Não restam dúvidas: as eleições de 2022 mostraram um país
dividido, muito mais que em qualquer outra época. Seria muito simplista afirmar
que estamos polarizados nos extremos do espectro político, o Brasil e o século
XXI são muito mais complexos do que essa definição que remonta a Revolução
Francesa há mais de 200 anos.
O que particularmente me incomoda é o reducionismo às duas
bandeiras, como se fosse um simples RE x PA. Ou você é Remo ou Paysandu, não se
aceitam outras posições. Não por acaso os mesmos vendedores de bandeiras e
símbolos dos clubes faturam vendendo os símbolos políticos de cada ala. As
justificativas para escolher um clube de futebol não são racionais, é uma
decisão emotiva e pouco afeta o futuro de cada um ou do país. Não deveria ser
assim na política.
Primeiramente deveríamos entender a divisão de poderes
típica das democracias. Três poderes independentes e nenhum deve se sobrepor ao
outro atuando em harmonia pelo bem comum. Esse é o princípio constitucional e
deve ser mantido o equilíbrio e vigilância mútuos. Ocorre que nossas crenças
sebastianistas nos levam a imaginar que o chefe do Executivo tudo pode e a ele
cabe o poder total como nas monarquias da Idade Média. O Salvador da Pátria, independente de que
lado estiver.
O Poder Executivo deve atuar como o gestor de uma empresa,
não deveria caber a ele legislar, mas tão somente ter o modelo mais adequado de
gestão para atingir o melhor resultado na aplicação dos recursos dos
contribuintes. Direita e esquerda divergem neste aspecto no que tange a maior
ou menor interferência do Estado nestas ações. Aqui identificamos os liberais,
associados à direita, dos intervencionistas que pedem um Estado forte como
marca da esquerda.
A pauta de costumes separa os conservadores dos liberais, só
que os liberais nos costumes agora se identificam com a esquerda e os
conservadores estão alinhados com a direita. No entanto, o embate de costumes é
uma questão da sociedade e não de governos, muito menos do Executivo. A
sociedade está representada pelo Congresso, o Poder Legislativo e a ele deveria
caber discutir estas questões sociais. Nunca deveria ser agenda do Executivo
decidir sobre aborto, casamento gay, liberação das drogas, posse de armas e
afins. Essa é uma legítima atribuição do Legislativo e hoje confundimos o voto
no Executivo com essa pauta. Deveríamos escolher melhor nossos representantes
no Congresso para que eles falem por nós o que pensamos sobre costumes.
Além da questão econômica (que envolve a gestão dos
recursos) e a pauta de costumes, outras variáveis identificam os polos. A
religião é outra divergência, identificando-se a direita atual com a crença em
Deus e a bandeira religiosa opondo-se à esquerda que tradicionalmente omite
essa questão do debate ideológico. Mas na nossa Constituição está grafado que o
Estado é laico, portanto esta não deveria ser uma questão para se tomar partido
em nossas eleições.
Há ainda o posicionamento quanto à família, diferenciando-se
a direita defensora do modelo tradicional de pai, mãe e filhos e a esquerda
simpática a novos arranjos familiares.
Novamente, esta não deveria ser uma questão para se avaliar pretendentes
ao Executivo, nenhum presidente tem o poder da caneta para interferir nesse
tema. Mesmo que usasse da prerrogativa do Decreto Lei teria que ter aprovação
do Congresso, a quem de fato cabe a discussão e decisão junto com a sociedade.
Para não estendermos, o mundo hoje vive sob a sombra do
impacto climático comprometendo o futuro do planeta. Além disso, tem a
preocupação com uma sociedade mais justa e a governança anticorrupção, temas
abrigados na sigla ESG, abraçados pelas corporações mundo afora. Curioso é que
esse receituário foi cravado como política de esquerda e por causa disso tem
sido perseguido por governos republicanos nos EUA. No entanto, o ESG foi
adotado pelas empresas como reação ao desejo dos consumidores, uma resposta das
corporações para não perderem mercado principalmente junto às novas gerações,
mais sensíveis ao tema. Ou seja, não é a visão política de governos ou partidos
que tem provocado à adesão das empresas, mas o consumidor, que assim como o
cidadão deveria ser o senhor do seu destino.
Muitos que hoje estão divididos não percebem que podem defender bandeiras mistas e assim não pertencerem ideologicamente a nenhum extremo. Aliás, acho que a imensa maioria do país tem este comportamento. Eu, por exemplo, me defino como liberal na economia e nos costumes, creio que o país deva ter um governo laico, apoio a bandeira ESG, creio que sexualidade, religião e seu time de futebol são questões pessoais que devem seguir sem interferência do Estado e acredito que um presidente ou governador tem que ser um ótimo gestor e não um líder de torcida. E você?