História viva

O arquiteto Aurélio Meira conta de que é feito um colecionador apaixonado por artes plásticas.

23/05/2014 11:09 / Por: Bruna Valle/ Fotos: Dudu Maroja
História viva

Para o arquiteto e engenheiro civil Aurélio Meira, seus quadros são mais que obras de arte. São histórias que podemos vivenciar a cada tela, de traço em traço, a cada olhar. Em sua casa, a arte se mistura com seus habitantes em todos os lugares. Aurélio faz questão de apresentar cada trabalho por tema, data e artista – com uma memória de dar inveja a qualquer um.

Arte e decoração não são sinônimos, na opinião dele. Pensar a arte desta maneira é inadmissível para o arquiteto, porque esse é um estímulo puro de sensibilidade - que deve emocionar, encantar, seduzir, tocar no íntimo de seu admirador. Seu amor pelo fazer artístico despertou desde cedo; uma verdadeira herança familiar que resiste firme e forte em várias peças de sua coleção pessoal. O site da Revista Leal Moreira bateu um papo com Aurélio Meira sobre ser colecionador, como perceber as artes plásticas e muito mais.

Há quanto tempo você coleciona arte?

Minha coleção privada é um estímulo que trago desde a infância. Nasci, cresci e convivi com isso na casa dos meus pais. Papai era devotado a admirar a produção das artes visuais, dentre outras coisas, como poesia e música. Nossa casa era um verdadeiro silogeu de arte. Essa vivência despertou o lado sensitivo, para provocar dentro de nós essa admiração, essa paixão pela produção das artes visuais.



Qual a quantidade de quadros que já figuram seu espaço hoje em dia?

Não gosto de dizer que tenho muitos quadros ou peças. A verdade é que dou preferência a uma coleção qualitativa, não quantitativa. O que mais encanta e satisfaz um colecionador é, com o passar do tempo, poder acreditar naqueles que produzem arte; tentar absorver a a qualidade do artista pela sensibilidade.  Minhas peças não representam só a pintura - tem o desenho, a escultura, a cerâmica etc. Tudo que eu tenho é um pouco herança do meu pai, e o que eu fui conquistando ao longo dos meus 62 anos de idade. O interessante, para quem se propõe ou se predestina a ser um colecionador, é contribuir efetivamente para quem vive dessa produção, estimulando este mercado. Não adianta você viver numa sociedade de talentos das artes visuais e não colocá-la dentro do espaço que você mora, convive, trabalha...Não podemos deixar que eles estejam apenas nos museus e galerias. Devemos divulgar e difundir esses talentos com todos que nos rodeiam. É preciso fazer com que nossos artistas sintam-se lisonjeados de terem seus trabalhos expostos e valorizados.

De que é feito o hobby de colecionador de quadros?

Da mesma essência de um colecionador de petecas - que buscava as bolivianas, as colombianas, as mais exóticas e coloridas; o de figurinhas, que busca as mais raras; o colecionador de selos, a filatelia perpassa a busca de conquistar os selos mais raros... Cada coleção, de acordo com sua especificidade, precisa de devoção e paixão do colecionador.  E ele não vê como bem material ou motivo de orgulho financeiro de se ter dentro de casa. Não! A fortuna do colecionador é o prazer de, a todo momento, contemplar, avaliar, se identificar com o artista plástico e com a mensagem que ele quer apresentar. Isso é o que é relevante para o colecionador. Temos que afastar de uma forma definitiva simplesmente colecionar pelo aspecto pecuniário. Não é por aí. Ele pode até valer, mas que seja pelo seu estímulo ao artista que a produziu - um processo que, ao longo do tempo, valoriza a obra de forma desinteressada.



A obra de arte precisa condizer com o ambiente em que será colocada?

Não vejo a produção das artes visuais como objeto de decoração. Um objeto de arte no espaço que for, em qualquer situação, tem que te transmitir uma mensagem. Para escolher o que você acha representativo nas artes visuais, é preciso ser impactado por ela. Tem que trazer um encantamento que te sensibilizou. Precisa mexer com os sentimentos. É assim que eu acho que deve se comportar quem cria ou que mantém uma paixão por colecionar arte.

Existe lugar certo ou errado para uma obra de arte?

Não creio. Se você gostar de uma determinada peça, ela independe do lugar. Pode ser um estar social, uma área de refeição, até banheiro - uma sala de banho ou os espaços necessários para higiene -, desde que você faça isso com a qualidade e em um lugar onde possa expor algo representativo. A arquitetura é uma arte visual. O próprio espaço bem resolvido, nas suas cores, materiais aplicados, na composição dos seus equipamentos, já representa por si só a consolidação de uma produção artística. Melhor ainda se pontuado com alguns outros elementos artísticos que equilibrem e se harmonizem com espaço. Ou seja, independente do seu uso, você pode encontrar espaços extraordinários.



Existe alguma especificidade na hora de cuidar da coleção de obras?

Sim, principalmente em Belém. Nós temos essa variação incrível no clima, uma umidade excessiva. De vez em quando, é preciso pegar cada uma e fazer uma assepsia. A intempérie contribui negativamente. A traça, por exemplo, é uma delas. Ela é alimentada pelas condições ambientais, e ainda adora um vão fechado em uma tela. Então é preciso ter o trabalho de retirar e fazer a limpeza adequada de cada peça. Normalmente é o dono que faz, por conta do zelo, que é bem maior. Ele sabe o quanto aquilo foi difícil de conquistar.

Quais são as fontes desta arte. Onde se deve procurar?

Vivemos hoje no século XXI - algo que para nós, amantes apaixonados em preservar esta produção, é uma oferta de mercado de qualidade extraordinária, especificamente em Belém. Até mesmo no Brasil inteiro, onde você tem uma diversificação de produção nas artes, inclusive específicas a cada local do país, que se produz coisas maravilhosas. O mercado é farto, não é difícil de adquirir. Quem quer começar deve buscar os talentos da sua própria terra. Eles vão inspirar a fazer avaliações futuras daquilo que pode ficar de memória no nosso país.


 
Investir em quadro está fora de moda?

Aquele que acha um bom negócio investir em quadros, eu posso adiantar que é - se for em busca de peças célebres. Elas valem para aquisição, valores representativos; e depois, para revenda, muito mais. Principalmente os que são absorvidos por alguns eventos extemporâneos e extraordinários, como a ausência de um artista que esteja produzindo muito, no caso de sua morte. Se ele já tem uma carreira consolidada, elas receberão um “upgrade” de preço absurdo. Quem adquiriu um Cândido Portinari antes da sua morte e for ver agora, teve uma mudança incrível. Os que veem desta forma farão um bom investimento. Agora, os que, além desta visão, têm a paixão, podem acreditar no futuro. Eu posso comprar uma peça de um determinado artista plástico em quem eu acredito, e daqui a 100 anos se transformar em uma herança inestimável. E assim se faz a história da arte. Quem acreditaria, por exemplo, que o acervo de [Gilberto] Chateaubriand - um dos maiores colecionadores brasileiros - compusesse o MASP, que é o maior museu do país? Ele acreditou e investiu. No primeiro momento, criou sua coleção pelo prazer, e hoje ela tem um valor que não preço. Mas como ele adquiriu isto? Poderia ser amigo do artista, acreditou nele; muitas peças, talvez, tenham sido presenteadas... Tenho várias obras na minha casa que foram dadas pelos artistas - afinal, o colecionador estimula o artista a produzir, e às vezes é agraciado por ele. É um trabalho conjunto entre o admirador, o crítico e o produtor. Aí você começa a coletânea. Mas o que vale mesmo é o prazer de colecionar.



Para ser um colecionador de arte, o que é preciso?

Primeiro ele tem que ter a paixão. Depois, procurar o movimento da produção artística no Pará. O principal é ter o prazer, a qualidade de reconhecer talentos. Na vida, reconhecemos talentos a todo momento, em todos os lugares da sociedade. Nossos artistas não estão distantes disso. Na minha casa, por exemplo, em cada cantinho você vai viver uma história - e sempre boa. Dificilmente o artista plástico te traz uma história que te angustie. Sempre vai ter algo que ele te transmitiu com positividade, é o que eu penso. Quando adquiro uma peça, jamais escolho alguma que constranja a minha sensibilidade. É um nível de satisfação incrível, onde o colecionador vive o mundinho dele, com o prazer que ele tem de viver isso.

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