Luigi e Thaysa Zooby
ILUMINAÇÃO Pedro Vilela
SONOPLASTIA Grupo Magiluth e Luiz Fernando Marques (SP)
DESIGNER GRÁFICO Gráfico Guilherme Luigi
Um torto
Primeira parte da trilogia ¨seres humanos tentativos¨, o espetáculo teve sua estreia no ano de 2010 em Recife, na edição do Festival Palco Giratório local. Considerado por muitos como marco demarcatório e inicial da linguagem desenvolvida pelo coletivo atualmente.
O artista, com isso, passa a habitar um outro lugar, acessível em pleno voo, deixando de ser aquele gênio da razão transcendental, ao qual só devemos aplausos, no final, para não atrapalhar. Esse ambiente de interação ao qual nos referimos, onde a obra só se completa na presença ativa do público, equivale no teatro à chamada "quebra da quarta parede”, artifício nada novo, porém, sempre delicado quando o assunto é o teatro contemporâneo.
UM TORTO, de Giordano Castro, com direção de Pedro Wagner, terceiro trabalho do Grupo Magiluth (2010) não visa ser a materialização de uma radiante dramaturgia, muito menos ter um final memorável. Também não conta uma história com começo, meio e fim definidos, nem traz um ator interpretando mil e um personagens ou fazendo uma centena de estripulias corporais.
Busca sim, interagir e admitir o corpo, quase natural, de Giordano no espaço construindo um espetáculo em nada espetacular. Neste, o processo do ator-criador se dá a ver, repleto de medos e anseios com relação ao público, devidamente expostos a cada vez que uma luz amarela é acendida, da cabine, por Pedro Wagner (o diretor). Imaginemos isso como uma espécie de divã, nada cômodo. Ademais, Giordano se submete aqui e ali a situações, em princípio, ridículas, como emendar um cover de Zezé de Camargo, por ele chamado, carinhosamente, pelo verdadeiro nome: Mirosmar. Essas situações vão, de um modo ou de outro, mexendo com quem está sentado, que se pergunta a todo tempo: é ele mesmo que está se passando por isso ou é um personagem (O Torto)? Ou ainda: será que ele está sendo ele ou está representando a si mesmo?
De início, o público se torna co-autor do trabalho, é ele que define a organização dos espaços (Coração, Dentro, Exposição, Fora e Cover), cada um deles forçando um estado outro, trabalhando com situações do Ator-Performer, que a princípio, são particulares e pessoais, mas que extrapolam para um reconhecimento e uma identificação.
O aspecto particular identitário é diluído através de pontos de identificação no discurso desorganizado do personagem. A cada cena o espaço entre o que é “meu” e o que é de “todos” diminui em uma tentativa de entendimento de uma dada situação subjetiva, relacionada com uma tríade básica: Ser – Estar – Sentir.
Um homem que por não comensurar o que é sentir, decide tirar o próprio coração e assim, distanciado da causa de todo tormento, tenta entender a origem deste estado-situação. Uma série de ações que se expõem como fluxos de pensamentos e de impressões sobre a vida, o “jogo”, a vida como jogo, o amor, o eu, apropriação, os outros, numa conflitante e honesta tentativa de dar forma, de atribuir contorno ao caos, ao que não conseguimos ver nem tocar apenas sentir, ao que é disforme... amorfo. Como diz o próprio ator, “digam que viram apenas um homem tentando, tentando...”.
FICHA TÉCNICA
DIREÇÃO Pedro Wagner
DRAMATURGIA Giordano Castro
ILUMINAÇÃO Pedro Vilela
ELENCO Giordano Castro
DIREÇÃO DE ARTE Guilherme Luigi
SONOPLASTIA Pedro Wagner
Serviço:
Conexões Brasil Circulação - Repertório do Grupo Magiluth
1 Torto - 27 e 28 de Abril - 18h
Aquilo que meu olhar guardou para você - 26 de Abril - 21h / 27 e 28 de Abril - 20h
Local: Espaço Experimental de Dança (Rua Domingos Marreiros, 1775)
Ingressos: 5 Reais (Valor único)