Legalmente incapazes

Na crise todos devem sentar para negociar e refazer contratos para perderem o mínimo possível.

29/10/2015 16:38 / Por: Celso Eluan
Legalmente incapazes
Nessa terra brasilis, os menores de 16 anos são considerados incapazes perante a lei, precisam de responsáveis legais para assumir seus atos. Até aí o exemplo se prolifera no mundo e parece bastante razoável, já que uma criança ou adolescente ainda não tem o discernimento necessário para entender razões e méritos de questões, bem como para se defender. Ainda está em formação o seu caráter, a sua moral e o aprendizado das complexas relações para se viver em sociedade e entender o significado do princípio número um do relacionamento humano: a minha liberdade termina quando começa a do próximo. Muita gente chega ao inverno da vida e ainda não entende isso, o que dirá alguém em formação. Portanto é legítimo que assim seja.
 
O que não me parece razoável é que a legislação, uma extensão legal dos hábitos e entendimentos da cultura vigente, portanto legítima perante todos que a respeitam e constroem, continue acreditando que o indivíduo é incapaz de se defender mesmo depois da maioridade. Vejamos o caso da legislação trabalhista no país, construída nos anos 1930 e atribuída ao “Pai dos Pobres”, Getúlio Vargas. É até compreensível num país que há pouco havia saído da monarquia e abolido a escravidão que fosse criada uma legislação de amparo ao trabalhador, afinal não se sabia ainda como lidar com mão de obra remunerada, a cultura dominante era da produção com base no trabalho escravo, custos e produção não contavam com esse novo ingrediente do salário, limites e respeito ao ser humano. Tanto que após a libertação dos escravos o país abriu as portas para imigrantes do mundo todo que chegavam para ser a nova mão de obra na lavoura, num modelo ainda feudal de ocupação do campo. 
 
Mas tinha que ser tão detalhista e limitante e ainda mais, aprofundada ao longo dos anos para se tornar um amarra no relacionamento entre empregadores e empregados, ter crescido tanto a ponto de existir uma corte específica para julgar, um ministério para fiscalizar e coibir, um sindicalismo patrocinado pelo Estado que até chegou ao poder, um elixir paralisante que coloca em risco a evolução da economia do país? Pronto, acabei atraindo a ira de todos, afinal a nossa legislação é aplaudida e defendida como um eterno direito adquirido que não pode em hipótese alguma ser atacado, é uma sacra bíblia que deve permanecer intocada. Não há dentre nós, exceto os insensíveis e gananciosos empresários, quem não julgue intocáveis os direitos do trabalhador. Aliás, essa palavra parece santificada e é sistematicamente utilizada como recurso retórico por aqueles que dominam os corações e mentes das massas. Entra no rol dos velhinhos aposentados, das crianças inocentes, dos servidores dedicados, dos injustiçados e outros vocábulos que remetem ao imaginário santificado da cultura nacional, como se não existissem velhinhos aposentados investigados pela Lava Jato, crianças maldosas que provocam bullying em outras, servidores corruptos ou trabalhadores que não trabalham de fato.
 
Mas esse não é o contexto que pretendo questionar, apesar de não suportar generalizações fáceis de manipular como as citadas acima. O que pretendo focar é o fato desta super rede de proteção trabalhista acabar virando contra o próprio trabalhador que ela pretende defender. Como os pais que, no afã de proteger seus filhos, acabam criando adultos incapazes de lidar com o mundo. Tudo tem limites, inclusive a necessidade de proteção. Como diria minha avó, a diferença entre o veneno e o remédio é a dose, e parece que a proteção do trabalho no Brasil excedeu em muito a dose. 
 
Vejamos o que acontece quando as coisas não saem como planejam os superprotetores. No meio dessa crise, não havendo tantas amarras trabalhistas, uma empresa que tem uma queda de faturamento de 30% poderia chamar seus colaboradores e repactuar o contrato de trabalho, individualmente ou em grupo. Retira um benefício daqui, diminui um salário ali, atribui uma nova função, não paga uma gratificação, enfim, negocia com o colaborador de igual para igual, sem paternalismo ou intervenção, como faria com outra empresa.
 
Nem pensar, isso é agredir direitos conquistados com muito luta. Assim pensamos todos, não só a lei, mas a cultura nacional. Não restando outra alternativa, o que faz a empresa? Demite. Ora, do ponto de vista do prestador de serviço não seria melhor ganhar menos do que não receber nada? Isso é o que ocorre na relação entre empresas, na crise todas sentam pra negociar e refazer contratos para perderem o mínimo possível, mas na nossa cultura intervencionista o Estado é quem define o que pode ou não ser feito, tratando a todos como incapazes de fazerem seu próprio acordo. Tal como a criança superprotegida, quem sofre é o adulto despreparado que ela se torna. Como diria minha avó, precisamos controlar a dose desse remédio pra não matar o paciente.

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