Pinturas Silenciosas

A artista Tomie Ohtake, que faleceu no dia 12/02 foi capa da 7ª edição da Revista Leal Moreira, veiculada em 2005

12/02/2015 15:39 / Por: Esperança Bessa. Fotos: Denise Andrade
Pinturas Silenciosas
 
Se há uma dama nas artes plásticas contemporâneas no Brasil, ela se chama Tomie Ohtake. Os traços físicos e a forma concisa e direta de dar suas opiniões lembram a origem nipônica, mas a ligação com o oriente pára nessas raízes. Tomie chegou ao Brasil há 69 anos, e escolheu o país não só como pátria, mas como uma de suas fontes de inspiração e isso aflora em seus trabalhos, com muitas cores e formas geométricas. É arte genuinamente brasileira feita por um nome reverenciado no mundo inteiro.
 
Pintora, gravadora, escultora. É difícil dizer em qual das três linguagens Tomie é referência maior. São 92 anos de vida e deles 53 dedicados às artes. Ao longo dessas cinco décadas, 63 exposições individuais e uma infinidade de participações em coletivas. Não à toa a artista se assusta ao olhar para trás e ver o quanto já produziu.
 
Certa vez, Tomie disse que a influência japonesa em sua pintura “se verifica na procura da síntese: poucos elementos devem dizer muita coisa”. Com certeza isso também se aplica à sua personalidade. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ela fala um pouco sobre sua vida e obra, sem precisar gastar verbo para dizer o que pode ser sabiamente sintetizado. Se chegou a declarar, a certa altura, que faz uma “pintura silenciosa”, silenciosas também são suas respostas. Mas não vazias ou evasivas. São plenas de significado, como plenas são suas obras.
 
 
Living. Você fez da cor um veículo essencial para seu discurso poético, ao mesmo tempo que a geometria é algo facilmente identificável em sua obra.
Considera que esses elementos remetem à junção, respectivamente, de sua ligação com o Brasil e com o Japão?
 
Tomie Ohtake. A junção entre o Brasil e o Japão se dá no meu inconsciente, e a forma e a cor, a pintura, é ocidental, mas deve haver uma influência de
onde nasci e tive a minha formação, pois foi já com idade adulta que aqui cheguei.
 
Living. No Instituto Tomie Ohtake está em cartaz uma exposição com curadoria de Miguel Chaia traçando um recorte sobre sua trajetória. Como é para você olhar para trás e ver esse panorama do que já produziu?
 
TO. Toda vez que vejo meus trabalhos anteriores fico cansada só de pensar como trabalhei! Isto é uma constatação que para você dar um pequeno passo
é necessário trabalhar muito. Esta pequena exposição que você cita foi feita pelo Instituto e teve a curadoria do Miguel Chaia. Realizaram um trabalho que gostei muito, ficando surpreendida com o que conseguiram fazer, pois eu nunca tinha pensado que desse para traçar este recorte que investiga a forma
circular em minha obra.
 
Living. O alemão Alfons Hug, curador da última Bienal de São Paulo, disse que não existia mais pintura no Brasil. Que nossa vocação contemporânea era para fotografia e instalação. O que acha dessa análise?
 
TO. Acho que a fotografia e a instalação entraram para o vocabulário das artes plásticas e têm apresentado trabalhos muito fortes, e eu acredito que
este é um avanço que a arte realiza permanentemente. Acho muito bom que isto aconteça. Muita coisa fica e muita coisa desaparece, você não acha?
 
Living. Você é muito exigente em matéria de artes? O que lhe atrai a atenção, o que lhe enche os olhos de inspiração?
 
TO. Tudo inspira: o mundo atual, a complexidade urbana, os meios de comunicação, o atordoamento das pessoas com as perspectivas. Aproveito tudo para contribuir.
 
Living. Você, em uma entrevista, disse que considera o Volpi um artista injustiçado. Por quê?
 
TO. O Volpi, assim como outros artistas, não está devidamente colocado na história da arte, da mesma maneira como muitos estão indevidamente colocados, pois os que traçam a história estão preocupados com as rupturas e seguidores imediatos, mais do que mostrar a complexidade das inter relações artísticas.
 
Living. O que destacaria nas novas gerações que vieram depois e que lhe tem como modelo? Você identifica referências de suas obras influenciando novos artistas? Que sensação isso lhe provoca?
 
TO. Isto acontece, mas acho que não tem nenhuma importância, pois é difícil artistas terem a mesma trajetória. Podem até coincidir e cruzar caminhos, em diferentes trechos de suas vidas.
 
Living. A Tomie Ohtake se assusta com a responsabilidade de ser reconhecida como uma das maiores artistas plásticas contemporâneas do Brasil? Você tinha essa pretensão? A quem daria esse título e por quê?
 
TO. Isto também não tem a menor importância.
 
 
Tomie Ohtake nasceu em Kyoto (Japão) e chegou ao Brasil em 1936, para morar em São Paulo. Começou a estudar pintura em 1952, com o artista plástico japonês Keisuke Sugano. No ano seguinte passou a integrar o Grupo Seibi ao lado de Flávio-Shiró, Kaminagai, Manabu Mabe, Tikashi Fukushima, entre outros.
 
Já em 1957 fez sua primeira exposição individual, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, até então trabalhando apenas com pintura - pouco tempo na figurativa, e definitivamente no abstracionismo. É nesse momento que começam a surgir as formas geométricas, como que testando possibilidades
de equilíbrio e a partir dessa época também as cores explodem de suas telas, que ganham vivacidade principalmente com tons que contrastam
entre si.
 
Só depois vieram as gravuras, primeiramente as serigrafias e litografias, lá pela década de 70. Isso coincide com o emprego das curvas, linhas sinuosas e idéia de mais movimento em suas pinturas. Intensificaram-se também suas pesquisas sobre transparências e texturas. Enquanto isso, as cores foram ficando ainda mais quentes e intensas.
 
Aí vieram as esculturas, e Tomie não se contentou com as pequenas dimensões. São com grandes obras, principalmente para intervenções em espaços urbanos públicos, que ela tira sua arte das telas e leva para mais próximo de quem passa pelas ruas de grandes capitais brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro.
 
Lá se passaram mais de cinco décadas de carreira, e ela traz no currículo o prêmio de melhor pintor dos anos de 1974 e 1979, e, em 1983, foi eleita personalidade artística pela Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA. Em 1995 recebeu o Prêmio Nacional de Artes Plásticas do Ministério da Cultura.
 
Há quatro anos foi agraciada com uma das maiores deferências que um artista pode ter: um instituto cultural com o seu nome. Sediado em São Paulo, o Instituto Tomie Ohtake é idealizado e coordenado por Ricardo Ohtake e projetado por Ruy Ohtake, ambos arquitetos filhos da artista plástica. O espaço é aberto às novas tendências da arte nacional e internacional, e também se propõe a mostrar o que houve de referência nessa área durante os últimos 50 anos – coincidindo e fazendo um paralelo como tempo de carreira da artista.
 

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