Inaugurado há 133 anos, o Theatro da Paz é considerado um dos melhores templos das artes em todo o país |
Dia 15 de fevereiro de 1878. No coração de Belém, mais especificamente na Praça da República, o surgimento de uma nova obra iria mudar a relação da sociedade paraense com o universo das artes clássicas. Apresentava-se imponente aos olhos curiosos, que até então nunca tinham visto nada tão grandioso em nenhuma cidade localizada na Amazônia. A obra em questão: o Theatro da Paz. Nascia ali, em meio a outras belezas da Cidade das Mangueiras, um dos maiores símbolos arquitetônicos e históricos da região norte do país, que este mês (15) comemora 133 anos e merece todas as reverências.
E assim como o tradicional teatro, outro ícone paraense, coincidentemente, também é lembrado em fevereiro. O maestro Waldemar Henrique estaria completando, dia 15, 106 anos, uma vida dedicada à música erudita e popular inspirada na Amazônia. O maestro que usou seu talento para exaltar a importância do negro, do índio e do caboclo na construção cultural de seu povo, é um dos responsáveis pelo período mais marcante do Theatro da Paz, dirigido por ele durante quinze anos.
Inspirado no Teatro Scalla, de Milão, o Theatro da Paz impressiona pela suntuosidade e beleza |
Os detalhes internos remontam à época em que o teatro foi construído, no final do século XIX |
Arte do mundo para a Amazônia
A construção suntuosa, com colunas imponentes, pinturas neoclássicas e detalhes que remontam à época em que foi projetado, definitivamente chama a atenção. Se hoje é assim, imagine a repercussão de um prédio de acabamento refinado no momento em que Belém se deleitava em riquezas, resultado de uma boa posição no ciclo da borracha. A cidade se desenvolvia a passos rápidos e a alta sociedade reivindicava um espaço onde pudesse contemplar apresentações artísticas de grande porte. E foi assim que nasceu o projeto do Theatro da Paz, que começou a ser construído em 1869.
Desde a pedra fundamental, foram nove anos até que o projeto arquitetônico, inspirado no Teatro Scalla, de Milão, fosse finalizado. Em artigo publicado para os Anais do Museu Paulista, a jornalista e historiadora Rose Silveira – autora do livro "Histórias invisíveis do Theatro da Paz: da construção à primeira reforma - Belém do Grão-Pará (1869-1890)", de 2010, discorre sobre o frisson causado pela primeira noite de espetáculo do imponente da Paz. A alta sociedade paraense se mobilizou em uma disputa ferrenha pelos primeiros ingressos. O acontecimento disputava espaço nos jornais com o embate entre liberais e conservadores, assunto de grande destaque, mas, mesmo assim, a inauguração do Theatro da Paz causava mais burburinho que os confrontos partidários.
Em 1880, o governo trouxe a primeira temporada de ópera para Belém com a Companhia Lírica Italiana, umas das mais conceituadas da época. Em cena, Filomena Savio, soprano dramático, a grande estrela da companhia e reconhecida mundialmente. A partir dali nomes marcantes de um período sublime das manifestações clássicas passariam pelo palco do da Paz. Em 1882, a temporada lírica teve como convidado de honra o compositor e maestro Carlos Gomes, no auge da fama. Por causa do sucesso da turnê, ele retornou ao Pará em 1883, já empresariado por uma grande companhia. Anna Pavlova, bailarina russa importante na concepção moderna do balé clássico, também é um dos nomes marcantes que passaram pelo palco do Theatro da Paz e que deixaram legados inquestionáveis: um afunilamento da relação da sociedade paraense com as artes.
Um maestro amazônida
O Maestro Waldemar Henrique é um brasileiro aos moldes mais típicos, filho de português com uma índia. Nasceu no Pará no dia 15 de fevereiro de 1905 e fez deste lugar não só seu berço como uma bandeira. Morou em Portugal com o pai, depois passou longas temporadas no Rio de Janeiro e também pelo país divulgando seu trabalho; porém, suas canções sempre tiveram o mesmo mote: as comunidades e símbolos mais fortes da região amazônica.
O homem que se mostrava ao mundo com timidez – era conhecido por preferir estar longe dos holofotes - teve uma vida de simplicidade e cercado de bons amigos. A professora aposentada Lenora Brito, formada em Musicologia pela USP e autora do livro “Uma leitura sobre Waldemar Henrique”, lançado pelo Conselho de Cultura do Pará, diz que as pesquisas do maestro caminharam por faces da Amazônia que pouco serviram de inspiração para outros artistas. “O Maestro Waldemar Henrique trabalhou muito bem a parte de pianos em suas canções, o que enriqueceu suas obras. Quando aos temas, o que se pode afirmar é que o maestro se debruçou sobre as lendas amazônicas como ninguém. Soube enxergar e absorver as sonoridades das raças negra e indígena e utilizá-las com rigor e delicadeza.”
O maestro Waldemar Henrique e suas canções viraram símbolos da região |
Estes feitos do compositor foram muito bem aproveitados por instrumentistas e cantores líricos da região norte do país, que ao serem convidados para tocar fora do Brasil, logo pensam na obra do maestro para representar a boa música local. Um destes casos é a cantora Carmen Monarcha. “Minha mãe cantava para mim as canções do maestro Waldemar Henrique quando eu era criança. Aquilo me marcou e assim que me decidi em seguir esta carreira prometi para mim mesma que cantaria as músicas dele. Em apresentações que já fiz em lugares fora do país no meu repertório é obrigatória a obra do maestro.”
Seja por representar a convergência de manifestações artísticas para a capital paraense, seja por levar para o mundo as peculiaridades da Amazônia, Theatro da Paz e o maestro Waldemar Henrique são ícones da cultura paraense e fatores importantes na inserção do estado no universo das artes.