Uma Proposta Irrecusável
Há 50 anos era lançado The Godfather (O Poderoso Chefão na versão brasileira, pois a tradução literal seria O Padrinho) e definitivamente entrou para a história do cinema. Vencedor de três Oscar, incluindo melhor filme em 1972, teve uma trajetória atribulada.
O papel principal de Vito Corleone ficou com Marlon Brando que naquele tempo já não era visto como uma unanimidade e acabou sendo reconhecido com um Oscar de melhor ator. Dono de uma personalidade conflituosa não foi receber a premiação e mandou uma índia discursar como seus semelhantes eram maltratados no cinema e na cultura americana. Soube-se depois que a índia era uma atriz fazendo este papel.
Muitos atores recusaram outros papéis, só para interpretar Michael Corleone, Warren Beatty, Jack Nicholson e Dustin Hoffman não aceitaram participar e acabou sobrando para Al Pacino que viria a estrelar os dois filmes posteriores da trilogia e se tornou uma lenda do cinema. O orçamento era limitado e poucos acreditavam no sucesso dessa empreitada.
Aos 32 anos o diretor Francis Ford Coppola era um outsider em Hollywood, tinha feito poucos filmes e seu maior sucesso até então tinha sido um Oscar no ano anterior como roteirista de Patton. Foi escolhido depois que outros desistiram do projeto e ele mesmo não se interessou pela história de um gangster, não gostaria de enaltecer a figura de um fora da lei. Só foi convencido pelo produtor Robert Evans depois deste argumentar que o livro e roteiro de Mario Puzo era uma alegoria sobre o capitalismo. Atacar o capitalismo no auge da contracultura hippie e sob os protestos pela Guerra do Vietnã e pelos direitos civis era uma proposta irrecusável.
Aliás, este era o método de coação de Vito Corleone, com seu jeito amável de fazer negócios e dirigir a Família, sempre sacava uma proposta irrecusável para quem não quisesse colaborar, já que a outra opção poderia ser dolorosa, cruel e até definitiva. Uma ode à metáfora criminosa. Neste aspecto The Godfather apadrinhou (desculpem o trocadilho infame) o dualismo cinematográfico em que nos vemos envolvidos e até sensibilizados pelos criminosos. Afinal era uma época de contestação contra o establishment, de revolta contra o que estava posto, de rever os conceitos de bem e mal e de se perceber que em tudo há vários tons de cinza.
Por este caminho trilharam produções antológicas como Os Bons Companheiros de Martin Scorsese, Scarface com o mesmo Al Pacino, séries como A Família Soprano e Breaking Bad e centenas de outras produções. Não deixa de ser incômodo moralmente ficarmos torcendo por personagens que matam e infligem sofrimentos sem nenhuma culpa. O roteiro sempre encontra um meio de legitimar as ações e nos envolvemos na trama até justificando o injustificável.
Para criar uma empatia com os personagens o roteirista age como um advogado, que obviamente toma partido do seu cliente expondo suas motivações. Nós o público, que agimos como um jurado moral, nos sensibilizamos com as ponderações e até desenvolvemos uma afeição pelo personagem. Esta é a versão proposta pelo roteirista, diretor, produtor e demais artistas envolvidos na elaboração de uma obra.
O Poderoso Chefão abriu caminhos, permitiu vermos outro lado que antes ficava confinado ao papel de bandido nas produções hollywoodianas e sempre acabava mal com a vitória do mocinho da estória. E essa importância está estampada na história do cinema, literalmente foi descortinado o outro lado. Para o bem e para o mal.
Celso Eluan