- O que vale pra ti vale pra mim.
Com essa afirmação definitiva um amigo advogado encerrava as discussões esportivas, quer seja jogando futebol, vôlei ou baralho. A regra é clara, como diria o Arnaldo. Ou seja, na interpretação, ou até criação de regras, o que vale para um lado vale para o outro.
Assim deveria ser em todas as instâncias, pois esse axioma sobrevive desde Aristóteles. O problema é que no nosso jeitinho bem brasileiro, como a jabuticaba, fizemos da interpretação tendenciosa um esporte nacional. Impressionante como todo torcedor sempre acha que o árbitro está contra seu time, que a regra só é boa quando lhe favorece. Até o VAR que veio ajudar a tornar o futebol mais justo sempre é contestado e há muitos que defendem sua extinção. Sem falar das urnas eletrônicas tão malfadadas nestes tempos obscuros.
Se num mísero campo de futebol as leis são maltratadas o que diremos nos nossos tribunais e até na política? Advogados existem para isso, interpretar as leis a favor de seus clientes. Eles mesmos se especializam em retórica para terem argumentos prós e contras, já que sempre precisarão argumentar a favor ou contra uma mesma interpretação, dependendo do cliente ou do caso. São pagos para isso, mas o Estado não pode ser assim.
Quem elabora as leis deve levar em conta os contraditórios, por isso devem sempre ser discutidas em plenário. O que não pode é o Legislativo ou mesmo o Executivo ir modificando as leis conforme os ventos de ocasião. Muito menos a nossa Constituição. Vamos aos fatos: a Constituição de 1988 já teve 115 emendas, isso significa 3,4 emendas por ano. Para efeito comparativo a Constituição americana teve 27 emendas em 230 anos ou uma a cada 8,5 ano. A cada emenda à Carta americana nós produzimos 29. Isso não pode estar certo.
É natural que a evolução social implique alterações constitucionais, mas daí a virar instrumento de governo beira o absurdo. O presidente eleito nem foi empossado e já está apresentando e negociando uma PEC com a complacência geral da nação e até da oposição, que faria o mesmo se tivesse sido eleita. Ora, o Teto de Gastos foi imposto pela PEC aprovada em dezembro de 2016, a nonagésima quinta emenda constitucional. Não tem seis anos e já foi escanteada em 2020 para o enfrentamento da pandemia, há poucos meses para alavancar a candidatura oficial e agora novamente para cumprir promessas de campanha.
O que me pergunto é se os nobres parlamentares que aprovaram o limite em 2016 tinham em mente a necessidade de conter gastos pelos governantes ou só a aprovaram para agradar o governo de ocasião e depois fariam outra PEC para flexibilizar quando os ventos lhe conviessem?
Não estou julgando se as verbas sociais devem ir ou não para os mais necessitados, o que está em jogo é a instabilidade institucional de fazer da nossa Constituição uma colcha de retalhos. Durante a última campanha presidencial ambos os lados faziam gloriosas argumentações em defesa dela, mas me pergunto, qual Constituição? Esta que fervorosamente defendemos, mas que a cada conveniência a retalhamos?
O Judiciário também não colabora, só pra exemplificar já tivemos a interpretação da prisão em segunda instância revisada duas vezes no STF. A mesma Corte que tem a obrigação constitucional de defender a Carta muitas vezes lhe vira as costas como na interpretação da liberdade de expressão e age como censor.
Desse modo estamos caminhando para ter a maior indústria mundial de colcha de retalhos. Não sei se é para nos orgulharmos.
Celso Eluan