Colunistas
Celso Eluan
Os gregos inventaram as bases da civilização ocidental, mas de uns tempos pra cá parecem pouco criativos. Tentam legitimar um calote por plebiscito, algo que a esquerda no Brasil, e em outros rincões, já inventou muito tempo atrás! Neste aspecto, o pensamento politicamente correto e a heterodoxia canhestra da esquerda mundial consideram legítimo não pagar dívidas com o sofrimento da população. É fácil sensibilizar qualquer um com essa argumentação; mais fácil ainda prever o resultado de um plebiscito dessa natureza. Se perguntarmos a qualquer pessoa: “Você acha que deve pagar sua dívida com o banco à custa da comida dos seus filhos?”, não precisa ser nenhum gênio da economia ou estatística pra adivinhar a resposta. Formulando de outra forma: “Se não pagarmos a dívida com o banco eles podem tomar nossa casa e o carro, pois o empréstimo foi para esse fim, então vamos diminuir a comida na mesa e o desperdício?”. Certamente a resposta seria outra, mas vindo de um governo de esquerda como você acha que a pergunta seria formulada nesse plebiscito?
O problema então é de formulação da pergunta e não a natureza da resposta. Essa mesma aberração se observa com muita clareza em nosso país. Aqui a cultura dominante é de defender o devedor, isso está até na Constituição, que pretendia limitar juros a 12% ao ano, nas múltiplas manobras legais para procrastinar pagamentos, na dificuldade e quase impossibilidade de executar uma ação de despejo ou execução de dívida na justiça, na própria Lei de Recuperação Judicial, na cultura dominante de considerar o devedor um pobre coitado e no cobrador um canalha que extorque os outros.
Aqui, se um aluno não paga a escola não deve ser cobrado nem impedido de frequentar aulas ou fazer provas. Só no ato da matrícula no ano seguinte é que pode haver alguma represália, como não aceitar a nova matrícula. Num condomínio, o síndico será processado por danos morais se divulgar a lista de devedores. Uma execução para pagamento da taxa condominial pode levar anos, décadas até haver uma decisão final. Até o governo federal instituiu o calote com o REFIS, o programa de financiamento de dívidas. Virou a melhor forma de capitalizar uma empresa, funciona assim: o empresário declara o imposto a pagar, mas não executa o pagamento, com isso fica livre de ações penais por sonegação, que é crime, vira mero devedor do fisco. A dívida segue para cobrança judicial onde um bom advogado posterga as decisões até o governo publicar uma nova edição do REFIS, aceitando o parcelamento da dívida em até quinze anos, sem multa e com juros bem baixos. Já ouvi de muitos consultores e conheço vários empresários que dizem ser essa a melhor maneira de conseguir dinheiro barato no mercado.
A cultura está no nosso sangue, no DNA da formação do nosso caráter nacional e de uma forma direta ou enviesada a maioria defende essa postura. Afinal “quem empresta é quem tem e quem toma emprestado é quem não tem” e por essa lógica obtusa é legítima essa forma de distribuição de renda. O que poucos falam e que a maioria absoluta não entende é que de uma maneira perversa, todos acabam pagando essa conta, não tem jantar de graça. O mais perverso ainda é que os bons pagadores pagam pelos maus pagadores, os justos pelos injustos e aí chegamos até na Bíblia, eterna defensora dos fracos e oprimidos. E como isso acontece?
Vamos começar com uma noção bem simples: um condomínio que deveria ser o laboratório de observações de como deveria funcionar uma coletividade. Quem já participou destas emotivas reuniões sabe que as contas devem ser pagas no final do mês e que se algum condômino não honrar seus compromissos os demais devem se cotizar. Como o síndico está com poderes limitados de cobrança e como a ciência da estatística estabelece os limites ao longo do tempo, sabe-se que uma parcela dos condôminos sempre atrasa ou não paga a taxa, então propõe-se a elevação da taxa condominial proporcional ao percentual de atraso. Os bons pagadores tendo que cobrir o rombo dos maus pagadores.
Nas escolas a situação é bem mais delicada, pois a direção da escola não pode simplesmente repassar 40% de reajuste na mensalidade (essa é a média de inadimplência que ouvi de alguns gestores educacionais), pois o MEC, a secretaria de educação ou qualquer outro órgão governamental regula esses aumentos não permitindo ‘abusos’. Ora, se a receita no final do mês não cobre a despesa e se o gestor não pode aumentar a receita tem que diminuir a despesa. Demitem-se professores e outros colaboradores, diminui-se verba pra manutenção, cortam-se projetos de extensão e depois ficamos todos perguntando por que nosso ensino é tão fraco, sempre nas últimas colocações nos testes internacionais como o PISA.
No governo é bem mais fácil, pois se a receita não é suficiente devido à sonegação ou aos artifícios como o Refis que citei acima, a caneta está nas mãos deles, então aumentam-se os impostos e com isso temos uma das maiores cargas tributárias do mundo e a pior relação entre carga tributária e serviços prestados. Isso sem falar na corrupção que é outra doença a ser tratada.
No sistema financeiro precisamos entender que a mercadoria de um banco é o dinheiro que ele toma na forma de aplicações pagando uma taxa aos investidores, nós os aplicadores de poupança, conta corrente, CDBs e tantos outros títulos. Os bancos compram essa mercadoria (dinheiro) dos investidores pagando uma taxa e emprestam cobrando uma taxa maior, senão quebrariam. É a mesma lógica de qualquer comerciante, compra um produto por X e tem que vender por X mais um lucro, que no sistema financeiro chama-se spread. Bancos são os maiores investidores em tecnologia, o sistema bancário no Brasil é um dos mais estruturados tecnologicamente no mundo então eles têm informação suficiente pra saber qual a taxa média de inadimplência e perda por falta de pagamento e sabem que terão muitas dificuldades e custos pra cobrar dívidas na justiça. O que fazem então? Somam essa taxa de perda ao spread cobrado dos tomadores de empréstimo e assim conseguimos chegar na mais alta taxa de spread do mundo, ou falando num português mais claro, na mais alta taxa de juros do mundo, já que o nosso governo, eterno glutão de recursos, paga a maior taxa básica do mundo que somado ao maior spread do mundo conseguimos assim vencer o campeonato mundial de taxas de juros. Parabéns para nós que defendemos o não pagamento das dívidas. E se não pagarmos todos aos bancos? Ora não vamos esquecer que bancos não fabricam dinheiro, o recurso que eles usam pra emprestar é de terceiros, nós os aplicadores, e se os bancos quebrarem quem perde somos todos nós que ‘emprestamos’ aos bancos. Por isso fecharam os bancos na Grécia limitando os saques em caixas automáticos pra não sacarem todos os recursos e assim quebrar o sistema financeiro do país.
Então, o que você responderia num plebiscito sobre o não pagamento da dívida?
Não vai dar, não vai dar não
Você vai ver a enorme confusão
Que eu vou beber, beber até cair
Me dá, me dá, me dá
Me dá um dinheiro aí
(marchinha de carnaval composta por Ivan, Homero e Glauco Ferreira em 1959)